domingo, 9 de agosto de 2015

Sapé deve Título de Cidadania à João Pedro Teixeira


Mártir das Lutas Camponesas

Fundador e vice-presidente da Liga Camponesa de Sapé (PB), uma das mais combativas e atuantes do país, o líder João Pedro Teixeira foi assassinado a tiros por pistoleiros, a mando de latifundiários da região, em 2 de abril de 1962. Desde criança, João Pedro – nascido em 1918 no distrito de Pilões, município de Guarabira (PB) – tinha vivido na pele a violência dos latifundiários. 



Seu pai, que arrendava a área de um fazendeiro, entrou em conflito com o proprietário e, atacado por jagunços, baleou um deles e fugiu. Não voltou mais. João Pedro tinha apenas seis anos de idade quando isso aconteceu. Depois de trabalhar na agricultura, na juventude, João Pedro tornou-se operário, empregando-se em pedreiras na Paraíba e, depois, em Jaboatão (PE). Nesta época, já estava casado com Elizabeth Teixeira. Foi na vida de operário que aprendeu a lutar pelos direitos dos trabalhadores.


Perseguido pelos patrões, voltou ao trabalho agrícola em 13 de maio de 1954, ao aceitar a oferta do sogro para trabalhar num sítio de sua propriedade em Sapé (PB). Ali, passou a organizar os camponeses para lutarem por seus direitos, visitando-os de casa em casa e organizando comícios nas feiras. Em 1958, com a ajuda de outros
companheiros, fundou a Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, a Liga Camponesa de Sapé. Na direção da Liga, estavam, além de João Pedro, João Alfredo Dias (apelidado de Nego Fuba) e Pedro Inácio de Araújo (o Pedro Fazendeiro).


A reação dos latifundiários ao trabalho da Liga foi violenta. Em 14 de março de 1961, foi assassinado Alfredo Nascimento, líder dos camponeses no engenho Miriri, pertencente aos Ribeiro Coutinho. Em 23 de dezembro daquele ano, Pedro Fazendeiro foi baleado num atentado – três anos depois, ele seria assassinado. Preocupada com
as ameaças que os líderes recebiam, a esposa de João Pedro, Elizabeth, sugeriu ao marido que se mudassem da Paraíba. Ele respondeu: “Você e meus filhos podem ir; fico com os retratos, mas não me acovardo”. A cada crime cometido pelos latifundiários, os trabalhadores reagiam com denúncias e manifestações de protesto.


Em três anos, a Liga Camponesa de Sapé já reunia 15 mil camponeses, além de trabalhadores urbanos, estudantes, profissionais liberais e pequenos comerciantes. A organização inspirava o trabalho em outros municípios da região. Era uma ameaça à tradicional dominação dos fazendeiros. Quando um proprietário ficava sabendo que um morador estava envolvido na Liga, colocava-o para fora da propriedade. João Pedro ia até lá tentar uma solução. Mas o trabalhador era espancado e João Pedro, preso. A violência sobre os trabalhadores vinha tanto dos latifundiários como da polícia local. Elizabeth Teixeira lembra que havia uma forte repressão contra o marido; “João Pedro foi preso muitas vezes, batido, chegava em casa com as costas roxas de pau da polícia de Sapé da Paraíba”. Mas não falava em desistir da luta.


A casa do líder camponês era rondada continuamente. Até que uma trama foi tecida para eliminá-lo. O sogro de João Pedro, que nunca concordou com suas atividades e, inclusive, tinha sido contra o casamento com sua filha (sob os argumentos de que ele era “pobre” e “preto”), vendeu o sítio onde eles moravam a um proprietário de terras e vereador de Sapé, Antônio Vitor. Pressionado, João Pedro recusou-se a sair das terras. O novo proprietário entrou com uma ação de despejo e com interdito proibitório para que ele não pudesse plantar. As ameaças tornavam-se constantes. “Tinha momentos em que ele chegava em casa e me abraçava, ficava abraçado comigo e dizia que iam tirar a vida dele”, contou Elizabeth.


Ele perguntava à mulher se, caso isso acontecesse, ela iria assumir o lugar dele na Liga. Nesses momentos, ela ficava calada. Ele dizia: “Vão tirar a minha vida, minha filha, mas a reforma agrária vai ser implantada em nosso país para que a vida do homem do campo melhore, para que eles tenham o direito de criar seus filhos”. Depois da renúncia de Jânio Quadros, o líder camponês foi preso na Paraíba e levado para Recife, onde ficou detido num quartel durante 18 dias. Neste período, os proprietários da Várzea paraibana fizeram a ele uma oferta em dinheiro para que desistisse da luta.


No dia 2 de abril de 1962, João Pedro foi a João Pessoa para uma reunião que ocorreria com advogados. Era uma emboscada. Seria morto quando, depois de descer do ônibus, estava voltando a pé para casa na estrada entre Café do Vento e Sapé. Ele carregava cadernos e livros escolares que havia comprado para os filhos. Foi assassinado com balas de fuzil disparadas às 17h40 daquele dia. Um amigo de João Pedro contava que uma pessoa de sua família viu os três homens, “cada um montado num cavalo, o fuzil redobrado debaixo da cela”. As investigações indicariam, posteriormente, tratar-se de dois soldados da PM e de um vaqueiro. O corpo do líder camponês foi encontrado agonizando. Ali Elizabeth tomou a sua decisão.


