terça-feira, 17 de abril de 2018

Para onde vamos? Cinco teses sobre a conjuntura


Valério Arcary


Os eventos se sucedem em velocidade acelerada, mas o país caminha em marcha ré. O sistema político dominante parece desmoronar, mas somente para ceder lugar à edificação de algo mais rígido e sombrio. A instabilidade é tamanha que o amanhã desponta como imprevisível, mas as nuvens carregadas no horizonte são cinzas e os monstros saíram das catacumbas.

Em síntese, as forças reacionárias prevalecem num cenário de notável turbulência.



Poucos poderiam imaginar uma evolução negativa tão veloz do cenário político nacional como a que ocorreu nos últimos meses. O anúncio da intervenção militar no Rio de Janeiro, a bárbara execução política de Marielle Franco e Anderson e a prisão política de Lula intensificaram perigosamente o curso reacionário dos acontecimentos.



A crise política e social se agravou sensivelmente, e os desdobramentos dela são ainda imprevisíveis. O conflito atual entre variadas forças sociais e políticas – classes, frações de classe, partidos, instituições, lideranças etc. – revela que há uma encarniçada luta pelos rumos do país.



A burguesia avança, mas há divisões em seu interior sobre até onde chegar e como alcançar os objetivos. A classe trabalhadora e os oprimidos estão na defensiva, mas resistem bravamente com suas lutas, enquanto a classe média segue majoritariamente à direita, sendo a principal base social da extrema-direita.



A Nova República está ruindo sem que tenha sido alcançado uma nova ordem que a substitua: um novo equilíbrio não foi atingido. Há diversos projetos em disputa. A velha representação política burguesa (MDB, DEM, PSDB) luta para manter de pé o combalido sistema político-partidário. Já a fração capitalista encarnada na Lava Jato quer impor mudanças reacionárias no regime, de modo a torná-lo mais eficiente, blindado e repressivo. Lula e o PT, por sua vez, buscam sobreviver à brutal ofensiva que os atinge sem abrir mão do compromisso conciliatório com os poderosos.



A crise do centro do sistema, tanto à esquerda como à direita abre espaço para novas forças políticas. A extrema-direita avançou vigorosamente nos últimos anos, conquistando influência de massas, ainda que minoritária. Um líder neofascista, Jair Bolsonaro, pode chegar ao segundo turno das eleições presidenciais.



Do outro lado, a reorganização da esquerda ganhou um impulso com o lançamento da candidatura de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara à Presidência. A aliança formada entre o PSOL, MTST, PCB, entre outras organizações, abre a perspectiva da construção de uma nova estratégia na esquerda, que seja a do confronto com os ricos e poderosos e não mais a da conciliação de classes representada pelo lulismo.



Posto esse quadro introdutório, apresentamos cinco teses provisórias que resumem aspectos fundamentais da presente situação política nacional.



1- O colapso do pacto social

O programa econômico do golpe tem como objetivo estabelecer um novo patamar de exploração, espoliação e de entrega das riquezas e do patrimônio nacional ao capital estrangeiro. A redução do salário médio, a liquidação de direitos, os cortes brutais nos investimentos sociais e o ambicioso plano de privatizações compõem o coração da política econômica.



O fim da recessão econômica não veio acompanhado da melhora dos indicadores. Ao contrário, os elementos de crise social se aprofundam: desemprego nas alturas; achatamento da renda média do trabalhador; acelerado aumento da desigualdade, da pobreza e da fome; e crescimento alarmante da violência urbana.



O mal estar é generalizado. A classe dominante rompeu com o pacto social inscrito na Constituição de 1988, o qual previa direitos, ainda que a aplicação destes fosse restrita, deformada, limitada e parcial. Com o golpe parlamentar, a burguesia assumiu o programa de “guerra social”. Neste momento, o capital quer eleger um novo governo comprometido com a aplicação desse programa de devastação social e regressão econômica.



2 – Transformações reacionárias no regime político

A democracia-burguesa no Brasil é cada vez menos democrática. O projeto econômico de natureza neocolonial pressupõe uma estratégia de reformulação do regime de dominação. O Executivo e o Legislativo perderam força; em contrapartida, o Judiciário e as Forças Armadas ganharam cada vez mais relevância política.



Conquistas democráticas fundamentais estão sob ameaça. Se a capacidade de exercer a dominação pelo consenso diminuiu, aumentaram as medidas coercitivas para o exercício da ordem burguesa. Caminhamos a passos acelerados para uma democracia-capitalista ainda mais restrita, amputada, blindada e repressiva.



A Lava-Jato serve às transformações reacionárias no regime, particularmente por restringir ou anular direitos democráticos, atingir especialmente lideranças da esquerda reformista (PT) e fortalecer instituições como o Judiciário, a Polícia Federal, o Ministério Público e também as Forças Armadas.



Numa frase: estamos diante de uma fração burguesa, tendo a Globo como vanguarda, que quer impor um projeto de reformas autoritárias no regime político. Mesmo quando a Operação atinge figuras da direita tradicional (como Temer) e reconhecidos corruptos (Cunha, Geddel etc.), o caráter reacionário da Lava Jato em nada se altera.



Por fim, mesmo que a República de Curitiba venha pegar um ou outro tucano – como o já abatido Aécio -, será apenas para disfarçar o fundamental. A proteção do “santo” Alckmin é alegórica. A esquerda que se alinha com a Lava Jato está cruzando a fronteira de classe.



