segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Vitória de Trump desafia democratas brasileiros

André Singer 

 “Como organizar uma frente ampla o suficiente para ter chance de ser maioria — o que só é possível em consonância com setores de centro — e ao mesmo tempo radical o suficiente para ser uma alternativa aos que vão sendo triturados pelo moinho satânico do capital?”

O tremor causado pela vitória de Donald Trump foi objeto de inúmeras análises nos últimos dias. Não tenho competência para falar dos desdobramentos na política interna dos EUA nem nas relações internacionais. Mas gostaria de comentar aspectos do comportamento eleitoral estadunidense naquilo que pode se reproduzir por aqui.

Partindo da premissa de que o voto em Trump provenha dos perdedores da globalização, quanto maior a desigualdade causada pelo avanço neoliberal maior será a reação dos de baixo. O protesto de trabalhadores cuja condição de vida cai à medida que a mobilidade de gente e de capitais destrói empregos tenderá a crescer. Pouco importa se o porta-voz da indignação é alguém que, individualmente, teve sucesso dentro do sistema.

Interessa que o personagem em foco coloque na mesa opções radicais de mudança. O fato de ter aparecido nas primárias uma opção socialista competitiva entre os democratas (Bernie Sanders) faz parte da mesma lógica. A hegemonia do neoliberalismo foi tão longe que transformou até o velho programa conciliador keynesiano em coisa de extremista.

A transformação que vem pela extrema direita propõe uma aliança entre os muito ricos e os setores atingidos pela modernidade para combater os pobres e seus aliados da classe média progressista. Para isso, nacionalismo e autoritarismo são indispensáveis.

A única ligação entre ganhadores e losers —polos opostos do espectro criado pelo mercado— é pertencerem à mesma nação (ou etnia, tanto faz). Em nome disso, juntam-se para oprimir os forasteiros. Negros, mexicanos, islâmicos, judeus, eslavos, dá no mesmo. O papel da força nesse programa é óbvio.

No Brasil, embora tenha havido um golpe parlamentar recente, não convém misturar alhos com bugalhos. O governo Michel Temer, ao contrário de Trump, se propõe a retomar o curso liberal dos anos 1990, sem qualquer consideração pelos que forem deixados ao relento. O problema é o que vem depois de Temer.

As manifestações ultranacionalistas e antidemocráticas que começaram a se difundir no Brasil a partir de 2013 poderão crescer à medida que os aspectos excludentes das reformas em curso começarem a ficar claros. Vale lembrar que Flávio Bolsonaro já teve 14% dos votos para prefeito do Rio de Janeiro neste ano. Se alternativas progressistas não vingarem, as regressivas o farão.

Para os democratas, um desafio se impõe. Como organizar uma frente ampla o suficiente para ter chance de ser maioria — o que só é possível em consonância com setores de centro — e ao mesmo tempo radical o suficiente para ser uma alternativa aos que vão sendo triturados pelo moinho satânico do capital? Hora de a inteligência trabalhar.

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