sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A Petrobrás está quebrada?


Diomedes Cesário*

É a pergunta que ouço dos amigos. Costumo responder dizendo que quando tiverem dificuldades para abastecer seus carros ou comprar gás de cozinha, podem começar a se preocupar.

Mas, e a dívida?

A Petrobrás tem como seu maior patrimônio o mercado brasileiro, suprido por uma rede de refinarias, dutos e terminais e reservas de petróleo para mais de 20 anos de consumo, afora o pré-sal que está em desenvolvimento. As dívidas assumidas se destinam a investimentos para continuar atendendo ao crescimento da economia brasileira nos próximos anos e à exportação de petróleo e derivados.


E a roubalheira da Lava Jato? Por que as dívidas cresceram tanto e a Petrobrás está reduzindo investimentos?

Os danos à Petrobrás causados por ex-dirigentes, aliados a grandes empreiteiras e políticos, se inscrevem como a mais vergonhosa na história da companhia e motivo de indignação de seus empregados. Afinal, são eles os responsáveis pelos pareceres técnicos e estudos de viabilidade econômica dos empreendimentos e fazem seu trabalho com o melhor de sua competência técnica.

As decisões nos níveis de direção, entretanto, não tiveram o mesmo cuidado, permitindo que "crachás de aluguel" se estabelecessem, firmando contratos lesivos para a companhia. As decisões da diretoria devem ser efetivamente colegiadas, não importando se o assunto é do diretor da área de exploração e produção ou de refino.

Empreiteiras e EPC

Uma outra mudança foi fundamental.

A REPLAN, a maior refinaria em capacidade de processamento da Petrobrás, localizada em São Paulo, foi construída na década de 70 em 1000 dias, com custo e prazo adequados, entrando em operação três meses antes do previsto. A RNEST, em Pernambuco e o COMPERJ, no Rio de Janeiro, construídos 40 anos depois, tiveram custos e prazos em desacordo com o planejado.

Por que? Ainda que as unidades tenham diferenças, a forma de contratação foi fundamental. No passado, a obra só era iniciada com o projeto detalhado e a coordenação era dos técnicos da companhia. A integração entre as diversas disciplinas e empresas contratadas era realizada por petroleiros, a implantação do empreendimento competia diretamente à Petrobras. Quem projetava não comprava, nem montava equipamentos. Procurava-se evitar que o projeto fosse orientado para empresas do mesmo grupo ou associada, ficando refém de um grande consórcio.

Foi exatamente o que ocorreu com a RNEST e o COMPERJ. Os contratos eram tipo EPC, onde o consórcio vencedor detalha o projeto, compra e entrega as instalações prontas para uso. Como não é especialista, terceiriza sem qualidade, aumentando seus lucros, inclusive com a renegociação de aditivos.

A justificativa dada era que eliminavam-se as interfaces entre as empresas, reduzindo prazos, fiscalização e custos. Foi exatamente o contrário do ocorrido. Os técnicos da estatal atuavam apenas pontualmente, pois a fiscalização também era contratada.

A responsabilidade do governo

O motivo mais importante do elevado endividamento, entretanto, foi de ordem estratégica. O governo, representante da União Federal, acionista majoritário e controlador, após a descoberta do pré-sal optou por elevar a produção de petróleo e derivados para exportação a níveis preocupantes. O Plano de Negócios e Gestão 2014-2018 projetava produção de óleo + LGN (líquido de gás natural) no Brasil em 4,2 milhões de barris por dia (bpd) em 2020 e 4,9 milhões de bpd incluindo os parceiros. No Plano 2015-2019, a meta é passar dos 2,1 milhões atuais para 2,8 milhões em 2020.

A estimativa de crescimento do consumo interno também foi otimista. A premissa era aumentar a capacidade de refino para 3,9 milhões de bpd em 2030.

É importante lembrar que não construíamos refinarias desde a década de 70, fazendo ampliações nas refinarias existentes, a custos muito menores. Unidades novas eram principalmente para melhoria da qualidade de produtos, além das novas plataformas de produção, é claro.

A RNEST, a refinaria do nordeste, vinha sendo adiada há mais de 20 anos, com as ampliações mencionadas. O COMPERJ, o complexo petroquímico do Rio de Janeiro, surgiu da pressão do governo do estado, onde se concentra a produção nacional. Os sócios privados, que também seriam responsáveis pelas indústrias de segunda geração, compradoras da matéria prima produzida no complexo, jamais aportaram um centavo, apesar de potenciais sócios e interessados.

As Refinarias Premium I (Maranhão) e Premium II (Ceará), destinadas à exportação de derivados, posteriormente redirecionadas para suprir o mercado nacional, foram canceladas recentemente após gastos de R$ 2,8 bilhões, em projeto e terraplanagem, principalmente.

Para piorar tudo, a crise de 2008 apareceu e mais recentemente o barril de petróleo despencou para metade do valor vigente.

