segunda-feira, 22 de junho de 2015

O PT e os capitalistas


Paulo Ghiraldelli

O PT nasceu para transformar o capitalismo brasileiro em um capitalismo com menos selvageria. Ainda que jamais tenha dito isso, queria sim ser um partido social-democrata mais próximo das origens da II Internacional, isto é, um grande partido de esquerda com base operária, capaz de construir algum tipo de socialismo democrático. As correntes leninistas e trotskistas sempre foram minoritárias no partido. A Igreja Católica com suas “comunidades de base” podia estar presente sob o manto da Teologia da Libertação. Intelectuais de várias tendências se achavam representados pela agremiação. O PT não era comunista. Nunca foi. Ao contrário, queria manter algo inédito nos partidos de esquerda aguerridos: a democracia interna efetiva. Durante algum tempo até conseguiu. Pouco tempo, mas que teve seus momentos gloriosos.



Tudo isso, hoje, foi pelos ares. O PT se meteu no funil do discurso moralista e este, em política, é sempre muito datado. Não deve ser feito. Pois ao menor sinal de corrupção interna, tudo se rompe. Os partidos não moralistas possuem mais chance de sobrevivência. O PT sobreviveu até muito com o discurso moralista. Mas acabou se aproveitando de tal discurso para institucionalizar a corrupção. Por algum tempo, muitos no PT acreditaram que, por terem sido os baluartes da defesa da possibilidade da política não corrupta (que poucos conseguiram fazer, com o Senador Suplicy à frente desses poucos, durante uma vida), então estavam liberados para até fazer alguma corrupção, que isso passaria sem que ninguém notasse. Afinal, em última instância sempre se poderia olhar no espelho e dizer que não havia “corrupção verdadeira”, pois as pessoas do partido não estavam lucrando, uma vez que tudo era feito para que o PT continuasse no poder e pudesse “salvar os pobres”.

Até esse PT do “rouba por boa causa” já se desfez. Delúbio o defendeu. Mas o tesoureiro posterior nem era isso, já fazia parte do “ganhar a eleição a qualquer custo”. Todo o sonho de uma militância de esquerda, talvez tão cabeça dura quanta a comunista, mas aparentemente menos estúpida, se arrebentou. Ora, então, os conservadores brasileiros deveriam estar comemorando. Estranhamente, não estão. Por quê?

Na verdade a devassa que a justiça – com Moro à frente – está realizando colocou na cadeia exatamente os homens que durante os últimos quarenta anos não estiveram nem um pouco a favor de qualquer tipo de socialismo, mas apenas tentando levar adiante um capitalismo de aprofundamento da distância social entre ricos e pobres. O PT não deu um tiro no capitalismo, mas deixou todos os capitalistas a descoberto; o PT os envolveu num novo esquema de corrupção e deu vida aos velhos esquemas já existentes. Essa contradição interna do partido, que é a de não saber ver no empresário senão aquele que é corrupto e tem que ser tratado dentro de esquema de corrupção, é que permitiu que a justiça, diferente daquela dos tempos de Sarney, Collor, Itamar e FHC, pusesse atrás das grades os homens mais poderosos do Brasil. Até mesmo os donos das construtoras que, desde a ditadura militar, comandaram o país, estão indo para a “delação premiada”.

Por uma ironia completa do destino, Barbosa (inicialmente petista) e agora Moro (que não importa a filiação), dois homens da lei, estão realizando tudo aquilo que as esquerdas pediam que se fizesse no Brasil. Éramos o país da impunidade dos ricos. Somos hoje o único país em que os ricos estão sendo realmente postos na cadeia. Tanto a direita quanto a esquerda parlamentar estão atônitas, não sabem o que fazer. As coisas estão andando à revelia dos partidos.

Não vamos ser socialistas ou capitalistas por conta disso. Essa revolução é secundariamente política. Mas após Moro terminar sua tarefa, sairemos com um sistema de justiça que deverá se refletir para sempre na política desse país. Teremos um dos ideais da esquerda realizado. Ao fim e ao cabo, o PT realizou uma de suas tarefas, ainda que contra si mesmo e, talvez, por meio de seu fim definitivo, que é ter colocado ao menos durante um momento os capitalistas principais do país na cadeia. É por isso que os conservadores não estão felizes com o fim do PT. Porque o PT vai acabar levando para o túmulo, junto com ele, alguns dos homens que os conservadores mais amavam – e ainda amam.

Paulo Ghiraldelli, 57, filósofo, autor entre outros de Sócrates: pensador e educador (Cortez, 2015).

 

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