sexta-feira, 29 de abril de 2016

Ponte para o abismo


Luiz Bernardo Pericás.

Nos pântanos de Brasília, os conspiradores se reúnem nos bastidores para efetivar o golpe institucional em curso. Serpentes, abutres e tucanos, sorrateiramente, planejam a cada dia os novos rumos políticos que querem impor ao país. No centro das discussões, o famigerado programa “Uma ponte para o futuro”, elaborado pelo PMDB, o qual, apesar do nome, mais se parece com a ciclovia da Niemeyer, no Rio: uma passarela suspensa, mal construída, que levará a nação para o abismo. Os retrocessos serão enormes e a possibilidade de se implementar uma agenda popular, progressista, será jogada para escanteio imediatamente após a usurpação do poder.


O documento, em tom messiânico, se propõe a “buscar a união dos brasileiros de boa vontade”, já que “o país clama por pacificação pois o aprofundamento das divisões e a disseminação do ódio e dos ressentimentos estão inviabilizando os consensos políticos”. Além disso, segundo os arautos do Apocalipse que escreveram esta pérola, “o Brasil gasta muito com políticas públicas”. Na prática, consensos políticos não virão, o ódio aumentará e o uso da força contra a oposição democrática de esquerda também. Já se pode esperar resistência nas ruas. E uma ofensiva enérgica das elites. Em nome da “paz”, da “ordem” e da “governabilidade”, não se aceitarão manifestações que ultrapassem os limites que “eles” irão estabelecer. O resultado: mais soldados da tropa de choque agredindo militantes, incremento de processos judiciais, novas prisões. Afinal de contas, a criminalização dos movimentos sociais não é novidade: é só lembrar da duríssima repressão aos professores grevistas em Curitiba no ano passado e o assassinato de dois trabalhadores rurais no Paraná recentemente pelos “agentes da lei”, em ambos os casos, na gestão do governo estadual encabeçado pelo PSDB. Os cães de guarda do patronato, dos grandes bancos e das corporações não terão pudor em passar o trator por cima de qualquer um que proteste com maior afinco. A agressividade por parte das autoridades tende a se ampliar…

O projeto em questão, que pode levar o Brasil para as trevas, sugere acabar com os vínculos constitucionais no orçamento, tendo como objetivo retirar direitos trabalhistas, como o abono salarial, o seguro-desemprego e o auxílio-doença. O salário mínimo, por sua vez, deve ser desvinculado da inflação, enquanto os aposentados receberão menos que o piso salarial. Já o ProUni e a Bolsa Família serão afetados e a reforma da previdência, acelerada. A educação e saúde, neste caso, fragilizadas…

Uma onda de privatizações deve vir a seguir. “Uma ponte para o futuro”, que pretende redefinir o papel do Estado (ao tentar consolidar um “Estado mínimo”, enxuto e supostamente eficiente), incrementar a participação da iniciativa privada, flexibilizar o mercado de trabalho e ampliar a concorrência internacional, abrirá de maneira escancarada as portas para a venda do patrimônio nacional. A partir daí, a relação dos “entreguistas” de plantão com os interesses do imperialismo se tornarão explícitas. Essa gente, por sinal, tem rosto e nome: Temer, Aécio, Skaf, Serra, Cunha e sua quadrilha (com todo o apoio da Fiesp, CNI e similares), irão se refestelar nos palácios da capital, com a anuência do Supremo, que garantirá que o processo seja levado a cabo com a mais absoluta aparência legal e constitucional, como tem feito até agora.

É bem verdade que uma agenda mais radical e progressista não vinha sendo implementada pelo governo Dilma. Muito pelo contrário. A escolha de Joaquim Levy e Kátia Abreu (entre outros) para ministérios importantes, a assinatura da “lei antiterrorismo”, o aumento da concentração de terras no campo, o avanço do agronegócio, as alianças espúrias, a financeirização da economia, a despolitização dos debates políticos e uma agenda fiscal lastimável são alguns traços desta administração. De qualquer forma, um governo Temer acelerará todas essas tendências e permitirá que os grupos mais conservadores e reacionários do Congresso possam impor sua linha nefasta, o que representaria um retrocesso ainda maior dos direitos e garantias sociais.

O fato é que o mundo inteiro sabe o que acontece no Brasil. E se mobiliza contra o golpe. É só lembrar que o Secretário Geral da OEA, o Secretário Geral da UNASUL e o Alto Comissário de Direitos Humanos já soltaram notas oficiais contra o processo golpista no país. O mesmo o fizeram os presidentes do Equador, Venezuela, Bolívia e Cuba, assim como uma figura respeitada mundialmente como José Mujica. Dentro do Mercosul há quem defenda que o Brasil seja suspenso caso vingue a fraude em andamento. Isso para não falar dos mais importantes artistas, intelectuais e juristas brasileiros. Até a imprensa internacional (revistas e jornais dos Estados Unidos e Europa), criticam o que se passa por aqui, caracterizando o quadro geral como um atentado à democracia. Temer (que provavelmente nunca ganharia sequer uma eleição para síndico de condomínio) não terá, portanto, qualquer legitimidade para governar.

Mas há outra variável que deve ser levada em conta. A crise atual, por pior que seja, está reenergizando as mobilizações sociais e poderá aglutinar a esquerda. E isso é um alento. Que os nossos santos padroeiros, São Marx e São Lenin, nos ouçam. E nos ajudem. A luta será longa…

***

Luiz Bernardo Pericás é formado em História pela George Washington University, doutor em História Econômica pela USP e pós-doutor em Ciência Política pela FLACSO (México). Foi Visiting Scholar na Universidade do Texas. É autor, pela Boitempo, de Caio Prado Júnior: uma biografia política (2016), Os Cangaceiros – Ensaio de interpretação histórica (2010), do romance Cansaço, a longa estação (2012) e da coletânea Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados, organizado em conjunto com Lincoln Secco. Também publicou Che Guevara: a luta revolucionária na Bolívia (Xamã, 1997), Um andarilho das Américas (Elevação, 2000), Che Guevara and the Economic Debate in Cuba (Atropos, 2009) e Mystery Train (Brasiliense, 2007). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas-feiras.

Boitempo


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