quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Na periferia, o Estado é de Exceção!

Max Maciel

“Polícia invade seu barraco sem mandado, xinga sua esposa, quebra tudo e depois sai vazado....”

O trecho logo acima é da música Ceilândia Resistência, do rapper Brasiliense Japão (Viela 17). A frase narra um pouco sobre sua realidade e o que ocorreu com ele. A polícia invade, causa o terror na família e, depois, simplesmente diz que foi “engano”. Sem saber a quem recorrer, só lhe resta recolher a bagunça, arrumar. E a vida segue.

Na mesma rua, anos depois, a polícia invade uma casa, pega o jovem suspeito e leva para a DP, também sem mandado. Ao falar sobre, não é difícil aparecer jovens relatando que foram detidos sem sequer cometerem algo. Alguns ficam 6 meses, na legal afirmação de prisão temporária. Saem quando a Justiça percebe que o engano ou mesmo que eles não tiveram participação no crime em questão. Mas aí fica a mancha que nem sempre sai rápido. Ex-presidiário. A tal condução coercitiva é prática corriqueira nas periferias brasileiras.



Não há diálogo. A viatura para e dá a entender que os jovens já nasceram treinados para tomar “bacú”. Abrem as pernas, cruzam os dedos e de costas, sem sequer saber os motivos e quem os abordam, são destratados enquanto cidadãos.



"Protegendo bandido, Max?". "Não, relato que o incomum 'suspeito padrão' que virou regra". Não tem inteligência. Procedimento Operacional Padrão (POP), ou melhor tem um padrão: "Cala a boca, olha pro chão!".



Na periferia, há os tribunais de exceção. Como se fosse legítimo, quem tem passagem pela polícia merece apanhar. Da mesma forma que é lícito a imprensa noticiar as mortes por policiais já dizendo – "Jovem com passagem pela polícia é morto em operação". Opa, o termo "com passagem" já soa como: "Mereceu".



Mas e aí, mereceu?! Não seria melhor prender e julgar?



"O que faz um agente do Estado, ao invés de seguir as normas? Altera as cenas, forja situações, mente e ainda se esconde sob a proteção corporativa. Não podemos aceitar que a instituição que seria para proteger seja aquela que temos medo ao ver na esquina"



O que faz um agente do Estado, ao invés de seguir as normas? Altera as cenas, forja situações, mente e ainda se esconde sob a proteção corporativa. Não podemos aceitar que a instituição que seria para proteger seja aquela que temos medo ao ver na esquina.





Há uma relação entre a polícia e as periferias. Parece que uma foi feita para inibir a outra. Não desce, não sobe! Aba reta, bermudão, pode parar que é ladrão. Qual resultado dessa legitimidade velada?



· Chacinas em Osasco, em 2015. Foram 23 mortes;



· As mortes dos 5 jovens, no último dia 21 de outubro, na Grande São Paulo.



· 11 PMs como integrantes de um esquadrão da morte responsável por mais de 100 mortes em Goiás.





· Uma série de reclamações diárias sobre abordagens truculentas.



Pode parecer que sou contra a polícia, mas digo que não. Sou contra a Polícia Militar, que é uma reserva do exército. Uma polícia pautada no 190, ostensiva, sem diálogo, sem proximidade. Uma polícia dividida entre Oficiais e Praças.



Em muitos estados, a população sequer sabe o que significa o Procedimento Operacional Padrão (POP).



Muitos estados também não possuem ouvidoria independente. Aqui, no Distrito Federal, por exemplo, reclamamos para a polícia sobre os erros da própria polícia. E o sentimento é que fica por isso mesmo.



Mas quais são os números disso? Sabemos que nesse Estado de Exceção há baixas nos dois lados. No entanto, os números são alarmantes apenas para um único lado.



Segundo o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), nove pessoas foram mortas por policiais por dia no Brasil em 2015; número 6,3% maior do que o registrado em 2014. No total, 3.345 cidadãos foram mortos por policiais militares ou civis no ano passado.



A taxa de letalidade policial no País é de 1,6 por 100 mil habitantes, maior do que em Honduras, considerado o país mais violento do mundo, onde a taxa é de 1,2 por 100 mil. No país da América Central, 98 pessoas foram vítimas de letalidade policial, contra 3.345 no Brasil em 2015.



Outro dado comparativo indica que o número de mortes causadas pela polícia no Brasil, entre 2008 e 2015, é superior a todos os assassinatos registrados nos 44 países da Europa em 2013.



Outro lado da história: O número de policiais vítimas de homicídios quando estão em serviço ou de folga também são altos no país. No ano passado, 393 policiais foram mortos.



Segundo o anuário, os policiais brasileiros são três vezes mais assassinados fora do horário de serviço do que trabalhando. Mas, em 2015, houve crescimento de 30,5% no número de policiais assassinados: 103 morreram durante o expediente e 290 fora (queda de 12,1%), geralmente em situações de reação a roubo.



Bem, está na cara que este modelo está errado. Temos uma polícia a favor de manter o patrimônio e treinada para a guerra. Que mata e morre. Que se suicida, que sofre sem estrutura mas, que permanentemente é formada para pegar o inimigo. O “peba” da esquina, fragilizado. A a única política do Estado que chega na periferia é esta Corporação.



Dai venho com outra frase, agora do Rapper, também brasiliense, GOG: “Se não estamos preparados para a paz, muito menos estão os soldados, treinados para guerra...”



Precisamos de um Estado de Direito, com políticas públicas que não sejam usadas como argumentos para reduzir apenas a violência. É necessário que todos tenham ciência de que é um direito da população ter acesso à Segurança Pública, esporte, lazer, cultura, à cidade. Precisamos focar no território, mudar as lógicas estabelecidas, fazer uma política de segurança com cidadania, uso progressivo da força e, sobretudo, presente. Presente nas redes sociais locais, que debatam internamente o racismo institucional, a conduta pautada na defesa dos direitos e que sejam melhor estruturadas.



Enquanto isso se constrói ou ficam nas discussões e reuniões palacianas, mantemos nossas questões:



Onde está Amarildo? Onde está Antônio?



Pelo fim dos autos de resistência.



Não acabou, tem que acabar...



♦ Max Maciel, jovem periférico nascido e criado em Ceilândia, maior periferia do Distrito Federal, é ativista social, pedagogo de formação e especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela Universidade de Brasília (UnB).


Caros Amigos


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