segunda-feira, 5 de julho de 2010

União Europeia quer vigiar cidadãos de opiniões radicais



Irene Lozano

Entre as realizações do mandato espanhola na presidência da União Europeia, passou praticamente despercebida a aprovação de um programa de vigilância e coleta sistemática de dados pessoais de cidadãos suspeitos de experimentar um processo de “radicalização”. Este programa pode voltar-se contra pessoas envolvidas com “grupos de extrema esquerda ou direita, nacionalistas, religiosos ou antiglobalização”, segundo consta nos documentos oficiais.

Em 26 de abril, o Conselho da União Europeia reunido em Luxemburgo, discutiu a ordem do dia intitulado “Radicalização na UE”, que terminou com a aprovação do documento 8570/10. A iniciativa faz parte da estratégia de prevenção do terrorismo na Europa e foi inicialmente criado para terroristas islâmicos. No entanto o documento estende as suspeitas de tal forma e em termos tão genéricos que abrange a vigilância policial sobre qualquer individuo ou grupo suspeito de ser radical. Assim, um ativista de uma organização civil, político ou cidadão sem vínculos com o terrorismo, pode ser espionado no âmbito de um programa que se propõe investigar “o nível de compromisso ideológico e político” dos suspeitos, ate se sua situação econômica é “de desemprego, de deterioração ou de uma bolsa da auxilio financeiro”.

O documento aprovado recomenda aos países-membros que “compartilhem informações relativas aos processos de radicalização”. O que a UE entende por radicalização? O texto deveria definir o conceito porque permitiria reduzir a área de fiscalização ao âmbito do terrorismo islâmico, mas não o faz. Se propõem, pelo contrario, considerar entre seus objetivos todo tipo de defensores de ideias heterodoxas. O acordo propõem também sob a observação policial cidadãos que defendem as ideias radicais clássicas, aqueles partidários do reformismo democrático que tanto bem fizeram à democracia. Também poderia aplicar-se contra os que são considerados radicais no sentido etimológico, pois “radicais” são, nada mais nem menos, quem aborda os problemas em sua raiz.

O acordo pulveriza o espírito europeu de tolerância para todas as ideias, sempre defendidas com a palavra, porque em seu zelo de prevenir o terrorismo, amplia a gama de suspeitos ate diluir a notável diferença entre os meios com que se defende as ideias e as próprias ideias.

O programa completo de vigilância está contido em um documento anterior, o 7984/10, intitulado “Instrumento para armazenar dados e informações sobre processos de radicalização violenta”, de março deste ano. Coincidentemente, este texto deu ao programa um caráter confidencial, e só se tornou conhecido graças à organização de defesa das liberdades civis StateWatch.org, que teve acesso a ele e o tornou público. Essa ONG denuncia que este programa “ não se dirige principalmente a pessoas ou grupos que pretendam cometer atentados terroristas, mas sim a quem tem pontos de vista radicais, aos que se definem como propagadores de mensagens radicais”.

Vigilância individual

Entre os objetivos do documento secreto consta “combater a radicalização e o recrutamento”, e inclui referencias relativas às perseguições daqueles que incitam ao ódio ou à violência que parecem dirigidas a grupos terroristas ou filoterroristas. No entanto, são medidas desnecessárias pois já estão contempladas na legislação penal dos países europeus. O texto se refere indistintamente à radicalização e à radicalização violenta, associando o recurso da violência com todo tipo de ideias extremas antissistema. O documento incita os governos a vigiar “as mensagens de radicalização”até o ponto de fronteira de violação da liberdade de expressão. O programa incentiva a escuta de audiências dos que formulam mensagens radicais, se estas apóiam ou não a violência, se existem outros grupos com as mesmas ideias que renegam a violência, como se transmite as mensagens radicais, etc.

À medida que se desce a detalhes da vigilância individual, recomenda-se investigar também os sentimentos das pessoas que militam em grupos suspeitos, através de abordagens para recolher informações sobre “sentimentos do individuo em relação a sua nova identidade coletiva e aos membros de grupo”. Com perguntas como “ a pessoas fez comentários sobre assuntos, principalmente de natureza política, usando argumentos baseados em mensagens radicais? Fez comentários sobre sua intenção de tomar parte em um grupo violento?” Deste modo o acordo abre um caminho perigoso de perseguição de ideias, argumentos e ate mesmo humor.

A reunião em que se aprovou este programa de vigilância dos cidadãos foi presidida pelo ministro das relações exteriores espanhol, Miguel Angel Moratinos, já que a Espanha detinha a presidência da União Europeia. Participaram também o ministro espanhol para a UE, Diego Lopes Garrido, assim como a maioria dos ministros de assuntos exteriores.


Opera Mundi

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