terça-feira, 9 de setembro de 2014

A crise de cada um

Vladimir Safatle

A economia brasileira entrou em recessão técnica.

Esta foi a notícia que podíamos ler na semana passada. Há dois trimestres temos retração da atividade econômica. No entanto, há algumas semanas o leitor deve também ter lido algumas notícias surpreendentes.

Por exemplo, o lucro líquido do banco Itaú Unibanco chegou a R$ 9,3 bilhões no primeiro semestre do ano: um recorde na história da instituição neste período e que representa um aumento de 36,7% em um ano.




Já o lucro líquido ajustado do Bradesco, no mesmo período, foi de R$ 7,2 bilhões. O que representa, por sua vez, um aumento de 20,7% em relação ao ano passado.


Sim, vejam vocês, há alguém que ganha quando nós não ganhamos.


As crises não são para todos, apenas para aqueles que não vivem de renda ou de especulação financeira. Sei que alguns dirão ser um resquício de marxismo vulgar enxergar as coisas pelas lentes de antagonismo tão redutor. Eu bem que gostaria de abandonar tais lentes, mas os números não ajudam. Quando os números do lucro bancário param de brilhar, outros aparecem. Como os dados da consultoria WealthInsight (um belo nome) afirmando que, só em 2014, teremos mais 17 mil milionários.


Inveja, dirão alguns.


Claro. Ficar estarrecido com a situação de um país que para sua economia enquanto bancos têm recorde de lucro e milionários não param de crescer só pode ser mesmo um sentimento patológico e doentio. Afinal, tudo isso é tão normal quanto as marés. O mundo não pode ser diferente, senão os valorosos soldados do empreendimento e da oportunidade que lutaram bravamente com seus méritos próprios e nenhuma ajuda não serão recompensados.


E o que acontecerá ao Brasil se, meu Deus, deixarmos de ser uma bela sociedade que recompensa os que merecem, como banqueiros, rentistas, diretoras de ONG de bancos?


Pensar em mudar isso, impondo políticas claras de transferência dos lucros do sistema financeiro para serviços sociais públicos e gratuitos, obrigando milionários a partilhar socialmente seus rendimentos, só pode ser mesmo um absurdo. Uma conversa velha e ultrapassada de diretório acadêmico adornado com cartazes de Guevara.


Novo mesmo é se conformar com a catástrofe e não ver relação alguma entre a economia que para e o sistema financeiro que drena todas as riquezas do país. Tanto é assim que você não ouve propostas de reconhecimento de antagonismos econômicos vindas de nossos principais candidatos.


A corrida agora é ver quem é mais liberal. Ou seja, o pior nem começou.


Folha SP 


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