No momento em que tomei conhecimento de que ele estava morto, em Sapé... cheguei lá, ele estava na pedra (...) aquele poço de sangue... Foi quando eu peguei na mão de João Pedro, olhei os olhos dele cheios de terra, da terra que quando ele recebeu os tiros. Caiu e recebeu a terra nos olhos. Comecei a tirar aquela terra dos olhos dele e disse: “João Pedro, a partir de hoje, eu dou continuidade à sua luta, para o que der e vier. Estou aqui para o que der e vier! Não tenho medo também de que eu seja assassinada”. E aí eu continuei a luta do João Pedro.


João Pedro Teixeira deixou a esposa e onze filhos. Na cerimônia do sepultamento, estavam presentes cerca de cinco mil camponeses da região. Na ocasião, o deputado estadual Raimundo Asfora, um apoiador das Ligas, disse: “Não vamos enterrar um homem; vamos plantá-lo. Pararam o teu coração. Surgirão novos camponeses revoltados, outros João Pedro, numerosos lutadores. Julgaram que desapareceste. Estás agora em toda a parte!”


A morte de João Pedro teve repercussão nacional e internacional. Os trabalhadores prepararam uma grande manifestação para o dia 10 de abril daquele ano, em João Pessoa, mas não a realizaram por causa da operação militar realizada por tropas do IV Exército. Na véspera, os militares aprisionaram lideranças das Ligas e simpatizantes, sob pretexto de estar dando continuidade a um inquérito policial-militar destinado a apurar a responsabilidade de pessoas que estariam usando as Ligas para práticas subversivas e para o contrabando de armas.


Diante disso, o ato foi transferido para o 1º de maio. Reuniu cerca de 40 mil pessoas. As pressões levaram o então governador da Paraíba, Pedro Gondim, exigir a apuração dos responsáveis e sua punição. Os mandantes do crime foram identificados: o usineiro
Aguinaldo Veloso Borges, Pedro Ramos Coutinho e Antônio José Tavere, vulgo “Antônio Vítor”, conforme concluiu o juiz Walter Rabelo, em 27 de março de 1963. Os executores foram os pistoleiros cabo Antônio Alexandre da Silva, vulgo “Gago”, soldado Francisco Pedro da Silva, vulgo “Chiquinho”, “Nobreza” ou Chicão”, e o vaqueiro Arnaud Nunes Bezerra, ou “Arnaud Claudino”. Todos foram condenados, menos Aguinaldo Veloso Borges, dono da usina Tanques. Sexto suplente de deputado estadual, ele obteve a “renúncia” de todos os outros para assumir e se beneficiar da imunidade parlamentar. Os dois soldados da PM foram presos. O vaqueiro desapareceu.


Em depoimento à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) o jornalista Jório de Lira Machado, que, em 1962, como repórter do jornal Correio da Paraíba, fez a cobertura do assassinato de João Pedro, relatou que os trabalhadores do campo ergueram um monumento a João Pedro Teixeira no local onde tombara, com a seguinte inscrição: “Aqui tombou João Pedro Teixeira, mártir da Reforma Agrária”. No dia 1º de abril de 1964, o monumento foi destruído por policiais e capangas dos latifundiários. Os grandes proprietários de terra da Paraíba realizavam assim, o primeiro ato comemorativo do golpe militar de 64.


Em 1964, o cineasta Eduardo Coutinho passou a produzir o filme Cabra Marcado para morrer, contando a história de João Pedro e da organização das Ligas. Após o golpe militar, o filme foi interrompido e só pôde ser retomado em 1981, com o lançamento em 1984. Manoel Serafim, que conheceu João Pedro em Pernambuco e tornou-se um dos narradores do filme, contou como soube da
morte do líder camponês:


Por volta de oito horas mais ou menos estavam vendendo já a Folha do Povo com toda notícia, com toda reportagem dele, o pessoal tudo comprando e dizia assim: rapaz, mataram o presidente da Liga Camponesa da Paraíba. E aquele nome surgia assim numa notícia, como se fosse uma grande pessoa né… E sentimos uma tristeza assim. Houve isso, parece que o sol esfriou assim, não quis sair do lugar, e foi aquela serenidade fria, assim, aquela tristeza arrancando assim, aquela vida, com aquela saudade. Porque existe saudade sem alegria, aquela saudade com tristeza. E todo mundo sentiu.

Nordeste, uma região “perigosa”

Em janeiro de 2007, foi fundada em Sapé (PB) a organização não governamental Memorial das Ligas Camponesas, com o objetivo de manter viva a memória das lutas camponesas. No aniversário de 48 anos da morte de João Pedro Teixeira, em 2 de abril de 2010, a ONG realizou uma homenagem ao líder camponês. O evento, denominado “Caminhada em Memória de João Pedro Teixeira”, começou com uma celebração ecumênica e política no município de Sobrado e seguiu até o crucifixo que marca o local do assassinato. Dali a procissão seguiu em direção ao povoado de Barra das Antas, município de Sapé, onde fica a casa em que morou o líder camponês. Um projeto em tramitação prevê a desapropriação do imóvel e sua conversão em um museu para a preservação da memória das Ligas Camponesas.


Retrato da Repressão Política no Campo – Brasil 1962-1985
Camponeses torturados, mortos e desaparecidos

Memorial das Ligas Camponesas de Sapé - PB



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