sábado, 7 de abril de 2018

Por quem as togas dobram?

Jorge Chaloub

O uso do termo “histórico” é cada vez mais desgastado por um jornalismo imerso em chavões e lugares comuns. Por vezes, entretanto, eventos merecem sem sombra de dúvidas tal qualificação. O julgamento do Habeas Corpus do ex-Presidente Lula, transcorrido ontem no Supremo Tribunal Federal, está entre estes. Estamos diante de um momento que marcará uma época, tamanha é a sua carga simbólica e as suas consequências políticas. A chancela dos seis ministros ao novo direito da Operação Lava Jato não afetará apenas as próximas eleições, que tiveram seu candidato favorito excluído e ganharam uma ainda maior dose de incerteza, mas aponta para a construção de um projeto de país.



Nenhum voto é tão eloquente neste sentido quanto o de Luís Roberto Barroso[1]. O jurista fluminense sem dúvida se distingue no colegiado, o que não é difícil em meio a uma formação particularmente medíocre, com nomes que não demonstram condições de ocupar posto de tamanha responsabilidade. Figuras como Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Carmen Lúcia e Fux – limitando-me apenas aos descalabros mais evidentes do ponto de vista intelectual – conseguem se destacar negativamente na história de um Tribunal que, desde a Primeira República, coleciona mais vergonhas explícitas do que raros momentos de altivez. O destaque em meio a decadência não lhe atribui, entretanto, a estatura que por vezes recebe.



Autor de uma teoria constitucional de médio alcance, elogiada em meio a precariedade acadêmica do mundo jurídico brasileiro, Barroso produz teoria social de péssima qualidade quando se aventura a fazer diagnósticos da realidade social. Em meio a exemplos aleatórios que mal disfarçam uma perspectiva autocentrada e incapaz de análises críticas, o ministro repete motes genéricos amparados em leitura pouca qualificada de Sergio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro. Os males estão no Estado intrinsecamente corrupto e em uma sociedade civil marcada por vícios morais, enquanto que as virtudes surgiriam de ampliação de uma lógica de mercado, capaz de superar os vícios patrimoniais da sociedade. A tarefa depende do Judiciário, e mais explicitamente da Supre Corte, que teria não apenas o tradicional papel “contramajoritário” e o mais recentemente reivindicado papel “representativo”, mas também uma função “iluminista’[2].



O iluminismo por vezes se faz presente na defesa de direitos individuais, sobretudo através da sua pregressa atuação como advogado, mas não titubeia quando entende ser necessário suprimi-los em nome da moralização da vida pública. As menções à seletividade penal se pretendem mais sofisticadas, mas apontam para argumentos semelhantes à lógica punitiva de “resultados” e ao discurso de um “excesso de direitos”, que marca tanto a Lava Jato como um crescente campo da Direita organizado em torno do tema da Segurança Pública.



Barroso fornece verniz retórico a um projeto de imposição da lógica do mercado através da força. Crítico longevo da Constituição de 1988, sua atuação colabora decisivamente para sepultá-la. Arauto do neoconstitucionalismo em terras brasileiras, mostra como a aplicação sem parâmetros públicos de princípios pode se aproximar de um decisionismo de corte autoritário. Seja por meio de uma aplicação autocrática do direito ou da cada vez mais presente voz dos quartéis, a política e a democracia perdem espaço para uma imposição crua de racionalidades supostamente neutras do direito e da economia através da força.



Após um presidente que louva sua impopularidade e sua chegada ao poder sem eleições como virtude, que o permite melhor aplicar os remédios “necessários” para o país, e impõe reformas que não passariam pelas urnas, destinadas a destruir todos os possíveis traços de estado social, o jurista fluminense surge, em tom soberbo, no papel de legitimador deste estado de coisas. O horizonte aponta para a limitação, por meio das leis e das armas, de qualquer movimento de sentido progressista num futuro próximo. Vivemos tempos de exceção.



* Jorge Chaloub é um dos editores da Revista Escuta.



Notas:



[1] Parte da argumentação deste artigo foi construída de forma mais ampla e detalhada em artigo meu com Pedro Lima, recentemente publicado na Revista de Ciências Sociais da UFC e disponível em http://www.periodicos.ufc.br/revcienso/article/viewFile/19489/71771



[2] Artigo publicado na Folha de São Paulo em 23/03 e disponível em https://www.conjur.com.br/2018-fev-23/artigo-barroso-defende-papel-iluminista-stf



Revistaescuta

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