sábado, 1 de agosto de 2015

IPTU progressivo: a lei sai do papel?



O IPTU Progressivo é um meio de arrecadação tributária visivelmente corretivo do abuso de direitos sobre espaços urbanos.

Jacques Távora Alfonsin

Uma prova indiscutível de descumprimento da função social da propriedade e da posse de um determinado imóvel, é visível naqueles deixados em estado de visível abandono ou desuso, degradação e até ruína, em grande parte das cidades mais populosas do Brasil.



Esse problema foi enfrentado pela Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, pelo Estatuto da Cidade, procurando acabar com o mau uso do espaço urbano, prejudicando a saúde, a segurança e, não raro, até o sossego da vizinhança próxima dos locais onde ele se encontra, além de agredir a estética urbana e poluir o ambiente, com o acúmulo de lixo e outras inconveniências.

No art. 182, § 4º, II, da Constituição Federal, por exemplo, existe competência aberta aos municípios de instituírem “imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo”. No Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) a possibilidade dessa tributação ser criada pelos municípios está prevista entre os arts. 7º e 8º. Na redação do último, há advertência expressa ao proprietário flagrado nesse descaso: se ele, depois de cinco anos contados da data em que foi notificado para pagar o IPTU progressivo, não cumprir a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o seu imóvel, isso dará direito ao município de desapropriar o bem “com pagamentos em títulos da dívida pública”.

A Carta Maior de 25 de agosto do ano passado informava estarem sendo tomadas as providências tendentes a tirar do papel essas medidas legais, próprias da competência municipal. Segundo a notícia, São Paulo “dará início, nos próximos dias, às notificações de Parcelamento, Edificação e Uso Compulsórios (Peuc) aos proprietários de 150 imóveis e terrenos que estão vazios ou subutilizados no centro expandido de São Paulo”.

Em Porto Alegre, uma lei complementar da década de 90 do século passado (nº 312/1993), promulgada durante a gestão administrativa do então prefeito Tarso Genro, poderia estar obtendo efeito quando menos semelhante ao de São Paulo. Ela dispõe sobre formas de o Poder Público municipal cobrar o cumprimento da função social da propriedade dos imóveis urbanos da cidade, exigindo do seu proprietário, conforme o tamanho da fração de solo por ele titulada, o parcelamento, a edificação ou a utilização do seu bem, conforme determina a Constituição Federal.

Confiado nisso, o Vereador Marcelo Sgarbossa protocolou pedido de informação ao Prefeito no dia 05 de fevereiro passado, no qual solicitava a Secretaria Municipal de Urbanismo (Smurb) apresentasse o produto de estudos técnicos realizados pelo poder executivo municipal no sentido de demarcar as Áreas de Urbanização e Ocupação Prioritária (AUOPs), e identificar os imóveis enquadrados nas definições estabelecidas pela mesma Lei 312/93, bem como o texto dos projetos de lei enviados em atendimento ao que ela dispõe.

Isso não aconteceu até hoje, com evidente prejuízo do quanto o uso do solo urbano em desconformidade com sua função social prossegue sem qualquer tipo de advertência e correção, as receitas públicas estão perdendo com as sanções tributárias aplicáveis nesses casos e, pior, mais atrasada fica a implementação da reforma urbana indispensável às garantias devidas aos direitos humanos fundamentais de moradia do povo pobre da cidade, carente de espaços urbanos presos numa sujeição ilegal.

Ao que se saiba, nem a lei complementar 312/93 sofreu qualquer impugnação judicial nem a Lei Orgânica do Município do Município no capítulo das atribuições do prefeito de Porto Alegre. Com o mérito de a primeira ter sido promulgada ainda antes do Estatuto da Cidade, mantém plena harmonia com ele e está equipada para fazer o mesmo que São Paulo está fazendo agora.

É bem conhecida a antiguidade das discussões em andamento no Congresso Nacional sobre a reforma tributária, ora para desonerar ou onerar mais justamente, conforme o caso, determinada atividade econômica, ora para aprimorar os meios de fiscalização. No caso de Porto Alegre, pelo menos no referente ao imposto predial urbano, a dita reforma nem precisaria da mesma urgência, salvo melhor juízo, se fosse obedecida aquela lei.

O IPTU Progressivo é um meio de arrecadação tributária visivelmente corretivo do mau uso ou do abuso de direitos sobre espaços urbanos necessários às garantias devidas aos direitos humanos fundamentais sociais, particularmente o da moradia. Quem é pobre e mora mal ou não tem teto não pode ser vítima dessa ilegalidade e dessa injustiça.

Bastaria a lembrança do escandaloso déficit que esse direito sofre na maioria das cidades brasileiras, para se concluir quanto a omissão do Poder Executivo de Porto Alegre em dar resposta ao pedido do vereador, desrespeita o interesse difuso em toda a fração de povo credora do cumprimento da função social da propriedade.

Ainda há esperança de não se repetir desta vez, o modo como esse Poder se comportou anteriormente, movendo uma ação direta de inconstitucionalidade contra o estabelecimento de mais de uma dezena de áreas especiais de interesse social (AEIS), reconhecidas por lei. São áreas carentes de regularização fundiária e de serviços públicos essenciais à população ali residente, por sinal representada e participante dos debates realizados pela Câmara Municipal, pelas famílias pobres que a integram, dando conta de suas necessidades, interessadas na promulgação sem veto da mesma lei.

O princípio constitucional da função social da propriedade é um dos menos respeitados no país, seja pelas/os proprietárias/os de imóveis, seja pela administração pública, seja pelo Poder Judiciário, raras exceções a parte. Quem sabe a recente iniciativa do município de São Paulo contribua para garantir os efeitos legitimamente esperados dele e seja seguido por outras cidades brasileiras.

Carta Maior




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