quarta-feira, 29 de março de 2017

Eu já fui um terceirizado. E você?

Walmyr Junior*

Já fui terceirizado. Trabalhei duro durante dois anos como auxiliar de limpeza e prestava serviços para a rede Makro de mercado atacadista. Posso falar com propriedade, sei que tudo é inferior! Salários baixos, benefícios cortados,riscos de salubridade, elevada carga horária e é claro, o descrédito social por ser preto e ter sido da limpeza.


A dedicação, com muita garra no meu dia a dia, somado as boas relações que construí na minha história, me colocou hoje, em condições de privilégios sociais que nem todo preto e favelado como eu teve. O duro trabalho na limpeza, nunca tirou minha honra e moral, mas certamente afetou a minha dignidade e me impossibilitou de usufruir direitos trabalhistas que são negados do cotiando trabalhista dos terceirizados.


Na ultima semana vimos o congresso nacional aprovar o projeto que legaliza a terceirização em todas as atividades de uma empresa. Na legislação brasileira, as empresas só poderiam terceirizar as ‘atividades meios’, ou seja, os serviços considerados secundários. Porém, se o governo federal assinar o PL, uma empresa que terceiriza os serviços de limpeza da sua firma, poderá também terceirizar as ‘atividades fins’, categorizada como atividades principais.



Esse problema não é novo. Essa proposta aprovada na Câmara é do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que em 1998, há 19 anos, pautou a terceirização no congresso. Também já se foi falado em compartilhamento das relações/obrigações trabalhistas, onde, em 2015 o ex-presidente da casa,Eduardo Cunha (PMDB), tentou emplacar o PL 4330.



Porém o que foi votado impacta diretamente nos direitos trabalhistas e previdenciários do trabalhador. O problema apresentado está em aumentar na sociedade brasileira uma relação de trabalho precarizado para outros indivíduos do mercado. Já não basta o serviço do faxineiro (a) ser desumanizado. Agora, nossos queridos parlamentares, querem expandir e generalizar uma relação de trabalho que joga a CLT na lata do lixo.



Lembremo-nos que os serviços terceirizados são campeões na infeliz estatística dos milhares de acidentes de trabalho que causam mortes e mutilações, fragiliza as organizações sindicais, diminuem a contribuição previdenciária, dentre outras atrocidades.


A terceirização é o principal alvo da fiscalização hoje dos auditores fiscais do Ministério do Trabalho. Ela Reduz a renda do trabalhador, pois bem sabemos que o salário do terceirizado é menor do que o de um funcionário contratado.


Vejamos outra coisa: o projeto coloca uma prestadora de serviços (leia-se uma terceirizada) entre a relação do trabalhador e a empresa originária. Ou seja, a empresa contratante terá lucro, algo em torno de 30 a 40% para um outro empresário (contratado)precarizar a vida funcional de um trabalhador.



O que deve ficar em destaque nessa análise é que nenhuma terceirização resolverá o problema do desemprego no Brasil. Se ele, o empresário, contrata, é porque está tendo lucros e não está em crise. A opção pelo terceirizado está explicita, é mais barato, gera mais lucro. Não esqueçamos que se um empresário passa a contratar um trabalhador é por que economia se desenvolveu, o seu negocio aumentou.



O medo da população é de se encarar no futuro próximo uma relação profissional não mais como empregado e empregador, mas sim como dono de um CNPJ, estilo Micro Empreendedor Individual (MEI), e teremos sempre um contrato entre "duas empresas" de prestação de serviço. Ou seja, sem nenhum direito trabalhista.



Esqueça férias, 13º, seguro desemprego, licença maternidade/paternidade, cesta básica, planos de saúde etc.. O que está para acontecer vai impactar na vida de muita gente. Estamos perdendo décadas de direitos trabalhistas.


* Walmyr Junior é morador de Marcílio Dias, no conjunto de favelas da Maré, é professor, membro do MNU e do Coletivo Enegrecer. Atua como Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve). Integra a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ

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Jornal do Brasil 


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