segunda-feira, 9 de setembro de 2013

BBB na academia?


Regina Novaes

Quando li o livro de Silvia Viana intitulado "Rituais do Sofrimento" (Boitempo Editoral) pensei "ainda bem que no mundo acadêmico ainda existe alguma resistência às regras do "capitalismo flexível". No mundo empresarial, descrito por Silvia, as "avaliações participativas" justificam o descarte de funcionários sem que os "donos da bola" precisem "sujar as mãos". Para ilustrar suas ideias, a autora usa o Programa de TV Big Brother Brasil como metáfora: a cada rodada dos "paredões" os próprios participantes se encarregam das eliminações.

Certamente, a competição entre pares e os critérios de "produtividade" também estão presentes na vida universitária. Mas, ao mesmo tempo, (ao menos intencionalmente) busca-se contornar as determinações do "mercado intelectual". Nas reuniões sempre há quem se disponha a lembrar que as universidades têm - por obrigação - despertar o pensamento crítico e considerar contextos históricos e sociais. Nesta perspectiva, paulatinamente, foram sendo criados múltiplos critérios de avaliação que possam dar conta da diversidade de trajetórias profissionais... Neste cenário tem surgidos alguns expedientes, tais como: o reconhecimento de "notório saber " para docentes; as cotas raciais para estudantes; a valorização de divulgação de resultados de pesquisa nos meios de comunicação e em organizações da sociedade civil ( no lattes classificados como produção técnica ou cultural); bolsas para pesquisadores iniciantes e outras bolsas para pesquisadores aposentados que querem continuar suas pesquisas, etc...etc...Tais expedientes funcionariam como antídotos a uma uniformização de trajetórias, ampliando critérios de produtividade (via de regra, apenas restritos e obedientes a uma classificação das revistas acadêmicas nacionais e internacionais).

No entanto, na última sexta feira, este meu parcial otimismo com o "oásis" do mundo acadêmico ficou bem abalado. Após uma "avaliação" de pares, Dulce Pandolfi foi demitida do CPDOC, FVG-RJ.

É fácil saber quem é Dulce Pandolfi. Quarenta anos de casa - no CPDOC -e muitas pesquisas, artigos e livros publicados. Professora vocacionada, recentemente paraninfa e homenageada pelos formandos de Ciências Sociais. Nos dois últimos anos, participante da Comissão de Premiação de dissertações e teses, para a qual foi convidada pela ANPOCS (Associação Nacional de Programas de Pós Graduação em Ciências Sociais). Participante da direção e d e Conselhos de entidades como IBASE, Fundação Joaquim Nabuco e Centro Celso Furtado. Além disto, muitos já devem ter lido, ouvido e visto suas idéias em artigos de jornal, em vários Programas de rádio e TV, sempre disseminando resultados de pesquisa sobre a era Vargas, sobre Memória Social e Politica no Brasil, sobre questões referentes às favelas e exercício da cidadania. Isto tudo sem falar na ampla repercussão de seu depoimento pessoal e reflexivo à Comissão da Verdade no primeiro semestre deste ano.

Como entender esta demissão? E, ainda, como aceitar a maneira como ela ocorreu? "Você está demitida, passe no Departamento pessoal"... Com efeito, não há pendencias trabalhistas em jogo. E, de fato, houve uma "avaliação externa" que deixa a direção da instituição blindada de críticas e, ainda, permite que os pares fiquem resignados às regras do jogo. Porém, este caso ilumina muitos outros e nos obriga a pensar.

Voltando ao livro de Silvia Viana, temos que refletir sobre nossos acadêmicos "rituais de sofrimento"... Neste sentido, talvez valha a pena evocar Ana Arendt para encontrar maneiras de deixar de banalizar as "avaliações" como um "mal necessário", assimiladas como "parte do trabalho" e, assim, silenciar sobre seus efeitos éticos colaterais.

Para Dulce Pandolfi haverá muitas saídas, pois - bem rápido, em um fim de semana- já surgiram alguns convites de trabalho. Mas, em tempos de BBB, para quem participa do mundo acadêmico, fica o desafio de promover uma ampla reflexão sobre os atuais processos de avaliação institucionais e pessoais. Para tanto desnaturalizar, estranhar, é preciso.


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