Ora, para pagar os empréstimos é necessário gerar caixa. Uma coisa é o barril a US$ 100, outra, bem diferente, a US$ 50. Com geração menor, para os investimentos acontecerem, tem-se que tomar mais empréstimos e aí chegamos aos dias de hoje.

Como miséria pouca é bobagem, o real se desvalorizou e a dívida, grande parte em dólar, se elevou ainda mais.

O preço dos derivados

Dentre as premissas consideradas no planejamento financeiro aprovadas no Conselho de Administração, onde a União tem o controle, destacam-se "preços de derivados no Brasil com paridade de importação".

Os governos atuaram controlando os preços para segurar a inflação, num evidente conflito de interesses. Afinal, quem administrava a inflação também fixava o preços dos derivados, que a rigor deveria depender de decisões da Petrobrás. Se pretender fazer subsídios, deve viabilizá-lo com recursos do Tesouro, devidamente aprovado pelo Congresso. Nada diferente do que ocorria com a Conta Petróleo e Álcool, ou do que a Itália fez com a ENI ao assinar contrato de compra de gás com a Argélia na década de 80.

É importante lembrar que quem quiser pode importar derivados do exterior e vendê-los no mercado interno, mas obviamente ninguém se aventura, pois terá prejuízos comprando mais caro e vendendo mais barato. Nesta história, estima-se que a Petrobrás tenha perdido mais de 60 bilhões de reais entre 2011 e 2014 por responsabilidade do controle do governo.

Os cenários estudados eram otimistas, não contemplando uma queda do preço do barril. Num investimento de longo prazo, há que se ter cautela. Mesmo em passado recente, entre 1986 e 2003, por exemplo, o preço corrigido do barril ficou abaixo de 40 dólares, como pode ser visto no gráfico abaixo.


O desempenho da Petrobrás e as alternativas

Quem consultar os resultados da companhia, verá um excelente desempenho operacional. O aumento em 149% no lucro operacional entre janeiro e setembro de 2015, em relação a igual período em 2014 dá a dimensão do prejuízo que a companhia vinha tendo com os preços dos derivados. Suas reservas e produção continuam aumentando, ao contrário das grandes empresas privadas internacionais, cada vez com mais dificuldade em repor o petróleo extraído. Daí o interesse no pré-sal e a pressão para alterar o regime de exploração de partilha para concessão. A diferença é exatamente quem é o proprietário do petróleo extraído: a União ou o consórcio das empresas.

Outro fator importante é a integração da indústria de petróleo. Com o barril a 100 dólares, o segmento de exploração era o grande gerador de resultados; com o barril a 50, sua queda é transferida para o refino, pois o preço dos derivados em reais não sofreram redução. Aliás, tiveram um aumento para compensar o câmbio e aliviar os prejuízos causados pelos governos em anos anteriores.

Para que a companhia não fique gerando recursos e vendo-os serem drenados para os juros pagos aos bancos e depreciação do câmbio, o acionista majoritário deve apresentar uma solução, alongando a divida e permitindo à companhia retomar os negócios aos níveis desejados pelo país. Até porque foi exatamente a União quem determinou o nível de investimento atual. A propósito, mesmo com a redução, está na casa de US$ 26 bilhões por ano para o período 2015 a 2019, valores excepcionais. Em 2000, eram cerca de US$ 7 bilhões, dobrando em 2005 e subindo abruptamente após a descoberta do pré-sal até US$ 49 bilhões em 2013.

Há duas formas de se destruir uma empresa estatal: privatizá-la, entregando-a a grupos nacionais ou estrangeiros, ou usá-la como instrumento de controle da inflação e outros propósitos fora de sua atividade fim. No caso dos setores de telecomunicações, eletricidade e siderurgia, começaram com a segunda alternativa para em seguida apresentarem a primeira como solução final.

No caso da Petrobrás, os prejuízos pela importação de gasolina e diesel para complementar a produção nacional e venda a preços controlados fragilizaram a companhia. Os investimentos foram baseados em cenários com preços adequados dos combustíveis, o que não ocorreu.

Para agravar a situação, temos a política de produção de petróleo e gás, onde os leilões se sucedem para produzir e exportar o mais rapidamente possível, sem sequer sabermos quais são as reservas do pré-sal. A pressão de prefeitos, governadores e políticos é para ter mais recursos à disposição, enquanto estão exercendo seus cargos, comprometendo o futuro do país e das futuras gerações. A desindustrialização, o excesso de importações, o descontrole das contas externas falam por si só.

Neste panorama, certamente a última opção a se pensar é a venda de ativos, pois fazem parte de uma cadeia integrada, a exemplo do refino e da produção.

O impacto das atividades da Petrobrás na economia do país está à vista de todos. Num momento de fragilidade da economia, pode continuar sendo um projeto nacional para o setor, desde que o governo saiba compatibilizar seus interesses de gestor da empresa e do país, sem danos à companhia.


Data: 02/12/2015 
Diomedes Cesário da Silva
* Ex-presidente da AEPET


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