domingo, 14 de setembro de 2014

Uma aposta de classe

André Singer

Dilma Rousseff realizou inflexão à esquerda nesta semana. Ao declarar que a independência do Banco Central (BC), defendida por Marina Silva, significaria entregar a instituição aos banqueiros, com todas as consequências que seguiriam, a presidente tomou partido progressista em matéria nevrálgica. Além disso, assumiu compromisso com a proteção do emprego e da renda, o que não é simples no quadro de estagnação em curso.

Como fará para cumprir tais promessas e ao mesmo tempo reaproximar-se dos empresários, como deseja, é um problema a ser analisado adiante. Por ora, cabe registrar que a direção da campanha, talvez ciente de pesquisas desconhecidas do público, enxergou um caminho promissor pelo viés classista e a candidata se engajou nele com gosto.


Algo parecido ocorreu em 2006 quando, num segundo turno que começou apertado, Lula acusou Alckmin de querer vender a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Ao fazê-lo, colocou sobre a mesa um elemento que deixou o tucano de imediato em maus lençóis.


Desconfio que tais peças publicitárias não funcionam tanto para atrair votantes convencidos de ser esta ou aquela a melhor opção específica em matéria de política pública. Existem mais para alertar as vastas parcelas do eleitorado brasileiro que dividem o país entre pobres e ricos de que está em curso nova batalha contrapondo os dois bandos.


Explica-se, assim, que não satisfeita com desvendar o significado de uma medida distante do universo popular --afinal, o BC não tem visibilidade no cotidiano--, Dilma tenha pespegado na adversária a pecha de ser sustentada por financistas. Ao fazê-lo, completou a operação simbólica iniciada pela crítica ao programa marinista, pois caracteriza que a candidata do PSB migrou, como pessoa física, para o lado de lá.


Tal passagem é fundamental, pois dadas as características biográficas da ex-senadora, é figura que se presta a intensa identificação por parte do povo. Era, portanto, necessário tornar gráfica, direta, a ligação entre ela e o mundo dos ricos, de modo a fixar a ideia de que votar no PSB equivaleria a favorecer os que sempre se saem bem no Brasil.


Do mesmo modo, penso que, mais até do que o apego existente pelas estatais, a ideia de entregá-las aos donos do dinheiro colou em Alckmin a imagem de amigo dos tubarões. O lulismo, ao contrário do que fazia o PT até 2002, não acentua a necessidade da organização e mobilização da classe trabalhadora, o que é uma diferença chave. No entanto, em momentos decisivos, apela para uma identidade popular que tem substrato classista.


Se a referida identidade ainda solda a maioria do eleitorado é o que veremos em 26/10.


Folha SP

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