3- Neofascismo mostra as garras

A execução política de Marielle e Anderson, os tiros na Caravana de Lula, o recrudescimento dos assassinatos políticos de sem-terras e indígenas e do genocídio do povo negro e pobre nas periferias, bem como as crescentes ações de violência, intimidação e perseguição contra ativistas dos movimentos sociais e da esquerda acendem o alerta vermelho. Se alimentando do medo e do ódio disseminados em parcelas da população, o monstro neofascista levantou a cabeça.



Não estamos perante o perigo imediato de uma ditadura militar, tampouco da ameaça de uma contrarrevolução fascista no Brasil. Mas esse fato não diminui a gravidade da existência de uma extrema-direita com influência de massas no país, ainda que minoritária.



Bolsonaro é um líder fascista seguido por milhões que pode ir ao segundo turno das eleições presidenciais. Em torno dele se organiza um movimento político nacional que promove companhas, reuniões, eventos, atos. A rigor, há um embrião de um partido neofascista em construção em torno de sua figura. Qual será o futuro desse projeto? Muito difícil prever hoje. Neste momento, Bolsonaro acomoda seus objetivos imediatos no regime democrático-eleitoral, mas e amanhã?



Não é hora de condescendência com os inimigos das liberdades. A política da Frente Única antifascista ganha importância redobrada. A unidade de ação para o enfrentamento enérgico em todos os terrenos é chave para deter o perigo neofascista.



4- Resistência dos trabalhadores e oprimidos é a esperança

Diante de ataques colossais, os trabalhadores, os oprimidos e a juventude resistem, embora haja flutuações de intensidade conforme a conjuntura e as circunstâncias envolvidas.



Em outras palavras, há um quadro de lutas de resistência no marco de uma situação defensiva. Vejamos: em 2017, a classe trabalhadora protagonizou, em 28 de Abril, uma histórica greve geral contra as reformas. Nos últimos anos, houve um número expressivo de greves e ocupações de terra. E também diversas e expressivas manifestações de mulheres, negras e negros e LGBTs por seus direitos. As pautas das mobilizações, em geral, foram defensivas, mas as lutas demonstraram capacidade de reação diante dos ataques desferidos.



No início deste ano, houve uma forte comoção com o assassinato político de Marielle, e mais de 150 mil pessoas foram às ruas no dia seguinte à execução. A ocupação Povo Sem Medo, em São Bernardo do Campo (SP), que se tornou um símbolo da resistência social no país, conquistou terrenos para a construção de moradias populares. Por sua vez, a forte greve dos servidores públicos da cidade de São Paulo derrotou a reforma da previdência de Dória (PSDB). Esses exemplos demonstram que há disposição de resistência entre os debaixo.



Diante da atual ofensiva capitalista, é preciso apostar na unidade pra lutar: unidade para defender os direitos dos trabalhadores e dos oprimidos; unidade para defender os salários e os empregos; unidade em defesa da educação e da saúde públicas. E unidade também para lutar contra os ataques às liberdades democráticas, por justiça a Marielle e contra a prisão de Lula.



Nesse sentido, é um dever dos partidos de esquerda (PT, PCdoB, PSOL, PSTU, PCB), dos sindicatos e centrais sindicais (CUT, CTB, CSP-Conlutas, Força Sindical etc.) e do conjuntos dos movimentos sociais (MTST, Povo Sem Medo, MST) promover a unidade concreta na luta em defesas das demandas sociais, econômicas e democráticas. Não há tempo a perder. É apostando na luta unificada da classe trabalhadora e dos oprimidos que podemos virar o jogo.



5 – A urgência de uma nova alternativa na esquerda

A pré-candidatura de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara à presidência é, ao mesmo tempo, símbolo e aposta da retomada de um projeto de esquerda que fale a língua da luta de classes, a língua dos debaixo, e não a da submissão, conciliação e acomodação com o andar de cima.



A aliança selada entre o PSOL, MTST e diversos outros movimentos impulsiona uma iniciativa política que transcende a disputa meramente eleitoral, pois abre caminho para a reorganização da esquerda sob novas bases políticas e programáticas.



Para superar o petismo e sua estratégia permanente de conciliação com os poderosos, devemos evitar o erro sectário. Neste momento, é decisiva a luta unificada por justiça a Marielle, o combate ao neofascismo, a mobilização contra a condenação e prisão de Lula, a luta unitária contra o governo Temer e as reformas e contra a intervenção militar no Rio. A unidade da esquerda na luta é uma bandeira central para os dias de hoje.



Porém, ao mesmo tempo, é necessário reconhecer que, sem romper política e programaticamente com o lulismo, a nova esquerda terá vôo curto. A conciliação de classes não é apenas indesejável agora: ela foi a responsável por abrir as portas para o golpe parlamentar e a onda reacionária que se abate sobre o nosso povo. A estratégia da conciliação revelou todo seu fracasso e impotência com a prisão de Lula sem resistência a altura da direção do PT.



Por isso, nas eleições desse ano, é fundamental afirmar um novo projeto para a esquerda, com um novo programa. Se a unidade da esquerda para lutar é fundamental, nas eleições será preciso priorizar a construção do novo, de uma nova estratégia, para não repetirmos os velhos erros. A direção do PT já deu repetidas provas que seguirá com suas alianças com setores da direita e com o programa de conciliação com o grande capital, mesmo com Lula na cadeia. Não vamos seguir esse caminho que já se demonstrou trágico. Vamos por outro, apostando nas ruas, na luta independente dos “debaixo”, levantando um programa anticapitalista com Boulos, Guajajara e o PSOL.


Esquerda on line


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