terça-feira, 21 de agosto de 2012

Movimento de sem teto e eleição



Maior acampamento urbano de sem-teto em MG entra na campanha

Sonia: "Colocamos em votação na comunidade o apoio ou não ao Patrus. Foi consenso ficarmos ao lado dele"

Faz três anos que famílias sem teto se instalaram em um terreno próximo à Lagoa da Pampulha, área nobre de Belo Horizonte. No começo eram cerca de 250 pessoas; hoje são 5 mil - algo como mil famílias. A área pertence a uma construtora da cidade, que busca na Justiça a retirada dos invasores. A disputa, que se arrasta nos tribunais desde 2009, está ganhando agora contornos eleitorais. 


O grupo que organizou a tomada do terreno fechou apoio e vai fazer campanha para Patrus Ananias, candidato do PT à prefeitura da capital mineira e espera que ele, se ele eleito, regularize a situação das famílias. O prefeito e candidato à reeleição, Marcio Lacerda (PSB), é acusado pelo movimento de ter-se omitido sobre a questão.

O terreno pertencente à Construtora Modelo, empresa de médio porte de Belo Horizonte. Tem 315 mil metros quadrados e segundo a construtora vale cerca de R$ 60 milhões. Estava vazio em abril de 2009, quando as primeiras famílias chegaram. Não demorou para que pequenas casas de tijolo sem reboco começassem a ser erguidas. Hoje o lugar se parece com um bairro pobre, com ruas de terra sem calçada, sem rede de esgoto, água nem energia. Os moradores usam conexões clandestinas. A área ganhou o nome de Dandara. Trata-se da maior ocupação organizada de terras em área urbana em Minas Gerais, segundo as Brigadas Populares, o movimento que planejou a ocupação e que ainda se mantém como principal articuladora dos moradores. É a mais emblemática ocupação da cidade e o exemplo mais notável do problema de moradia.

Há duas semanas, coordenadores da campanha de Ananias assinaram um comunicado conjunto com representantes de três organizações de esquerda, entre elas as Brigadas. Na carta, os representantes da campanha dizem que um eventual governo de Ananias vai trabalhar pela "promoção do direito à moradia, disposto na Constituição Federal, que precisa ser garantido às famílias moradoras em ocupações urbanas, com ênfase ao processo de desapropriação sob motivação social da área onde se localiza a Comunidade Dandara e ao assentamento definitivo da Comunidade Zilah Spósito - Helena Greco". Zilah Spósito é outra ocupação coordenada pelas Brigadas. Tem atualmente cerca de 130 famílias.

"Colocamos em votação na comunidade o apoio ou não ao Patrus. Foi consenso ficarmos ao lado dele", disse Sonia Maria Mendes, 45 anos, uma das primeiras moradoras de Dandara e membro das Brigadas. "Nossa esperança é que ele desaproprie a área em benefício dos moradores e depois que ajude a trazer luz, água e esgoto."

A assessoria de Ananias disse à reportagem que o candidato tem a seguinte opinião: ocupação não é saída mais adequada para problemas habitacionais, e que o melhor é uma solução dialogada. Para Dandara, especificamente, a proposta é que se faça uma operação urbana que contemple as famílias, a empresa e o entorno e que essa solução esteja em sintonia com o orçamento participativo da habitação. Traduzindo: operação urbana poderia ser um projeto de lei que dê, por exemplo, à Modelo o direito de construir e, outro terreno e que a área onde está Dandara seja destinada ao programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal.

Do ponto de vista eleitoral, cogitar desapropriação para beneficiar famílias sem teto que ocuparam (ou invadiram, depende do ponto de vista) uma área privada é algo controverso em época de campanha.

"Aqueles setores do eleitorado que não concordam com esse tipo de iniciativa, das ocupações de terra, certamente não vão gostar. Setores ligados à área imobiliária, por exemplo, não veem com simpatia essa aproximação do candidato", diz Ricardo Ferreira Ribeiro, professor do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Belo Horizonte.

No entanto, ter o apoio de uma comunidade representativa entre movimentos sociais como Dandara e de seus idealizadores, as Brigadas Populares, pode ajudar a Ananias em outros setores da sociedade, diz Ribeiro. "É um movimento que pode atrair votos de setores da classe média que se solidarizam com a questão dos sem teto e se identificam com um candidato que se preocupa com questões sociais como a da moradia."

Segundo pesquisa do Ibope divulgada na semana passada, Marcio Lacerda tem 46% das intenções de voto e Ananias, 23%. A lógica da aproximação com os moradores de Dandara não se reduz à da contabilidade de votos, dizem assessores de Ananias. Tem a ver com a preocupação do candidato em discutir uma proposta para lidar com a questão habitacional e que inclua aquelas famílias. O prefeito Marcio Lacerda alardeia que nessa área, entre 2009 e 2011, mais de 5 mil moradias foram construídas e que 7,3 mil estão em fase de construção.

No caso de Dandara, em particular, disputa pelo terreno está na Justiça. Segundo Alysson Dias, advogado da Construtora Modelo, a dona das terras, a expectativa é que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgue ainda este mês um recurso apresentado pela empresa que garanta a retirada das famílias. "O que a Modelo quer é o imóvel, é a reintegração de posse", diz ele. Segundo Dias, depois de tramitar lentamente na Prefeitura, o projeto da empresa para a construção de um conjunto habitacional finalmente foi aprovado este ano. "Por ser um terreno grande, já temos conversas com investidores para a construção na área."

Ironicamente, é um projeto para o Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, para mais de 5 mil famílias com renda entre 0 a 3 salários mínimos e também para as de 3 a 6 e de 6 a 10. O fato de estarem morando no terreno não habilita automaticamente as famílias de Dandara a ter crédito para comprar unidades que venham a ser construídas ali pela Modelo.

As Brigadas Populares se classificam como uma organização política de caráter socialista que reivindica o nacionalismo revolucionário. O grupo nasceu em Belo Horizonte, existe há anos, mas no fim de 2011 incorporou outros três movimentos. As Brigadas têm ocupações e outras frentes de ação Minas, São Paulo, Bahia, Santa Catarina e Rio de Janeiro.

Valor

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