quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Alguns Apontamentos Sobre a Literatura Brasileira Contemporânea


O escritor Luiz Ruffato* faz extenso panorama sobre a literatura brasileira, desde os primórdios até a geração atual, com foco especialmente na geração 90 e no século XXI. Confira:

OS PRIMÓRDIOS

Embora caudatária da literatura portuguesa, desde cedo a paisagem e uma maneira diferente de modular a língua conformaram a mentalidade brasileira, que logo se manifestou em expressão literária autônoma. Ao contrário de Portugal, cujas fronteiras se consolidaram ainda no Século XIII, encapsulando de certo modo o povo e seu idioma, o Brasil, colonizado a partir de 1500, recebeu vagas e vagas de influências estrangeiras. As primeiras, dos povos autóctones, que formavam inúmeras etnias, seguida dos africanos, trazidos como escravos para o trabalho forçado na lavoura e no serviço doméstico. O contato entre a cultura européia e as culturas indígena e africana (banto e iorubá, principalmente) produziu uma nova visão de mundo, exigindo formas singulares de representação artística[i].

Podemos recuar ao Século XVII a existência de uma literatura de viés nacional, ou seja, que aproveita temas e situações locais e já conta com um olhar reconhecidamente brasileiro, com destaque para o poeta Gregório de Matos[ii]. Alcunhado de “Boca do Inferno”, por seus poemas satíricos, denunciou os vícios da colônia[iii], condenando os que aqui desembarcavam apenas para explorar a terra: “Esta mãe universal / esta célebre Bahia / que a seus peitos toma, e cria, / os que enjeita Portugal.”

No Século XVIII, a literatura brasileira começa a despontar como ramo independente da portuguesa. O alemão Friedrich Bouterwek, no quarto tomo de sua monumental Geschichte der Poesie und Beredsamkeit seit dem Ende dês 13s. Jahrhunderts (História da Poesia e da Eloqüência desde o fim do século XIII), intitulado Geschichte der Portugiesischen Poesie und Beredsamkeit (História da Poesia e da Eloqüência Portuguesa), publicado em 1805, demonstra enorme entusiasmo pela obra de Claudio Manoel da Costa[iv] morto menos de 20 anos antes. Afirma Bouterwek, entre inúmeros outros elogios: “(…) nenhum português, nos últimos cem anos, conseguira escrever sonetos com os de [do brasileiro] Da Costa (…)”; “(…) os sonetos de Da Costa possuem rara expressividade e naturalidade poética, sem quaisquer exageros e enfeites extravagantes (…) em linguagem tão elegante e sincera, que tais sonetos podem ser considerados os mais perfeitos da literatura portuguesa (…)”[v].

LITERATURA NACIONAL

Parece, no entanto, que podemos situar, longe de qualquer polêmica, o ano de 1836 como o marco fundador da literatura nacional[vi]. Proclamada a Independência em 1822, o Brasil se torna um império, tendo D. Pedro I à frente. Em 1831, ele renuncia, deixando ao filho, D. Pedro II, à época com cinco anos de idade, a sucessão da Coroa. Entre 1831 e 1840, o país é governado por regentes, até ser antecipada a maioridade de D. Pedro II, quando, aos 14 anos, principia seu governo. Este período de turbulências políticas e econômicas estimula fortemente o sentimento autonomista – alimentado ainda pela ideologia do Romantismo europeu, nacionalista e liberal.

É naquela data, 1836, que Gonçalves de Magalhães, recém-chegado da França, lança Suspiros poéticos e Saudades, cujo prefácio é uma espécie de pedra fundamental do movimento romântico brasileiro. No mesmo ano, aliás, junto com Araújo Porto-Alegre e Torres Homem, funda a revista Nictheroy, órgão de divulgação das novas idéias. Sete anos depois, em 1843, é publicado o primeiro romance nacional, O filho do pescador, de Teixeira e Souza.

