domingo, 6 de novembro de 2016

Lula e o ajuste fiscal

A enquete do “Valor” explica muito do que se passa hoje no Brasil. Dilma não foi deposta pelas supostas “pedaladas”, tampouco por corrupção e muito menos pela propalada gastança. O real motivo foi a sua incapacidade de promover o ajuste fiscal na escala e intensidade que a elite deseja, reduzindo gastos sociais para preservar a apropriação do Orçamento público pelos ricos. Ela até tentou com Joaquim Levy, mas sua base social se rebelou; titubeou, e aí não teve perdão.

Júlio Miragaya*

Se perguntassem ao povo qual deve ser a principal preocupação do governo Temer, a maioria certamente responderia: educação, saúde, retomar o crescimento econômico para gerar emprego ou acabar com a corrupção. Mas não é o que pensam 199 entre os mil maiores empresários brasileiros, segundo o que foi constatado em enquete do jornal “Valor Econômico”. Somente 2% responderam que a principal preocupação do governo deva ser o combate à corrupção. Já educação e crescimento econômico mereceram a atenção de apenas 1%.



E o que os principais empresários do país esperam do governo Temer? Segundo a enquete, aprovar a PEC 241, que congela os gastos em saúde e educação (47%), e as reformas previdenciária (22%) e trabalhista (10%). Em síntese, 80% defendem que Temer deve cortar gastos e direitos sociais, que consideram excessivos. Por fim, 13% clamam pela redução da taxa de juros, e 4% esperam uma política cambial mais afeita aos interesses da indústria nacional, revelando que ainda há alguma lucidez em parte de nossa elite econômica.



No Brasil, embora os ganhos de capital deem uma contribuição menor para a carga tributária (28%, contra 72% advindos do imposto sobre o consumo e renda do trabalho), são os ricos que mais dela reclamam. Se queixam de o Estado destinar R$ 27 bilhões anuais a 40 milhões de miseráveis atendidos pelo Bolsa Família, mas se locupletam com os R$ 500 bilhões anuais que embolsam na forma de juros da dívida pública, além de centenas de bilhões na forma de subsídio, isenção, desoneração e sonegação.



A enquete do “Valor” explica muito do que se passa hoje no Brasil. Dilma não foi deposta pelas supostas “pedaladas”, tampouco por corrupção e muito menos pela propalada gastança. O real motivo foi a sua incapacidade de promover o ajuste fiscal na escala e intensidade que a elite deseja, reduzindo gastos sociais para preservar a apropriação do Orçamento público pelos ricos. Ela até tentou com Joaquim Levy, mas sua base social se rebelou; titubeou, e aí não teve perdão.



O roteiro elaborado pela elite econômica prevê que o governo Temer, impopular e destituído de legitimidade, deva cumprir este papel. Haverá reação dos movimentos sociais e sindicais, mas o grande obstáculo se chama Lula, que já lidera as pesquisas para presidente em 2018, encarnando a resistência popular ao ajuste fiscal, e que, em 2003, combateu a crise ampliando os direitos sociais, diferentemente do que hoje se propõe. Isso implica que ele deve ser apeado da disputa política.



Daí advém seu indiciamento pela PF, com base na patética acusação pelo MP de ser o “chefe máximo” do esquema de corrupção no país. Ora, como alguém comanda um esquema de propina de R$ 30 bilhões e puxa para si tão somente as reformas de um apartamento e de uma chácara, que nem a ele pertencem, e que somam meros R$ 2 milhões? Como o “chefe supremo” fica com um décimo de milésimo do total desviado, quando teve gerente da Petrobras levando US$ 200 milhões? Talvez Eremildo, o idiota, creia.



(*) Presidente do Conselho Federal de Economia (Confecom)

Diap


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