quinta-feira, 22 de maio de 2014

Velhice Feminina: sabedoria ou solidão?

Mary del Priore

Para muitas, a velhice é um tema que provoca arrepios. Palavra carregada de inquietação e angústia, também representa uma realidade difícil de capturar. 

Quando é que se fica velha? Aos 60, 65 ou 70 anos? Nada mais flutuante do que os contornos da velhice, vista como um conjunto complexo fisiológico-psicológico e social. Temos a idade das artérias, do coração, do comportamento? Ou enxergamos a idade no olhar dos outros? Enfim, a única certeza é que desde que nascemos começamos a envelhecer, embora o façamos em velocidades diferentes. O modo de vida, o ambiente, a situação social aceleram ou retardam a evolução biopicológica, e entramos na terceira idade em idades muito diferentes. Sobre o envelhecimento feminino, poucos tiveram a graça de Nelson Rodrigues, que dizia: “na intimidade da alcova, ninguém se lembraria de pedir à rainha de Sabá, à Cleópatra, uma certidão de nascimento”!



O Brasil está envelhecendo, e as mulheres, junto. Já se observam mudanças. Antes marginais hoje, elas são a espécie mais comum de cidadãos. A idosa em boa forma, sábia e experiente cada vez mais faz parte da publicidade: oferece máquinas de lavar, passeios turísticos, seguros de vida e outros produtos. A medicina se debruça sobre os problemas específicos dessa clientela; economistas se inquietam diante do aumento de aposentadorias; e os demógrafos se desolam com uma pirâmide de idade invertida – mais velhos, menos jovens –, que aponta, a médio prazo, um país cheio de rugas. O Estado também vai tomando consciência da amplitude da situação e, com a lentidão habitual, começa a pensar nela.



Segundo o IBGE, em 2009, elas representavam 55,8% das pessoas com mais de 60 anos e 56,7% das com mais de 65 anos. A população de brasileiras na terceira idade não cessa de crescer. Mas desde quando mulheres são consideradas “velhas”? Muitos autores reconheceram, na virada do século XIX para o XX, o momento em que, em vez de imaginar que o acúmulo dos anos traria experiência, a última etapa da vida passou a ser associada à ideia de decadência. O que era novo passou a ser glorificado, e o velho, recriminado. Um exemplo? De um lado, o Império, dom Pedro II com as barbas brancas e a esposa, Teresa Cristina, enrugada e manca. E, do outro lado, a República, constituída por jovens jornalistas e políticos, usineiros e industriais. Era a modernidade contra a tradição. Até aquela época, a velhice não passava de uma condição de algumas poucas pessoas, uma vez que a mortalidade era muita alta e a esperança de vida, baixa: menos de quarenta anos em 1930, e cinquenta anos em 1950.



Como eram as velhas? Memorialistas como Júlio Bello viam na chegada dos 40 anos os sinais da tristeza mais profunda, da velhice mais doída. Dos engenhos nordestinos onde cresceu, o escritor guardava a lembrança de tias metidas na “disciplina dos conventos”, “senhoras sem alegrias, que nunca foram moças com as ilusões e os prazeres da juventude”. Se casadas, murchavam logo por conta dos partos sucessivos. Aos vinte anos eram “matronas veneráveis”, conta. Se solteironas, viravam “maracujá de gaveta”; secas. Assim como a “tia Cândida: [...] severa, rígida, autoritária, intolerante, cheia de excessivos melindres e implicâncias quanto à decência e à moralidade de sua casa, de sua família, de seus escravos e dependentes”.



Graciliano Ramos, em relato sobre sua infância, também dá notícia de uma avó: “grave, ossuda, tinha protuberâncias na testa e bugalhos severos. Anos depois contou-me desgostos íntimos: o marido, ciumento, afligira-a demais. Só aí me inteirei de que ela havia sofrido e era boa, mas na época do ciúme e da tortura não lhe notei a bondade”.



