quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A Urgência de uma Reforma Tributária

Wadih Damous

Dez por cento dos mais pobres da população comprometem 32% de sua renda com tributos. Já para os 10% mais ricos, o peso é de 21%. É justo?

Em tempos de campanha eleitoral, mais uma vez entra em cena – sabe-se lá por quanto tempo - a questão da reforma tributária. Alguns candidatos prometem fazê-la de forma mais profunda. Outros lembram apenas uma ou outra proposta relacionada ao tema.

Num aspecto reforma tributária e reforma política se parecem. Todos reconhecem a sua necessidade. No entanto, quando se parte para o concreto, as divergências fazem com que o debate não siga adiante. De qualquer forma, aproveitando que o tema está, de novo, em pauta, vale a pena fazer algumas observações.

Em primeiro lugar, deve ser ressaltado que, ao contrário do que gostam de dizer certos empresários, o problema no Brasil não é que a carga tributária, que é de 34% - seja especialmente alta. É que o contribuinte não recebe, em contrapartida, serviços públicos de qualidade. O “Estudo sobre carga tributária / PIB x IDH”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), comparou a qualidade dos serviços oferecidos à população nos 30 países com os mais altos impostos no mundo. O trabalho mostra que o Brasil está em último lugar. Nossos serviços públicos estão muito aquém dos oferecidos pelos países do Primeiro Mundo, claro, mas atrás, também, dos de Uruguai e Argentina, por exemplo.

Muitas vezes o discurso a favor da diminuição de impostos deve-se ao desinteresse de gente mais abonada pela qualidade dos serviços públicos. São pessoas que preferirão sempre pagar planos de saúde e escolas particulares e não se sensibilizam com a má qualidade dos serviços públicos, porque não os usam, nem está em seu horizonte usá-los.

Além da precariedade dos serviços ofertados à população que paga impostos, há outro problema. O sistema tributário brasileiro é profundamente injusto. Onera proporcionalmente muito mais os pobres do que os ricos – ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos.

Estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que os 10% mais pobres da população comprometem 32% de sua renda com o pagamento de tributos. Já para os 10% mais ricos, o peso dos tributos é de 21%.

Isso acontece porque a maior parte da tributação incide sobre o consumo e os salários, e não sobre patrimônio e a renda do capital. Os números falam por si. O estudo citado mostra que, em 2011, no Brasil, 55,74% das receitas de tributos vieram do consumo e 15,64% da renda do trabalho em 2011. Ou seja, as duas fontes somaram 71,38%. Nos países da União Europeia esse percentual equivalia a apenas 33%. A maior parte da arrecadação vinha dos sobre patrimônio e renda do capital.

A grande incidência de impostos sobre o consumo, embutidos nos preços dos bens e dos serviços, faz com que, ao usufruí-los, pobres e ricos paguem igualmente. E as alíquotas de imposto sobre os salários são absurdamente injustas.

Uma reforma tributária justa ampliaria a tributação sobre o patrimônio e a renda do capital e desoneraria o consumo e a renda do trabalho.

Além disso, para que houvesse um mínimo de justiça, as alíquotas para pagamento do Imposto de Renda teriam que ser revistas. Hoje, só quem ganha abaixo de R$ 1.787,77 está isento. É um valor menor do que o salário mínimo calculado pelo Dieese, que, em agosto de 2014 deveria ser de R$ 2.861,55, em vez dos atuais R$ 724,00.

E quem ganha acima de R$ 4.463,81, menos do que dois salários mínimos do Dieese, já está na alíquota máxima. Paga 27,5%, o mesmo percentual de quem ganha, por exemplo, R$ 100 mil ou mais.

Além disso, há outras medidas que ajudariam a maior justiça social. Por exemplo, o Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto no artigo 153/VII da Constituição, e descumprido. Como ele precisa ser regulamentado por lei complementar, desde a promulgação da Constituição está congelado no Congresso. E não se fala no assunto. É uma situação inaceitável.

Para concluir este artigo, vai um singelo exemplo que mostra, de forma cabal, as incongruências da legislação: quem tem um carro, mesmo que seja um velho fusquinha, paga Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); já quem é proprietário de veículos de luxo, como iates, lanchas, jatos particulares ou helicópteros está isento do IPVA.

Como se não fossem também veículos automotores.

Claro que são. Só que de ricos.

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*Presidente licenciado da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro


Brasil 247

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