ALENCAR

“Em fins de 1856 achei-me redator-chefe do Diário do Rio de Janeiro. (…) Ao findar o ano, houve idéia de oferecer aos assinantes da folha um mimo de festa. Saiu um romancete, meu primeiro livro, se tal nome cabe a um folheto de 60 páginas”[vii]. Com o aparecimento de Cinco minutos, seguido, no ano seguinte, de Viuvinha, surge um dos mais importantes nomes da cultura brasileira, José de Alencar. Sozinho, o escritor, morto precocemente aos 48 anos, criou todo um programa literário, que norteou grande parte da produção subseqüente.

No prefácio de Sonhos d’ouro, de 1872, Alencar aponta as diversas direções de sua obra de ficção, que seriam, grosso modo, os caminhos desbravados pela literatura brasileira, posteriormente. Para ele, a literatura nacional não é outra coisa “senão a alma da pátria, que transmigrou para este solo virgem com uma raça ilustre, aqui impregnou-se da seiva americana desta terra que lhe serviu de regaço; e cada dia se enriquece ao contacto de outros povos e ao influxo da civilização”[viii]. Assim, concebe romances que cobrem os diversos momentos da história da jovem nação:

- Iracema é a fase “primitiva”, que evoca “a terra da pátria a mãe fecunda”,

- O Guarani e As minas de prata representam o período “histórico”, “o consórcio do povo invasor com a terra americana”;

- e, no âmbito da “infância de nossa literatura, começada com a independência política”, determina duas estradas largas: tramas rurais, ambientadas em locais “onde não se propaga com rapidez a luz da civilização”, como O tronco do ipê e O Gaúcho; e narrativas urbanas, concebidas a partir da “luta entre o espírito conterrâneo e a invasão estrangeira”, como Diva, Lucíola, A pata da gazela[ix].

Além de indicar as várias possibilidades de construção ficcional, Alencar se preocupou com a edificação de uma língua independente e dessemelhada do idioma da Metrópole. A esse assunto, o escritor dedicou inúmeros opúsculos, meteu-se em diversas e intermináveis polêmicas, com especialistas daquém e dalém mar, enfureceu-se e desgastou-se, defendendo concepções muito avançadas para o seu tempo. Segundo ele, “sendo a língua instrumento do espírito, não pode ficar estacionária quando este se desenvolve. Fora realmente extravagante que um povo adotando novas idéias e costumes, mudando os hábitos e tendências, persistisse em conservar rigorosamente aquele modo de dizer que tinham seus maiores”[x].

O ideário de Alencar frutificaria por largo tempo. É inegável, por exemplo, que suas preocupações com a questão da língua nacional seriam retomadas várias vezes e se transformariam mesmo num dos principais pilares do discurso dos modernistas de 1922. Quando, por exemplo, Mário de Andrade, em 1929, afirma, “o que eu escrevo é língua brasileira pelo simples fato de ser a língua minha, a língua do meu país, a língua que hoje representa no mundo muito mais o Brasil que Portugal”[xi] está repetindo quase ipsis litteris a pregação de Alencar, cinquenta anos antes. Curiosamente, Lima Barreto, que em 1922 rechaçaria o “futurismo” dos modernistas por entender que tratava-se de “brutalidade, grosseria e escatologia”[xii], há anos batia-se pela mesma causa, do abrasileiramento da língua, em seus contos, romances e artigos jornalísticos[xiii].

A literatura programática de Alencar pautaria os autores que se seguiram. O cerne do Indianismo (que ele chamava de “fase primitiva”), uma adaptação da corrente medievalista européia, iria reaparecer, de maneira diversa, mas reconhecível, em pelo três documentos de balizamento modernista: o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de 1924, o Manifesto Antropófago, de 1928, ambos encabeçados por Oswald de Andrade, e o Manifesto Nhengaçu Verde-Amarelo[xiv], de 1929. Cada um à sua maneira pregava uma volta ao primitivismo, os dois primeiros de sentido vanguardista[xv], o último de molde conservador. Além disso, essa mesma diretriz conduz dois longos poemas modernistas, Cobra Norato, de Raul Bopp, e Martim Cererê, de Cassiano Ricardo, além de comparecer, de forma alargada, complexa e sofisticada, no romance de Mário de Andrade, Macunaíma[xvi].

