quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O fumo é um ladrão do cotidiano



Luciana Saddi

Vários são os motivos que nos levam a fumar. O cigarro pode ser usado por curiosidade, pressão do grupo e influência da propaganda, que associou sedução e liberdade ao fumo.

É uma droga psicoativa, estimulante, que acelera o fluxo do pensamento e o trânsito das mensagens – deixa seu usuário mais “ligado”. O fumo serve como remédio para aliviar sensações desagradáveis: insegurança, angústia, ansiedade e até raiva. E se associa a certos hábitos repetitivos e à necessidade de manter o automatismo de algumas rotinas. 


Há quem use o cigarro para dar o sinal de que a refeição terminou, para controlar o apetite, pois o fumo diminui ou tira a fome e funciona como um anorexígeno. E há quem acenda um cigarro para diminuir a timidez ou o medo. Pode funcionar como um marcador de tempo ou como um símbolo de masculinidade. Está associado ao prazer ou a diminuição do desconforto – assim como todas as drogas.

No início do uso do cigarro, o fumante escolhe quando e onde fumar. Ele controla o fumo de acordo com a ocasião. À medida que ocorre a dependência o fumante passa a ser controlado pela sensação desagradável produzida pela falta da droga. É quando a síndrome de abstinência se instala causando taquicardia, tontura e uma intensa necessidade de fumar. Ao acender um cigarro a sensação ruim passa rapidamente, produz calma. Cria-se um círculo vicioso.

O cigarro assume o controle da situação. Para cada cigarro aceso há uma necessidade física ou psicológica, uma desculpa e um roubo de vida. O fumo é um ladrão do cotidiano, de sensações, sentimentos e pensamentos, que se vão com a fumaça. Não rouba apenas a saúde.

No entanto, o fumante quer acreditar que fuma somente porque gosta – ele pensa que é livre para escolher. Todo dependente químico arruma argumentos para não perceber que está perdendo a liberdade. E resiste a obter ajuda especializada.

Os efeitos desagradáveis do uso do cigarro parecem pequenos, como perda de fôlego – a grande queixa do fumante. Mas, os prejuízos são sentidos a longo prazo, pois essa droga demora para comprometer a saúde – ela opera silenciosamente, gerando grande impacto quando os prejuízos causados pelo seu uso se revelam.

Quando o medo e angústia se tornam inegáveis, surge a possibilidade de pensar em parar de fumar. Mas, parar de fumar não é fácil, há muitas recaídas e negociações internas – dá trabalho tratar dessa dependência, pois a relação com o cigarro está entranhada nos hábitos diários.

Ao parar de fumar somos tomados por estranhas sensações físicas e psicológicas, sobra um vazio, uma falta do que fazer com as mãos e com o tempo. A sensação de não saber onde colocar o desejo é constante. Dá saudades do prazer abandonado. Em momentos de muita tensão ou quando bebemos a fissura aumenta, mas, é preciso aprender a esperar e aprender a se aguentar nessas ocasiões.

O fumo rouba a saúde lentamente, surrupia sensações, sentimentos e pensamentos cotidianos de maneira imediata. E a liberdade vai junto com a fumaça.

Folha SP

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