segunda-feira, 27 de julho de 2015

O monstro de estimação que se criou no Brasil


Walter Takemoto

Muitas pessoas se surpreenderam ao ver o resultado da pesquisa do Datafolha que apontou o apoio de 87% da população à redução da maioridade penal. Alguns rebateram dizendo que os dados eram manipulados, que o Datafolha e a Folha apoiam a redução e o Cunha etc.

Por mais que se questionem os resultados apresentados pelo Datafolha, quem circula pela periferia e conversa com as pessoas, inclusive com parte das que participam de movimentos sociais, é inegável que a população, inclusive os mais pobres, brancos ou negros, apoia a redução da maioridade penal, assim como a pena de morte e outras barbaridades que os reacionários e fundamentalistas defendem e querem impor à sociedade, e que representam retrocesso e perda de direitos sociais.



“Essa onda conservadora que se espraia pela sociedade, explorada pela imprensa e apropriada pela maioria dos parlamentares, coloca os setores democráticos e populares sem reação e impede, por exemplo, que se aprove medidas como a criminalização da homofobia, a autonomia das mulheres sobre o próprio corpo, a descriminalização do uso das drogas consideradas ilegais, entre outros”

Fundamentalismo

Desde a campanha eleitoral disputada por Serra e Lula que passamos a conviver de forma explícita com um debate marcado por posições reacionárias e fundamentalistas, com a forte presença das igrejas, dos meios de comunicação e partidos políticos. E, é claro que os discursos reacionários transbordaram para o cotidiano, da vida real às redes sociais, autorizando as pessoas a exporem o que socialmente até então era preservado para relações privadas ou mesas de bar entre amigos bebendo cerveja.

Declarações e atos de homofobia, racismo, machismo, de desprezo à democracia e aos direitos humanos, passaram a ser manifestados sem nenhum pudor. E em páginas de rede social de universidades, como a UFBA, universidade pública baiana, é normal encontrar declarações racistas de alunos e ex-alunos.

Nos dias de hoje passou a ser normal que vereadores e deputados estaduais aprovem leis propondo a proibição para que nas escolas não se discuta gênero e respeito à diversidade, sob o argumento que são ideologias estranhas à tradição cristã e à família brasileira. Em vários planos decenais de educação foram retiradas menções a discussão da temática de gênero e respeito à diversidade.

Ofensas

Ofensas e agressões contra representantes do governo em ambientes públicos, ou a quem defende posições progressistas, ocorrem como se as agressões fossem manifestação de patriotismo e defesa da democracia. E até mesmo a violência sexual contra a presidenta ostentada em veículos passou a ser exibida e comercializada.

Não se trata apenas da classe média “coxinha”. Mesmo os setores populares passaram a exibir seu lado reacionário e violento. Basta ver o retorno dos linchamentos, que no nosso País atualmente têm a média de um por dia. Se ganhou as páginas dos jornais do mundo um grupo de “justiceiros” de classe média do Rio de Janeiro aprisionar com uma trava de bicicleta em um poste um adolescente negro, outros casos se repetiram, o mais recente de um jovem negro no Maranhão, e a maior parte tendo como linchadores pobres e negros, tanto quanto a vítima amarrada em um poste, reproduzindo cenas comuns do século XIX, com negros escravizados amarrados no pelourinho.


Sob o olhar complacente do poder público e a omissão dos partidos democráticos e populares, nas últimas décadas um lento e massivo processo de deformação da população, principalmente a mais pobre, ocorreu tendo como protagonistas os meios de comunicação e as igrejas. Dos programas policialescos, difundindo a violência e a morte dos “bandidos”, defendendo chacinas travestidas de auto de resistência, aos pastores e bispos vociferando nas telas das televisões contra a perversão dos homossexuais ou das mulheres criminosas que querem “assassinar” crianças pelo aborto, vimos as crenças religiosas penetrarem nas escolas de educação infantil, com a proibição de crianças de dois ou três anos separadas na hora do banho, a proibição de comemoração de qualquer data relacionada a religiões diferentes, e até mesmo a violência física contra religiões de matriz africana.

“Educador”

E estou escrevendo por ter tido acesso à página do Facebook de uma organização que se intitula representante de creches comunitárias da cidade de Salvador, que ao que parece conta com apoio de parlamentares do PT, e na página, o coordenador dessa organização divulga uma foto de um adolescente detido pela PM e abaixo da mesma escreve:

“Esse menino de 13 anos é um famoso matador de policiais a tatuagem já diz. Você acha que ele deveria responder como Adulto no Brasil? ‪#‎sim# ou‪ #‎não#, e por que motivo”. Quando eu vi esse post fiquei chocado. Como pode alguém que se diz educador colocar a foto de um adolescente em uma rede social e o chamar de “famoso matador de policiais”? E pior ainda, como pode com um texto desse querer fazer um debate educativo ou pedagógico com quem o segue?

E a resposta para essas minhas dúvidas é uma só: essa pessoa, que diz ser coordenador de uma entidade educacional, que se reivindica educador, só pode ser um defensor da redução da maioridade penal e com os argumentos mais reacionários e retrógrados possíveis! E logo adiante, no meio de um monte de postagens de pessoas vociferando contra crianças e adolescentes “criminosas”, “que merecem morrer ou a cadeia” aparece um outro post desse coordenador afirmando:

“Já ficou comprovado que os menores criminosos são mais violentos que os adultos, recentemente 4 menores estupraram uma adolescente e fez barbaridade acabou com a vida da menina o que fazer com esse adolescente? E com esse outro matador de policiais de pais de famílias?” E o que se fez com o menor que confessou o crime foi condená-lo à morte, violentamente espancado na instituição em que foi internado.

Como estranhar que 87% da população seja a favor da redução da maioridade se alguém que em tese deveria defender a infância e a adolescência é favorável à criminalização? E se propaga entre a população argumentos tendenciosos e preconceituosos a favor da criminalização?

Recuo

Do recuo do governo Lula em oferecer subsídios pedagógicos para os educadores trabalharem nas escolas o respeito à diversidade de gênero e à educação sexual, sob pressão da bancada fundamentalista no Congresso que pejorativamente chamava de “cartilha gay”, aos dias atuais, o que assistimos é consequência direta da renúncia dos partidos democráticos e populares de enfrentar nos movimentos sociais e no Parlamento esses setores, submissos à política de governabilidade do governo federal, e hoje nos encontramos todos acuados diante do monstro gerado e alimentado pelo equívoco de que é possível domesticar uma besta fera e dela esperar comportamento civilizado.

Se o governo e os partidos democráticos e populares no espaço institucional sofrem o rolo compressor da “base aliada”, nos últimos dias até mesmo os meios de comunicação começam a perceber que deram vida a uma criatura que pode devorá-los. Folha e Estadão publicaram editoriais criticando Cunha e os fundamentalistas. A Globo sofre pressões dos fundamentalistas para mudar o roteiro de suas novelas e perde audiência, portanto vê o tilintar de sua máquina registradora silenciar.

De um lado, o governo e sua base, e de outro, os meios de comunicação, estão colhendo a erva daninha que cultivaram. Que não seja tarde demais para se perder o pouco que cultivamos de democracia e direitos sociais no nosso País.

Texto postado originalmente em:

http://www.carosamigos.com.br/index.php/colunistas/187-walter-takemoto/5174-o-monstro-de-estimacao-que-se-criou-no-brasil

Controvérsia


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