As tramas rurais alencarianas, ambientadas em locais “onde não se propaga com rapidez a luz da civilização”, vão se desdobrar no que se convencionou intitular ‘regionalismo”. Precedido por Bernardo Guimarães (O ermitão de Muquém, O seminarista) e contemporâneo do Visconde de Taunay (Inocência), Alencar teria como grande adversário Franklin Távora, que reivindicava para o “norte” (entendido aqui como norte-nordeste) o caráter infenso às influências estrangeiras e, portanto, mais genuinamente brasileiro[xvii]. Alencar mapeou o Brasil, publicando O gaúcho (extremo-sul), O tronco do ipê (centro) e O sertanejo (nordeste), todos idealizando paisagens, hábitos e costumes. Távora, já contaminado por idéias cientificistas, estudava o homem em seu meio, rude e violento.

O conceito alencariano de um regionalismo amplo (ou seja, abarcando todas as regiões do país) se sobrepôs. Na virada do século, surgiram Simões Lopes Neto no sul, Afonso Arinos e Valdomiro Silveira no centro, Inglês de Souza no norte e Domingos Olímpio e Oliveira Paiva no nordeste. Aliás, será nesta região de Távora, tragicamente marcada por secas sazonais, luta pela terra, fanatismo político e religioso, que logrará com vigor o “regionalismo”, revelando, ao longo da primeira metade do Século XX, alguns dos nossos melhores escritores: Rachel de Queiroz, Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos.

MACHADO DE ASSIS

Já a linhagem dos romances urbanos influenciaria Machado de Assis, cujos primeiros livros são claramente tributários dos “perfis de mulher” alencarianos. Machado de Assis, sem dúvida alguma, um dos maiores escritores de todos os tempos em qualquer língua, reconhece sua dívida para com Alencar: “Todos eles [os homens de seu tempo] influíam profundamente no ânimo juvenil que apenas balbuciava alguma coisa; mas a ação crescente de Alencar dominava as outras. (…) Nenhum escritor teve em mais alto grau a alma brasileira. E não é só porque houvesse tratado assuntos nossos. Há um modo de ver e sentir, que dá a nota íntima da nacionalidade, independente da face externa das coisas”[xviii]. E, após chamá-lo de “gênio”, vaticina a imortalidade do autor.

Proclamado em vida o maior escritor brasileiro, Machado de Assis dominará praticamente sozinho toda a segunda metade do Século XIX. Ao morrer, em 1908, havia legado à literatura nacional uma obra tão singular, que até hoje prossegue inalcançável. Seus romances, particularmente Memórias póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro, e dezenas de seus contos são hoje parte inerente ao patrimônio da Humanidade, pelo grau de complexidade com que retratou o ser humano e pela excelência de sua escrita.

O Rio de Janeiro, capital do país desde 1763, é, nesta quadra, o cenário privilegiado das narrativas urbanas. Desde A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, lançado em 1844, passando por Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, publicado em 1854, pelos “perfis de mulher” alencarianos e pela obra inteira de Machado de Assis e de Julia Lopes de Almeida[xix], a cidade será retratada em todos os seus recantos, incluindo os subúrbios (Lima Barreto, Adelino Magalhães), e em todos os seus aspectos, incluindo as manifestações populares, como o carnaval e as religiões afrobrasileiras (João do Rio). É necessário frisar ainda a importância de dois autores do fim do Século XIX: Aluísio Azevedo (O cortiço, Casa de pensão), que introduz o naturalismo no Brasil, com vastíssima influência na literatura nacional, e Raul Pompéia, que propaga, com O Ateneu, a narrativa de cunho psicológico, de fundo impressionista.

