sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Mais Democracia

 Rubens Pinto Lyra (*)

O chofer de taxi me explicou por que iria votar em Bolsonaro. Quis retorquir, esboçando a defesa da democracia. Mas, irredutível, ele desfiou suas razões, perguntando-me se valia a pena sustentar um regime que nos conduziu ao atoleiro em que nos encontramos. 

 A confusão que estabelece o nosso valoroso taxista entre democracia de baixa intensidade e democracia tout court não ocorre apenas entre os que têm uma percepção limitada da política. Mesmo os mais letrados também confundem as bolas. Não percebem que, onde enxergam democracia, o que existe é precisamente a sua negação. 


 Nesse aspecto, o affaire do impeachment é exemplar. Se Dilma não conseguiu mais governar, e se foi afastada do poder, mediante golpe branco, inaugurando período de aguda instabilidade político-institucional e de retrocessos econômicos e sociais, isso se deve não à democracia, mas as suas lacunas. 

 Tivéssemos uma imprensa livre, como nos principais países europeus, onde TVs públicas, com ampla audiência, garantem o pluralismo político e ideológico, o sufrágio universal não teria sido conspurcado por um golpe, no qual o oligopólio midiático, agressivo e totalitário, teve papel central. 

 Outro fator comprometedor da idoneidade do voto livre e soberano é o nosso atual sistema político-eleitoral. Foi o domínio avassalador do poder econômico nas eleições que pariu a excrescência ético-política representada pelo atual Congresso e, com ele, decisões que afrontam o regime democrático. 

 Somente uma reforma política construirá o segundo pilar da democracia: a existência de mecanismos de participação direta do povo, deliberando sobre os grandes problemas nacionais e um sistema representativo que garanta a proximidade do eleitor com o cidadão, escoimado da influência do dinheiro, assegurando-se o voto facultativo e a revogação, por consulta popular, dos titulares de mandato eletivo (recall). 


 Há, ainda, um terceiro ingrediente indispensável ao funcionamento pleno das instituições democráticas: a participação popular no quotidiano da gestão pública. Até agora, o controle estatal somente tem sido eficaz para fiscalizar orçamentos menores de gestores honestos: nas grandes empresas públicas, milhões são desviados, sem que ninguém disso se aperceba. 

 Mas essa anomalia é deliberada: governos conservadores, e, até “progressistas”, têm demonstrado ojeriza à participação independente do cidadão nos órgãos de governo. Temem que seu protagonismo revele suas ineficiências, ou suas falcatruas. É, portanto, da pouca consistência da democracia de que derivam os nossos problemas. O caminho para resolvê-los há ser o do seu aprofundamento, jamais sua supressão. 

 Compete à esquerda abordar com didática e competência essa questão, pois a ameaça Bolsonaro só se ampara no quiproquó, adrede cultivado pela direita, de que os males do povo brasileiro têm origem na democracia. Essa não é uma tarefa fácil para as chamadas “forças progressistas”: elas, com frequência, abonaram regimes liberticidas, externamente, e, internamente, descuidaram-se do aprimoramento das liberdades e direitos constitucionalmente assegurados ( no último caso, a leniência perante o império midiático é exemplar). 

 E mais: permitiram que inovações como conferências, conselhos, orçamentos e ouvidorias se tornassem instrumentos da participação tutelada na gestão pública, sufocando sua autonomia. Agora, trata-se de seguir caminho bem diverso, indo além da tradicional pauta econômica e social. Face à dupla ameaça - a do Estado de Exceção fomentado pelo ativismo judicial e a da pregação nostálgica de retorno ao militarismo – é chegada a hora de se conferir centralidade à defesa do Estado de Direito e à radicalização da democracia.


(*) Doutor em Direito Público e Ciência Política

rubelyra@uol.com.br 

Leia do autor:

Teoria Política e Realidade Brasileira: incidências sobre a conjuntura política atual ( Campina Grande: EDUESPB, 2017, 284 p.

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