sexta-feira, 27 de abril de 2018

Carta aberta aos bispos brasileiros,

56ª Assembleia Geral da CNBB[1]

Senhores bispos,
Mais uma vez a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se reúne em assembleia para discutir os rumos da Igreja Católica no Brasil.


A CNBB nasceu da inspiração de Dom Hélder, o “santo rebelde”. E Dom Helder se tornou referência ética e profética para os cristãos porque sempre foi um discípulo que tinha lado: o lado dos pobres, dos excluídos, dos marginalizados, dos sem voz e sem vez. Optou por seguir, radicalmente, Jesus de Nazaré - que nunca deixou de afirmar com gestos, palavras, ações e testemunhos que o Deus da vida é do Deus dos pobres e dos sofredores.





Neste ano do laicato, a CNBB está a insistir no protagonismo dos leigos. Pois muito bem! Estamos aqui para incitá-los a um debate e uma reflexão sobre a vida (e a morte) dos brasileiros e o papel da Igreja Católica no momento atual do nosso país.





Num país marcado pela secular e avassaladora desigualdade social[2], pela violência estrutural[3] e pela injustiça[4], a impossibilitar condições de vida com dignidade a milhões de brasileiros[5], o testemunho cristão é um imperativo ético, um dever profético e uma atitude de fé.





Nos últimos anos assistimos em nosso país ao recrudescimento de disputas reais e simbólicas que redundam num quadro de deterioração sem precedentes de conquistas sociais e políticas dos brasileiros. Como se não bastasse tão grandiosa desventura, um clima de ódio e de violências se espraiam no país.





A CNBB já se manifestou algumas vezes sobre alguns desses temas[6]. Não obstante, a coalizão governista toca uma avassaladora política ultraliberal e continua a empreitada de privatização e esfacelamento do estado e das políticas sociais.





Por outro lado, há um vertiginoso crescimento de grupos religiosos ultraconservadores, inclusive dentro do espectro do catolicismo, colonizando os poderes públicos e usando de estratégias violentas para a criminalização dos mais pobres, dos defensores dos direitos humanos, dos movimentos sociais organizados; enfim, de segmentos que lutam por uma sociedade mais justa, igualitária, fraterna e inclusiva.





No quadro político, a deterioração dos três poderes da República sinaliza a ausência de qualquer perspectiva para saídas democráticas e constitucionais à crise institucional que se instalou no país desde as eleições de 2014, agravando-se com o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff, sem comprovação de crime de responsabilidade, e a controversa prisão do ex-presidente Lula, marcada por um processo caracterizado pela politização judicial[7]. Esses fenômenos não podem ser naturalizados e refletem os caminhos tortuosos da vida política nacional.





A imprensa, dominada por oligopólios econômicos, atua em uníssono como um partido político, a impor uma “verdade única” e a insuflar a radicalização dos discursos de ódio. As redes sociais se transformam num patíbulo.





O desrespeito à ordem constitucional levou membros das Forças Armadas, na ativa, a desrespeitarem flagrantemente a lei[8] , manifestando publicamente suas posições políticas e partidárias.





O Supremo Tribunal Federal se transformou num campo de batalhas, exibidas em rede nacional, para o constrangimento geral.





O panorama eleitoral é dos mais complexos: projeções especializadas dão conta que é alta a tendência, nas eleições deste ano, de manutenção dos atuais ocupantes do Congresso Nacional[9], caracterizado pelo conservadorismo[10] e por implementar uma série de reformas que maculam a Constituição Federal de 1988.





Sob outra perspectiva, há uma clara estratégia de empoderamento político-partidário de muitas igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais e partidos ligados a elas para ampliarem suas bancadas na Câmara e no Senado a partir de 2019.[11]





O quadro torna-se ainda mais complexo à medida que está cada vez mais incerta a realização das eleições, previstas para outubro deste ano.





Nesse cenário, a tendência de um acirramento das disputas parece evidente. Além do escandaloso contingente de homicídios no país (cerca de 60 mil por ano, vitimando principalmente pobres, negros e jovens), o número de ativistas executados nos últimos cinco anos já chega a 194, sendo 20 apenas no Rio, segundo levantamento do jornal “O Estado de São Paulo”. A União de Vereadores do Brasil informa que o número de vereadores e de prefeitos mortos entre 2017 e 2018 já chega a 23. Estão de volta os crimes políticos, a nos recordarem, entre outros acontecimentos, os tempos sombrios da Ditadura.





Como é sabido, num país historicamente marcado pela aniquilação das vozes que discordam do establishment, certamente serão os pobres, os movimentos sociais e os grupos vulneráveis que padecerão da violência estatal à medida que se aprofundam as crises política, econômica e institucional.





Por isso, pensamos que a CNBB, tendo em vista sua história na luta pelas liberdades democráticas e pela justiça social, é convidada a se posicionar claramente sobre a situação política atual do nosso país, a indicar à sociedade brasileira caminhos de superação da crise.



Está em jogo, no atual momento, o futuro da nossa Nação. Muitos podem argumentar que a pior atitude da Igreja, com vista a agradar gregos e troianos, seria a omissão. É fato que uma atitude profética sempre implicará em riscos.





O medo e a paralisia que se abateram sobre muitas lideranças sociais e políticas - e que trarão consequências perversas à vida do nosso povo – poderiam ser enfrentados com corajosa atitude profética dessa Conferência, nesse momento crucial da vida nacional.





Não poderia ser diferente. Terminamos essa modesta missiva com um trecho da última exortação apostólica do Papa Francisco: “Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo, onde alguns festejam, gastam folgadamente e reduzem a sua vida às novidades do consumo, ao mesmo tempo em que outros se limitam a olhar de fora enquanto a sua vida passa e termina miseravelmente. ” (Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, 101).



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[1] De 11 a 20 de abril de 2018, em Aparecida (SP).

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