ERA VARGAS

O período compreendido entre 1930 e 1954, que abrange a Era Vargas[xx], é um dos mais conturbados da história brasileira. De um lado, Vargas põe fim aos privilégios das oligarquias agropecuárias, incentiva a industrialização, estabelece uma legislação trabalhista e previdenciária, reorganiza o aparelho do estado, patrocina a educação e a cultura. De outro, governa com mão de ferro, implacável na repressão a constitucionalistas e comunistas, e simpático às idéias fascistas. Curiosamente, este é também um momento de profunda ebulição intelectual.

Jornais e revistas estampavam as polêmicas entre católicos, comunistas, varguistas, fascistas e liberais. Os escritores católicos, identificados em geral com o pensamento do ensaísta Jackson de Figueiredo, discutiam, em seus romances, a crise espiritual do Homem, e acreditavam na religião como solução para os impasses (Lucio Cardoso, Cornélio Penna, Jorge de Lima, Murilo Mendes). Os comunistas, acreditando na revolução como única saída possível, assumiam uma literatura de denúncia social (Jorge Amado, Dalcídio Jurandir[xxi]). Os varguistas, capitaneados por Cassiano Ricardo, que dirigia o jornal “A Manhã”, órgão oficial do Estado Novo, mantinham-se fervorosos nacionalistas[xxii], o que os diferenciava ligeiramente dos fascistas, reunidos em torno de Plínio Salgado, que alinhavam-se com o movimento italiano (o Integralismo era sua versão brasileira). Finalmente, os liberais, embora se opusessem à ditadura, não formavam fileiras nem com os comunistas nem com os fascistas[xxiii].

Data deste momento ainda a dilatação dos cenários urbanos. Se o Rio de Janeiro mantém a supremacia na representação literária (Marques Rebelo, Aníbal Machado), outras cidades também ganham visibilidade: Porto Alegre (Erico Veríssimo, Dyonélio Machado), Belo Horizonte (Cyro dos Anjos, João Alphonsus), Maceió (Graciliano Ramos), Recife (José Lins do Rego), Salvador (Jorge Amado), Fortaleza (Rachel de Queiroz), São Paulo (Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Alcântara Machado).

No final da Era Vargas, o Brasil é um país completamente diferente. Metade da população, que praticamente dobrara (de cerca de 30 milhões para 60 milhões de pessoas), por conta da diminuição da mortalidade infantil e do aumento da expectativa de vida, mora agora nos centros urbanos. A economia se diversificara, com ênfase na criação de uma indústria de base. A derrota do nazifascismo emulara a frágil democracia brasileira e vive-se um momento de euforia. As mulheres conquistam espaço na sociedade: na literatura, despontam Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst. Com Sagarana e Grande sertão: veredas, Guimarães Rosa eleva a ficção de ambientação rural ao seu mais alto padrão, mas praticamente também esgota esse veio[xxiv]. Ariano Suassuna lança A história de amor de Fernando e Isaura, criando um universo particular, a partir do folclore do nordeste, que redundará numa manifestação artística abrangente, o Movimento Armorial[xxv]. Autran Dourado e Otto Lara Resende revelam as mazelas das pequenas cidades do interior. Murilo Rubião, Samuel Rawet, Campos de Carvalho e José J. Veiga abrem novas possibilidades de representação para além do realismo (o fantástico, o absurdo, a alegoria). Na poesia, três grandes correntes convivem: os neoparnasianos, os concretistas e os herdeiros das conquistas do modernismo. É interessante ainda constatar que a Segunda Guerra Mundial encerra o ciclo de influência da cultura francesa no Brasil, dominante até então, substituída, paulatinamente, pela norte-americana.

