sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Conselhos estaduais excluem sociedade civil das decisões na educação


Levantamento da RBA constatou que apenas 29,6% dos conselhos preveem a existência de cadeiras para representantes de pais e alunos. Em SP, órgão é regido por lei da ditadura

por Malú Damázio,

São Paulo – A composição dos conselhos estaduais de educação (CEE) brasileiros é pouco representativa e não garante participação da sociedade civil. Um levantamento feito pela RBA constatou que apenas 29,6% do total de colegiados preveem em sua estrutura a participação de estudantes matriculados na rede de ensino e seus pais ou associações que os representem. As entidades, em sua maioria, são responsáveis por regulamentar o ensino e autorizar a criação de instituições escolares nos estados da federação.

Para a promotora de Justiça da Infância e da Juventude do Ipiranga, Maria Izabel Castro, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), autora do artigo “Conselhos Estaduais de Educação e Democracia Participativa”, a política de exclusão da sociedade civil dos processos educacionais é representativa do interesse dos órgãos públicos em manterem-se atados aos interesses empresariais.

Das 27 instituições estaduais, somente oito apresentam vagas para alunos e familiares: Alagoas, Pará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraíba e Tocantins. A maioria das leis estaduais estabelece que os conselhos ofereçam vagas para membros de “notório saber e experiência em matéria de educação”, como exposto no Decreto nº 7.532, de 19 de fevereiro de 1999, que regulamenta o CEE da Bahia. Essa determinação resulta em órgãos preenchidos por donos de centros de aprendizado, representantes de instituições privadas, como bancos, e professores universitários, excluindo de sua composição funcionários, alunos, pais e professores do ensino fundamental e da rede pública.

As regras adotadas por esses conselhos contradizem o princípio da gestão democrática assegurado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96). No Artigo 2, a LDB garante a “gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino”. O tema é reforçado pelo Projeto de Lei do Plano Nacional da Educação (PLC 103/12), aprovado ontem (17) no Senado, como uma das diretrizes educacionais a se cumprir até 2020. O texto do projeto indica a “promoção do princípio da gestão democrática da educação pública”.

“As escolas particulares não representam a vontade dos alunos, dos pais e da educação. Eles estão defendendo seus interesses como instituições privadas. Esse é um modo de não respeitar e de não querer ouvir a sociedade no âmbito da educação. Se os conselhos foram criados para fazer com que a sociedade participe de políticas públicas, por que os governos resistem em não ouvir as demandas sociais nessa área? ”, questiona Maria Izabel.

A estrutura do Conselho Nacional de Educação, regido pela Lei 9.131, pela qual os órgãos estaduais devem se orientar, prevê que no mínimo 50% dos conselheiros devem ser indicados por segmentos e entidades da sociedade civil, obedecendo aos princípios de gestão democrática. A outra metade dos membros é nomeada pelo presidente da República.

No entanto, o presidente do Fórum Nacional de Conselhos Estaduais de Educação (FNCE), Maurício Pereira, afirma que os órgãos estaduais não são “vinculados a interesses de classe” e, portanto, não devem representar institucionalmente segmentos sociais. “Os conselhos são órgãos de controle, não de representatividade de entidades. Eles são mecanismos de assessoramento técnico do estado para a melhoria da educação.”

O fórum é a entidade que congrega todos os conselhos estaduais de educação brasileiros, representa os órgãos e discute temas que devam ser encaminhados em esfera federal, além de propor sugestões e subsidiar a elaboração e o acompanhamento de planos nacionais de educação.

Pereira acredita que o grande número de conselheiros do ramo empresarial não interfere no tipo de decisões tomadas pelos órgãos. “Não é porque um conselheiro é da iniciativa privada que ele está defendendo os interesses privados. Além disso, não ter representantes de pais em um dado conselho não significa que não haja conselheiros que sejam pais, e não ter professores via sindicato não significa que não haja professores”, argumenta.

O presidente do FNCE enfatiza que a presença de pais e alunos – que estão diariamente em convívio com carências e necessidades escolares – nos conselhos não contribuirá para a melhoria do debate de questões educacionais centrais. “Eu entendo que não vai ser isso que vai melhorar ou piorar. Um conselho não pode ser um recorte de interesses individuais da sociedade, porque assim ele nunca irá tomar decisões, já que cada um vai defender o seu lado.” Para ele, o fórum é o local adequado para que sejam expostos os interesses de classe e em que as entidades estão devidamente representadas.

Lei da ditadura

O Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE-SP) ainda é regido por leis do período da ditadura. O órgão paulista vigora com a Lei Estadual 10.403, de 1971, anterior à Constituição Federal, de 1988, e nunca passou por reformulações. Todos os membros são indicados pelo governador e não há participação de pais, alunos ou associações que os representem entre os conselheiros. Ao contrário, segundo levantamento do Observatório da Educação, entre os 29 membros do conselho 16 defendem os interesses particulares do setor empresarial, como redes de ensino e bancos privados.

Entre outros pontos, a baixa rotatividade do colegiado também é marca da entidade. Dos 29 membros efetivos, incluindo os suplentes, oito estão há mais de uma década no conselho. Mesmo com a nomeação, pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), de seis novos conselheiros em julho deste ano, o órgão não renovou o perfil empresarial que apresenta e empossou nomes como Jair Ribeiro da Silva Neto, diretor do Banco Indusval & Partners, e Sylvia Figueiredo Gouvêa, diretora da Escola Lourenço Castanho..