E de uma negra, egressa da senzala, imagem de uma velhice sem paz. Geniosa e temida pelo temperamento forte, “andava cambaleando”, mas fazia “trabalhos duros de homem”. No dia a dia, “zangava-se facilmente e endireitando o busto franzino de virgem murcha, uma coragem feroz, a sacudi-la, despia a subserviência hereditária. E rugia: a escravidão era coisa do passado. Morreu como viveu: trabalhando”, relata o escritor. “[...] de supetão, vomitando sangue debaixo do jirau onde se acumulavam frigideiras, mochilas de sal, réstias de alho.”



O retrato da velhice feminina varia segundo diferentes camadas sociais. Quem pode pagar o home care, a acompanhante, o massagista, remédios e ter um seguro saúde eficiente tem velhice mais cuidada. Bem diversa é a velhice da mulher dependente e sem recursos.

Mudou também a maneira de falar em envelhecimento. Nos anos 1970, Carmem da Silva perguntava-se sobre como enfrentar a nova fase da vida, então chamada “idade madura”, a “antessala da velhice”: “E quando a gente menos espera, completou 40 anos. Pensando bem, ninguém teria de surpreender-se com isso: já se sabe que o tempo passa. O tempo passa? [...] E quando chega a idade madura, a gente se recusa a crer: ah, esses anos traiçoeiros, sorrateiros, que foram se empilhando sem que a gente se quer percebesse: quarenta, eu não tinha me dado conta que eram tantos assim!”.



E recomendava um “exame sereno, livre de preconceitos”. Recomendava pensar, não no que a vida tirou, mas naquilo que ela ofereceu. Positiva, aconselhava: “sempre existe a possibilidade de compensar falhas e déficits daqui para frente”. O importante era acomodar-se à meia-idade sem angústias artificiais. Era preciso reconhecer alguns limites. Ninguém acordava mais “fresca como uma alface”. As “extravagâncias amarfanhavam o rosto e amorteciam o olhar”. Mas uma mulher saudável podia realizar muitas proezas, mesmo sabendo que a “fonte não era inesgotável”. O importante era não valorizar excessivamente as perdas da beleza física: “A cútis já não pode enfrentar sem cosméticos a crua luz do dia, o contorno do rosto vai perdendo a nitidez, as pálpebras começam a se empapuçar, o busto a cair, a cintura a espessar-se; o que era suave arredondamento torna-se compacto, o que era esguio vai se tornando anguloso. A modificação é tão lenta que a própria interessada nem nota”.



É preciso o comentário maldoso de uma amiga ou a franqueza de alguém simplório, como uma doméstica, para encarar a realidade, conta-nos Carmem: “A senhora deve ter sido muito bonita no seu tempo”! Mas a jornalista não desistia. Animava as leitoras. O importante era ter segurança, amor no coração, buscar o equilíbrio:



É no terreno psíquico e mental que se manifestam os saldos positivos da idade. Aos quarenta anos bem vividos já não têm lugar os passos em falso, a desorientação sobre a própria personalidade, a confusão sobre o papel que nos cabe desempenhar no mundo. A mulher quarentona que não tenha permanecido imatura já superou inibições, receios e constrangimentos, sente o solo firme sob os pés e a tranquila certeza de haver no universo um lugar que ela conquistou e que só a ela pertence [...] sabe que não foi amada como uma linda boneca, mas como uma pessoa singular, condição que os anos, em vez de roubar, reafirmam e acentuam. Mereceu seus quarenta anos e saberá vivê-los como prêmios e não como maldição.





“Segredo indecente do qual se fala com vergonha”, definiu a escritora Simone de Beauvoir, a velhice representa ao mesmo tempo o sucesso da medicina, capaz de prolongar vidas, mas também seu fracasso, pois não consegue deter o quinhão de dependência e sofrimento que chega com ela.

  (“Histórias e Conversas de Mulher”).

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