DITADURA MILITAR

Decorridos, no entanto, menos de duas décadas do fim da ditadura de Getúlio Vargas, outro golpe militar sufoca a nascente democracia. O ritmo de crescimento acelerado do governo Juscelino Kubitschek (“cinqüenta anos em cinco”) põe em marcha um dos maiores movimentos migratórios internos do país (principalmente de mão-de-obra do Nordeste e Minas Gerais para a nascente indústria de São Paulo). A mudança da capital para Brasília provocou um esvaziamento abrupto da importância econômica do Rio de Janeiro e causou um desequilíbrio brutal no orçamento do estado. No começo dos anos 1960, descontentes, os trabalhadores tomam as ruas, apoiados por estudantes, professores e intelectuais, reivindicando amplas mudanças estruturais – no campo, a luta é pela reforma agrária. Em 1964, amparados por setores conservadores da sociedade civil, e patrocinados pelos Estados Unidos, os militares tomam à força o poder, instaurando um governo autoritário, cujo saldo é a morte e desaparecimento de milhares de pessoas, a desorganização da economia, o desmantelamento dos setores de saúde e educação, o aprofundamento do abismo social, a corrupção.

Esse novo país, essencialmente urbano e caótico, vai estar presente cada vez mais nas páginas da literatura. Rubem Fonseca (Juiz de Fora, MG, 1925) (O homem de fevereiro ou março, Feliz Ano Novo) retrata um Rio de Janeiro violento, com uma classe média acuada em seus apartamentos, mas ao mesmo tempo fascinada pelos bandidos que descem das favelas. Dalton Trevisan (Curitiba, PR, 1925) (Novelas nada exemplares, O vampiro de Curitiba) expõe as taras e idiossincrasias da vida doméstica provinciana. Marcos Rey (São Paulo, SP, 1925-1999) (O enterro da cafetina, O pêndulo da noite) acompanha a vida de desempregados e marginalizados em São Paulo. E João Antonio (São Paulo, SP, 1937-1996) (Malagueta, Perus e Bacanaço, Leão de chácara) cria toda uma galeria de personagens pertencentes à “ralé da sociedade”, como ele mesmo definia: mendigos, jogadores, traficantes, biscateiros, prostitutas, crianças de rua. Destoando da hegemonia realista, Nélida Piñon (Rio de Janeiro, RJ, 1937) opta por uma obra introspectiva e altamente simbólica (Guia-mapa de Gabriel Arcanjo, Tempo das frutas).

Em 1968, a ditadura recrudesce. A perseguição a esquerdistas e liberais leva muitos ao exílio, outros à tortura nas prisões, milhares à morte. A censura fecha jornais e revistas, cala intelectuais, silencia a sociedade. Maquiando números e alimentando o discurso do “milagre econômico”, o agravamento da desagregação social é disfarçado. Por volta de 1972 surgem no Rio de Janeiro, espalhando-se rapidamente por todo o Brasil, as primeiras manifestações da chamada “geração mimeógrafo”, que, publicando livretos produzidos de forma artesanal (de poesia, principalmente), subverte o mercado editorial, burlando, ao mesmo tempo, a censura oficial e as dificuldades de atingir o leitor, já que, vendida de mão em mão, utilizava uma linguagem coloquial bastante acessível[xxvi].

GERAÇÃO 70

A partir de 1974, entusiasmados com os sinais de uma “abertura lenta, gradual e segura”, surgem inúmeros jornais alternativos de circulação nacional (Opinião, Pasquim, Versus, Coojornal, Movimento, Em Tempo), alguns dedicados a nichos específicos, como a afirmação homossexual (Lampião da esquina, Chana com chana) ou racial[xxvii] (Jornegro), além de revistas dedicadas exclusivamente à literatura (Ficção, José, Escrita, Inéditos, O Saco). A ficção vive, então, o chamado “boom da década de 70”: uma enorme e diversificada produção de qualidade[xxviii]. Roberto Drummond (Ferros, MG, 1933-2002) (A morte de D.J. em Paris, O dia em que Ernest Hemingway morreu crucificado), Ignácio de Loyola Brandão (Araraquara, SP, 1936) (Zero, Cadeiras proibidas), Ivan Angelo (Barbacena, MG, 1936) (A festa, A Casa de Vidro), Sergio Sant’Anna (Rio de Janeiro, RJ, 1941) (Notas de Manfredo Rangel, repórter, Confissões de Ralfo), João Ubaldo Ribeiro (Itaparica, BA, 1941) (Sargento Getúlio,Vencecavalo e o outro povo) e Márcio Souza (Manaus, AM, 1946) (Galvez, Imperador do Acre) propõem uma reflexão política, utilizando um ousado caminho experimentalista[xxix].

