sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

O legado paradoxal de Mao Tsé-Tung na China atual


O fundador da República Popular da China faria 120 anos nesta quinta-feira

O americano Sidney Rittenberg passou 35 anos na China em um tempo de grandes mudanças no país, se tornando amigo pessoal de Mao Tsé-Tung e de outros líderes revolucionários chineses que assumiram o poder a partir de 1945. No dia em que Mao, morto em 1976, faria 120 anos, Rittenberg revela à BBC sua perspectiva única da guerra civil no país, dos primeiros dias do comunismo e da filosofia do Grande Timoneiro, como era chamado Mao. Leia abaixo:

Como tudo mais na China, o papel de Mao hoje em dia é o estudo de um paradoxo. Ele é, ao mesmo tempo, mais e menos do que o imenso cartaz que domina o centro da Praça da Paz Celestial, em Pequim, e que não será removido de lá tão cedo.

Mais do que a foto porque Mao tem para os chineses a estatura de um George Washington para os americanos, é o fundador da República Popular da China, o grande unificador de seu milenar, vasto e diversificado povo.

E menos do que a foto porque a juventude chinesa atual, incluindo jovens membros do Partido Comunista, geralmente nada sabem sobre o que Mao escreveu, seus triunfos e seus monstruosos erros.

O presidente Xi Jinping e sua equipe advertiram que uma "desmaoização" da China, no estilo soviético, poderia gerar grande confusão e o enfraquecimento do presente regime – um regime cuja estabilidade eles consideram essencial para conduzir a China pelo caminho tortuoso da reforma.

Ao mesmo tempo, eles reconhecem como foram catastróficas aventuras de Mao como o Grande Salto Adiante do final dos anos 1950 e a Revolução (anti-) Cultural de 1966 a 1976. Esses experimentos sociais megalomaníacos custaram dezenas de milhões de vidas.

Diferentemente de Stalin, Mao não sentenciou ninguém diretamente à morte e certamente não tinha a intenção de estabelecer a fome em seu país.

Mas ele sabia muito bem que ele estava realizando imensos experimentos sociais que interfeririam nas vidas de multidões – e ele próprio não sabia qual seria o resultado disso.

O líder chinês confessou isso à escritora americana de esquerda Anna Louise Strong em 1958, quando ela estava prestes a escrever um livro elogiando seu programa de coletivização do campo e industrialização urbana, o Grande Salto Adiante.

"Espere outros cinco anos antes de escrevê-lo", disse Mao a ela, explicando que ele não tinha certeza sobre o resultado do experimento.

Revivendo o Maoismo

Mas estaria Xi Jinping revivendo o Maoismo? Ou quem o estaria fazendo era Bo Xilai, o agora amaldiçoado ex-dirigente do PC em Chongqing?

A resposta é não em ambos os casos.

"A filosofia analítico-sintética de Mao é a real arma secreta da China, embora ela seja muito negligenciada até mesmo na China atual."

Sidney Rittenberg

Bo estava simplesmente usando slogans demagógicos sobre igualdade para tentar angariar o apoio dos pobres.

Quanto a Xi, as reformas que está propondo vão na direção contrária à economia proposta por Mao – ainda que o atual presidente faça uso da dialética maoísta para analisar os problemas chineses e suas potenciais soluções, além de defender um reconhecimento dos avanços positivos da liderança do "Grande Timoneiro".

Isso nos leva a uma reflexão interessante, quase universalmente ignorada por acadêmicos do Ocidente - com algumas poucas honrosas exceções, como Peter Nolan, da Universidade de Cambridge: a filosofia analítico-sintética de Mao é a real arma secreta da China, embora ela seja muito negligenciada até mesmo na China atual.

Para entender isso, veja o exemplo da situação que encontrei quando cheguei à China, em 1945.

Dois partidos rivais, os nacionalistas do Kuomintang e os comunistas chineses, estavam preparando suas forças armadas para disputar o poder em uma violenta guerra civil.

Do lado dos nacionalistas estavam soldados bem alimentados e bem treinados com apoio aéreo, divisões de tanque, artilharia pesada, transporte motorizado – e em um número muito maior do que o de soldados comunistas.

Eles controlavam as principais linhas de comunicação, todas as principais cidades fora da Manchúria (região no nordeste da China). Gozavam de enorme apoio, na forma de armas e dinheiro, dos EUA. Sua superioridade parecia absoluta.

E do lado dos comunistas? Em novembro de 1946, eu andei 40 quilômetros a partir de Yanan para encontrar a 359ª brigada, cujo comandante, Wang Zhen, era meu amigo.

A 359ª havia participado da lendária Grande Marcha e havia construído uma via até a província de Guangdong, no sul, para dar apoio à base aérea americana lá estabelecida durante a Segunda Guerra.

Ao me encontrar com a brigada no momento em que ela seguia rumo a Yanan, fiquei espantado com o que vi.

Uns poucos em cada divisão usavam sapatos remendados, mas a maioria seguia adiante usando sandálias que eles mesmo haviam costurado. De cada dez homens em uma divisão, cinco ou seis usavam fuzis japoneses que haviam apreendido no passado; o resto usava clavas ou lanças.

Meu coração ficou apertado com o que eu vi: como poderiam vencer?

Ainda assim, eles venceram. Por quê? Por causa de uma maneira superior e mais científica de se pensar, que levou à adoção de políticas criativas e altamente populares (como a reforma agrária) e a táticas versáteis que golpearam as tropas do Kuomintang.
Os princípios

Mao sempre descreveu a si mesmo para visitantes como "um professor de escola primária". Ele era, de fato, provavelmente o professor de filosofia com mais penetração na história humana. Entre seus princípios fundamentais estavam:

· Buscar a verdade a partir dos fatos: investigar e estudar dos fatos a partir de sua tarefa específica ou localização, e basear suas políticas e ações nisso. Não comece nada a partir de verdades pré-concebidas e colecione fatos que provem que você está certo, negligenciando fatos que coloquem em dúvida suas conclusões;

· "O um se divide em dois": Tudo tem muitos lados, tudo está em mudança, nada é puro e simples. Não analisar, não testar, concluir como é um livro apenas por olhar a sua capa é uma receita para a simplificação exagerada e para o desastre;

· O inimigo é muito mais numeroso e mais bem armado que você? Então lute contra ele crescendo aos poucos, em situações locais em que você supera os números dele, em que você tem uma vantagem – nunca lute quando a vitória não é certa. Sua estratégia geral no início é defensiva, mas a luta de cada indivíduo deve ser ofensiva, a fim de equilibrar as forças e vencer a guerra;

· "Das massas e para as massas": A equipe de liderança precisa ser como uma fábrica, processando dados, carências e demandas do povo na base, formulando políticas para satisfazer essas necessidades, voltando às bases para monitorar a implementação de decisões e fazendo as revisões necessárias. Precisa haver um contínuo processo "para baixo, para cima, para baixo" de liderança. Restaurar esse processo tem sido um esforço-chave da equipe de Xi Jinping.

Historiadores na China e no exterior continuarão a estudar o papel de Mao por séculos, mas o povo chinês provavelmente não irá deixar de lado essa figura de muitos talentos, com o bem e o mal que gerou.

BBC

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