terça-feira, 29 de novembro de 2016

Arte, história e política

Arte, história e política: elementos para uma metodologia intersemiótica dos saberes

Michel Zaidan Filho

Foi Aristóteles, o filósofo estagirita, o primeiro a estabelecer uma relação canônica entre o discurso do artista e o discurso do historiador em sua obra Poética. Segundo ele, a poesia seria mais universal e profunda do que a História por tratar das coisas, situações e pessoas do ponto de vista do que poderia ter sido e não do que foi. Neste aspecto, ela não estaria presa às contingências do passado, de uma maneira irrepetível, mas livre pela virtualidade das infinitas possibilidades da verossimilhança e da necessidade. O poeta seria mais filosófico, o historiador mais limitado pelas contingências do tempo.

Essa posição canônica de Aristóteles tornou-se famosa, levando os historiadores ou historiógrafos a preferirem Tucídides a Heródoto, com o seu gosto declarado pela oralidade do relato histórico. A idade média consagrou esse ponto de vista ao separar rigidamente a literatura, o mito e a arte do discurso do historiador. Tanto Lorenzo Valla como Jean Mabillon procuraram definir o método histórico como a busca e a comprovação da verdade, das autenticidades dos documentos papais, reais, patrimoniais ou da investidura de cargos e mandatos. Daí saiu o famoso “método crítico”, que viria pontificar nos manuais de história.

Foi o filósofo alemão Friedrich Nietzsche que, na época moderna, quebrou a espinha dorsal do realismo (ingênuo) aristotélico e introduziu a concepção retórica da História, ao dizer que a diferença entre o discurso dos artistas e o dos filósofos e cientistas era que, no primeiro caso, a sociedade aceitava tratar-se de uma ficção e, no segundo caso, seria uma mentira aceita convencionalmente como verdade. Mas em ambos os casos, uma mentira. Ou seja, estava quebrada a barreira epistemológica entre a arte e a história. A representação do passado, pelo historiador, seria tão fictícia como a do artista, com uma diferença: a do artista era uma mentira socialmente aceita como tal. Enquanto a do historiador, não. A concepção retórica da História franqueou a passagem para aqueles que se contrapondo ao realismo aristotélico e renascentista passaram a aceitar o relato histórico como uma recriação do passado, mediada pelos efeitos da linguagem.

Diante da crise de confiança que se abriu com a crise da modernidade, e a desconfiança da razão iluminista (agora interpretada como instrumento do poder, ou de uma vontade de poder), duas posições se colocaram vis-à-vis: (a) a posição neonietzscheana, representada pelo filósofo francês Michel Foucault, que radicalizou o nominalismo do seu mestre ao dizer que tudo não passava de representações discursivas a serviço de imperativos de poder, e; (b) a posição do filósofo alemão Walter Benjamin que cunhou um método fisiognômico para o trabalho do historiador. Um, conduz ao relativismo e ao niilismo. O outro, à liberdade de criação e a Utopia. Ao propor um método que interpretasse a sociedade e o mundo, a partir das “imagens do desejo”, Benjamin nos legou uma possibilidade de ultrapassar o conceito aristotélico de mimesis, no sentido da recriação do real a partir das “imagens do desejo”.

Essa metodologia “fisiognômica” implica numa ontologia do artefato verbal ou visual, que o vê como um amálgama de camadas de sentido, que precisa ser revolvida pelo estudioso. Esse trabalho de desconstrução nos conduz ao que se chama de “ruínas alegóricas”, ou seja, as possibilidades de desenvolvimento histórico frustrada pela efetividade do curso histórico oficial. E nos permite, a partir de uma segunda etapa de nossa análise, reconstruir o passado a partir das “ruínas alegóricas” resgatadas da nossa primeira operação de desconstrução. A história renasce como recriação, releitura, atualização de novos projetos de leitura e, assim, o trabalho do historiador se aproxima do trabalho do artista, em busca da utopia, do novo, do diferente, do inusual, do excêntrico, do rejeitado, do excluído.

A essa concepção, agregue-se a crítica neoanarquista de que a política tradicional, meramente estratégica, na concepção maquiaveliana de conquistar e manter o poder, por qualquer meio, é desprovida de propósitos sensatos. Mais ainda quando estetizada pelo fascismo e/ou nazismo, a política como espetáculo, a política a serviço da guerra, da destruição. E seus artistas: Marinetti, Dadá, Dalí etc.

A essa estetização da política tem que ser contraposta uma politização da arte, da arte revolucionária, da arte enquanto instrumento do despertar da consciência das massas, da sua inervação, do choque, do estranhamento, do incitamento à revolução social. Para isso, o cinema – como o teatro de Bertolt Brecht – é fundamental. O cinema abre as portas da História para a passagem das massas, faz delas protagonista essencial do processo histórico. Através dele, as massas se autorrepresentam, fazem a sua catarse gramsciana. Deixam de ser massa de manobra e viram atores políticos por excelência. O cinema é o coroamento tecnológico da fusão entre arte, história e revolução. Embora até hoje esteja submetido ao “star system” e ao culto da personalidade dos atores. Mas a revolução tem como fim expropriar os capitais da indústria cinematográfica para colocá-la a serviço da revolução, como na Rússia soviética. A seguir, alguns exemplos práticos desse método intersemiótico, através do livro: “O palco da História”.

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Por Michel Zaidan Filho, filósofo, historiador, cientista político, professor da UFPE e coordenador do NEEPD/UFPE – Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia.


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