Antônio Torres (Sátiro Dias, BA, 1940), em Essa terra, descortina os grotões da Bahia, e, com seus contos, Sergio Faraco (Alegrete, RS, 1940) fará o mesmo em relação ao Rio Grande do Sul e Domingos Pellegrini (Londrina, PR, 1949) ao norte do Paraná. Oswaldo França Jr (Serro, MG, 1936-1989) e Roniwalter Jatobá (Campanário, MG, 1949) retratam o universo do trabalho (caminhoneiros, mecânicos, aviadores, vendedores, aquele; operários, este). Enquanto Moacyr Scliar (Porto Alegre, RS, 1937-2011) exibe os absurdos presentes no cotidiano, Luiz Vilela (Ituiutaba, MG, 1942) e Jaime Prado Gouvêa (Belo Horizonte, MG, 1945) perscrutam a solidão do indivíduo na cidade. Márcia Denser (São Paulo, SP, 1949) explora os embates da nova mulher emancipada e Caio Fernando Abreu (Santiago, RS, 1948-1996) questiona os limites mesmos da sexualidade. E se Wander Piroli (Belo Horizonte, MG, 1931-2006) busca a objetividade e a linguagem coloquial para fixar tipos marginais de Belo Horizonte, Raduan Nassar (Pindorama, SP, 1935) mergulha na subjetividade estilizada para discutir as relações intrafamiliares (Lavoura arcaica) e a incomunicabilidade nas relações amorosas (Um copo de cólera).

São da década de 1970 ainda as primeiras tentativas sérias de valorização e profissionalização do escritor – até então, a maioria absoluta desenvolvia uma carreira paralela, em geral ligada ao jornalismo ou ao funcionalismo público[xxx]. João Antônio, Oswaldo França Jr, Ignácio de Loyola Brandão, Antonio Torres, Marcio Souza, entre outros, põem o pé na estrada e cortam o Brasil de norte a sul divulgando seus livros em disputadas tardes e noites de autógrafos, em escolas, teatros, praças públicas. A União Brasileira dos Escritores, criada em 1958, com sede em São Paulo, volta a ter visibilidade. No Rio de Janeiro organiza-se um atuante sindicato e associações profissionais pipocam pelo país. A mobilização é contra a censura[xxxi], pelos direitos autorais[xxxii] e pela divulgação da literatura brasileira no exterior. Todo este esforço, no entanto, naufraga diante da crise econômica da década seguinte.

A ‘DÉCADA PERDIDA’

No final dos anos de 1970, a ditadura militar entra em agonia. Em 1978, o governo Geisel decreta o fim do estado de exceção, abrindo caminho para a redemocratização. No ano seguinte, são aprovadas as leis que instituem a anistia e o pluripartidarismo. Em 1984, o país inteiro se mobiliza na campanha pelas Diretas-Já, mas a emenda não passa no Congresso Nacional. Tancredo Neves, o candidato da oposição, vence a eleição indireta, mas morre antes de tomar posse, assumindo seu vice, José Sarney. Os anos 1980 ficarão conhecidos como a “década perdida”: inflação descontrolada, retração industrial, estagnação econômica, desemprego alto, aumento da dívida externa, déficit fiscal. O movimento sindical, que renascera em fins da década de 1970, se fortalece e dá origem a uma agremiação política, o Partido dos Trabalhadores, que será fundamental para os rumos que o país tomará duas década depois.

