sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Por que sonhas, Minas? ; Roberto Drummond



Minas Gerais: há sempre uma procissão passando, um sino tocando nas igrejas e nos corações, e uma conspiração em curso.



Ah, Minas Gerais: de onde vem essa rua permanente, clandestina, diária, camuflada, subversiva inconfidência?



Vem dos cristãos novos, que se asilaram em tuas cidades e aportuguesaram os nomes suspeitos?



Vem dos negros que fizeram de ti a África-mãe?



E essa tua mania, Minas Gerais, de ser altaneira, de não ficar de joelhos a não ser diante de Deus e dos teus santos de fé, e, ao mesmo tempo, ficar olhando para o chão, para os lados, de nunca encarar o teu interlocutor ou inquisidor, de onde vem teu jeito simulado, Minas Gerais?



Por que sempre parece que tens medo, Minas Gerais?



Por que tua coragem, de dar um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair, vem sempre travestida, disfarçada?



Por que, Minas Gerais?



Amo em ti, Minas Gerais, não apenas essa rebelião que carregas no peito como um vulcão clandestino, amo em ti o culto dos sonhos impossíveis.



A liberdade era a amante mais desejada, mais sonhada de Tiradentes, era seu sonho impossível – e, por ele, Tiradentes morreu.



Teu filho Santos Dumont deu asas ao impossível sonho humano de voar.



E antes de Santos Dumont, o que foi o Aleijadinho, senão um mágico que transformava em realidade impossível sonhos em pedra-sabão?



Minas Gerais: Juscelino plantou uma flor de concreto, a que deu nome de Brasília, no cerrado. Era também a realização do impossível. E teu filho e rei, Pelé, nascido em Três Corações, escolhia os mais tortuosos e difíceis caminhos para o gol, e sempre perseguiu o gol impossível, o único que não conseguiu realizar: o de surpreender o goleiro com um chute de longa distância.



Minas Gerais: amo em ti a contradição.



És barroca em Ouro Preto, Tiradentes, Diamantina, Congonhas e Mariana, e moderna na Pampulha.



Aqui, tu acendes o fogo, incendeias os corações: ali tu és, minas Gerais, a água na fervura, a água apagando o fogo.



Tu és sertão e cidade, és o passado e o presente, és o Rio Doce e rios amargos, trágicos, és um casarão com 38 janelas e és uma casa moderna e ensolarada.



Por que sonhas, Minas Gerais?



E por que, Minas Gerais, quando sorris, quando estás alegre, sempre acabas punindo tua própria alegria, como se ela, como teus sonhos de liberdade, te fosse proibida?



Por que sempre estás pensando que comete um grave pecado, Minas Gerais?



Por que teus filhos rezam mesmo quando são ateus?



Por que, Minas Gerais, por quê?


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DRUMMOND, Roberto. Por que sonhas, Minas? In: LOPES, Carlos Herculano (seleção e prefácio). Roberto Drummond. São Paulo: Global, 2005. p.57-58. (Coleção Melhores Crônicas/direção Edla van Steen.)



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