De acordo com Maria Izabel, não há vontade política em mexer no Conselho Estadual de Educação de São Paulo. "Há integrantes que estão há anos e a entidade não se renova. Isso só mostra que a entidade prefere permanecer fechada ao que a sociedade diz a respeito da educação". A promotora, integrante do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD), considera o órgão “dinástico e antidemocrático”.

A atual presidenta do conselho, Guiomar Namo de Mello, contestou o caráter privado do CEE-SP apontado pelo Observatório da Educação e pela Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp). Em entrevista à RBA no fim de setembro, a conselheira afirmou que o órgão não pode acatar a reivindicação de pais e alunos por presença no colegiado, porque este exerce funções normativas e técnicas.

“Desde a origem, os conselhos de educação são normativos, com representantes da rede estadual e municipal e privadas, que constituem o sistema de educação. E devido ao caráter muitas vezes burocrático, que exige formação e experiência no setor, dificilmente terá maior representação de estudantes e pais”, disse Guiomar à época.

O CEE-SP é mantido pela Secretaria Estadual de Educação e recebe cerca de 0,01% do orçamento paulista voltado à área educacional. Segundo a assessoria da liderança do PT na Assembleia Legislativa, o conselho liquidou, no ano de 2012, R$ 3.199.538,00 a mais do que o valor previsto pela secretaria. Dos R$ 1.992.729,00 inicialmente destinados para o órgão no ano passado, foram gastos R$ 5.192.267,00. Desta verba, R$ 2.593.550,00 financiaram serviços de consultoria não especificados no balanço financeiro da entidade. A previsão de orçamento para 2014 é que o órgão maneje R$ 2.871.130,00 dos R$ 27.031.906.726,00 disponíveis para a Secretaria de Educação.

Tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo um projeto de lei para a reelaboração das normas e da escolha de conselheiros do CEE-SP. De autoria do deputados estaduais Geraldo Cruz e Simão Pedro Chiovetti (ambos do PT), o PL 108, de 2012, está parado desde novembro do ano passado e, segundo Cruz, não será votado em 2013.

O PL pretende democratizar o acesso ao Conselho Estadual de Educação de São Paulo e prevê que 18 dos 24 conselheiros titulares sejam escolhidos pela sociedade civil. Além disso, assegura vagas para representantes quilombolas, indígenas e alunos com deficiência motora ou intelectual. A participação de estudantes e pais das redes pública e privada de ensino também é prevista pelo texto do projeto.

Para Geraldo Cruz, o projeto retira das mãos da iniciativa privada o benefício de estabelecer regras e deliberar sobre a educação em todo o estado. “Atualmente a educação pública é regida por ações da iniciativa privada e, por isso, fica deficiente e prejudicada. Ela é vista como um produto que dá lucro. Para que o estado consiga melhorar as questões educacionais, o assunto tem que ser debatido com quem está diretamente envolvido no processo, que são os alunos, educadores, funcionários e pais”, afirma.

O parlamentar ainda reforça que a participação da sociedade civil reduz as possibilidades de corrupção nos órgãos administrativos, porque “a composição do conselho se tornaria mais vigilante e mais presente em discussões sobre políticas públicas que dizem respeito a ela”.

Modelo de representatividade

O Pará é um dos estados que oferecem vagas para alunos e pais no Conselho Estadual de Educação (CEE-PA), mas a instituição não tem qualquer poder deliberativo. Isso indica que o colegiado está subordinado à Secretaria Estadual de Educação e não tem o poder de tomar decisões sobre a educação no estado, podendo apenas formular normas e fiscalizar se elas estão sendo cumpridas pelo sistema educacional.

Segundo o representante dos estudantes da educação básica do CEE-PA, Cleiton Brito, a legislação do órgão, apesar de promover a inclusão da sociedade civil, permanece restritiva quanto à autonomia. “As leis e sistema que regem o Conselho do Pará são da década de 1990. É preciso que haja uma reformulação do órgão para que ele conquiste respaldo legislativo e se torne deliberativo”, argumenta.

Brito, que está no CEE-PA há três anos, reforça que a instituição paraense procura estabelecer normas adequadas a cada realidade de ensino. “As escola públicas, por exemplo, têm um prazo de 18 meses para se adequar às resoluções do conselho e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação, enquanto as instituições privadas precisam realizar o processo em 12 meses, porque têm melhores condições de aplicar o que foi determinado.”
Educação inclusiva

Além disso, poucos são os órgãos integrados por conselheiros voltados para a educação inclusiva. Os únicos conselhos estaduais de educação que preveem cadeiras para entidades da sociedade civil voltadas aos alunos com deficiência física e mental são os do Rio Grande do Sul (CEE-RS) e do Mato Grosso (CEE-MT).

A chefe de gabinete do CEE RS, Maria da Graça Fioriolli, explica que a vaga – destinada a representantes da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) – foi conquistada em 2000 e aprovada na Assembleia Legislativa, após o veto do então governador do estado, Olívio Dutra (PT). “Naquela época nem o governo do Brasil e nem o governo estadual achavam que deveria existir essa vaga e alegaram que os portadores de necessidades especiais já estavam representados por outros segmentos do próprio conselho.”

A Resolução nº 2 do CNE, que garante a participação de portadores de deficiência no sistema de ensino público tradicional, com os apoios necessários, só foi sancionada em 2001. Apesar de haver uma legislação que promova a educação inclusiva, a representante do CEE do Rio Grande do Sul acredita que o setor ainda não está contemplado pelos outros segmentos de conselheiros. “Essa vaga representa uma conquista muito grande para a educação especial, já que o próprio estado envia alunos para as Apaes, porque não oferece condições de cuidar deles como deveria”, afirma.

Rede Brasil Atual


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