No âmbito da literatura, apesar de a crise econômica ter quase inviabilizado o mercado editorial (muitas editoras faliram) e gerado uma estagnação do cenário cultural, alguns importantes nomes foram revelados. E se os anos 1970 foram domínio dos contistas, nos anos 1980 os romancistas reinarão absolutos. Raimundo Carrero (Salgueiro, PE, 1947), cuja estréia ocorre em 1975 com A história de Bernarda Soledade – A tigre do sertão, publica, a partir de 1981, mais 16 romances, com destaque para Sombra severa, As sombrias ruínas da alma e Minha alma é irmã de Deus. Cristovão Tezza (Lages, SC, 1952) lança em 1979 Gran Circo das Américas, seguido de outros 16 títulos, entre eles O fotógrafo, O fantasma da infância e O filho eterno, seu maior sucesso de público e de crítica. Frei Betto (Carlos Alberto Libânio Christo, Belo Horizonte, 1944), autor de mais de 50 títulos, entre religião, política, memórias, literatura infantil e juvenil, estreou na ficção em 1979 com o livro de contos A vida suspeita do subversivo Raul Parela[xxxiii], ao qual se seguiram seis romances e mais uma coletânea de contos, Treze contos diabólicos e um angélico.

É de 1980 a aparição de João Gilberto Noll (Porto Alegre, RS, 1946), com a coletânea de contos O cego e a dançarina, acompanhado de mais 15 livros, entre outros, A fúria do corpo e Lorde. Reinaldo Moraes (São Paulo, 1950), após retumbante sucesso com Tanto faz, de 1981, e Abacaxi, de 1986, somente reaparece em 2009, com Pornopopéia. Também de 1981, A região submersa marca o início da carreira de Tabajara Ruas (Uruguaiana, RS, 1942), que publicaria mais sete romances, entre eles Perseguição e cerco a Juvêncio Gutierrez e O fascínio. No mesmo ano, Marilene Felinto (Recife, PE, 1957) lança os contos de As mulheres de Tijucopaco, seguido de O lago encantado de Grogonzo e Postcard, e Valêncio Xavier (Curitiba, PR, 1933-2008) inicia com O mês da grippe uma obra radicalmente experimental, unindo texto e imagem para expressar os impasses da linguagem (Minha mãe morrendo e O menino mentido, Crimes à moda antiga). Também moradores de Curitiba e também produzindo uma literatura experimental, Manoel Carlos Karam (Rio do Sul, SC, 1947-2007) publica em 1985 Fontes murmurantes, a que se seguiram sete outros livros, entre eles, Comendo bolacha Maria no Dia de São Nunca e o póstumo Jornal da guerra contra os taedos, enquanto Jamil Snege (Curitiba, PR, 1939-2003) lança, entre outros, O jardim, a tempestade, Como eu se fiz por si mesmo e Os verões da Grande Leitoa Branca.

Em 1986, surge Rubens Figueiredo (Rio de Janeiro, RJ, 1956) com O mistério da samambaia bailarina – o autor lançará três romances e três coletâneas de contos até O passageiro do fim do dia, que, em 2010, o consagra em definitivo junto à crítica. Também de 1986 é Bolero’s Bar, de Wilson Bueno (Jaguapitã, PR, 1949-2010), que revelava um autor eclético, interessado em parodiar os mais diversos estilos, como em Mar paraguayo, escrito em portunhol[xxxiv], Meu tio Roseno, a cavalo, à maneira das narrativas de cavalaria, e Amar-te a ti nem sei se com carícias, um romance “do Século XIX”.

Idéias para onde passar o fim do mundo inaugura, em 1987, a pentalogia de João Almino (Mossoró, RN, 1950) dedicada a mapear Brasília, a complexa capital do Brasil. Na seqüência foram lançados: Samba-enredo, As cinco estações do amor, O livro das emoções e Cidade livre. Elvira Vigna (Rio de Janeiro, RJ, 1947) publica em 1988 Sete anos e um dia, dando início a uma obra que, acidamente, questiona os valores da classe média. Entre seus outros romances destacam-se Coisas que os homens não entendem e Nada a dizer. Ao findar a década, 1989, estréia Ronaldo Correia de Brito (Saboeiro, CE, 1950), com a coletânea de contos Três histórias na noite, seguida de As noites e os dias. A partir do lançamento de Faca, em 2003, Correia de Brito ganha projeção nacional, com uma prosa que revela o conflito entre um Brasil pós-rural e pós-urbano, entre mentalidades que embora globalizadas, permanecem enterradas na semiaridez do sertão (Livro dos Homens, Galiléia, Retratos imorais). Em 1989, Milton Hatoum (Manaus, AM, 1952) publica Relato de um certo Oriente. Somente 11 anos mais tarde aparece Dois irmãos, que logo o projeta como um dos mais traduzidos autores brasileiros contemporâneos. Na seqüência, vieram outros dois romances, Cinzas do norte e Órfãos do Eldorado, e uma coletânea de contos, A cidade ilhada. Em todos os livros, entrecruzam-se histórias pessoais com a história do país, tendo a Amazônia como cenário e as relações familiares não resolvidas como leitmotiv.

Vale lembrar ainda dois nomes, que têm em comum a preocupação com o resgate da história do Brasil, embora utilizando estratégias completamente diferentes: Luiz Antônio de Assis Brasil (Porto Alegre, RS, 1945) busca refletir sobre a formação da nação a partir de sua consolidação no extremo sul do país (As virtudes da casa, Videiras de cristal, O pintor de retratos), e Ana Miranda (Fortaleza, CE, 1951), por meio de biografias romanceadas, oferece uma leitura do passado nacional (Boca do Inferno, A última quimera, Dias & Dias).

OS ANOS 90

Ninguém imaginaria, no começo dos anos 1990, que aquela seria a década de transição de um país assolado por crises institucionais (o presidente Fernando Collor, na iminência de sofrer um impeachment, renuncia ao cargo em 1992) e econômicas (hiperinflação, confisco) para um país democrático, com uma economia estável, diversificada e dinâmica. O mercado editorial, devagar, retoma as apostas em autores nacionais, que voltam a atrair, ainda que timidamente, a simpatia do público. E o conto, pouco a pouco, ganha espaço, dividindo eqüitativamente com o romance a preferência de escritores e leitores.

A publicação da antologia Geração 90 – Manuscritos de computador, organizada por Nelson de Oliveira[xxxv], se tornará um marco não só do lançamento de uma jovem geração de escritores, mas talvez principalmente de uma nova postura dos autores em relação ao mercado editorial. Acentua-se uma tendência que vinha da década de 1970, de ausência de movimentos, correntes ou filiações estéticas: cada um é sua própria escola[xxxvi]. A paisagem urbana torna-se hegemônica[xxxvii] e abarca agora quase todas as regiões do país, embora Rio de Janeiro e São Paulo ainda se sobreponham como cenário privilegiado. Evidencia-se ainda a ampliação do espaço das mulheres no campo literário, não só como escritoras, mas também como profissionais nas casas editoriais[xxxviii].

O surgimento de Fernando Bonassi (São Paulo, SP, 1962) em 1989, com o livro de contos O amor em chamas, revelaria um autor prolífico, com interesses bastante variados, mas preocupado primordialmente em retratar a vida miúda dos moradores do subúrbio (título, aliás, de um romance seu lançado em 1994), os traumas decorrentes da ditadura (O céu e o fundo do mar, O menino que se trancou na geladeira) e a vida dos excluídos da sociedade (100 histórias colhidas na rua). Vindo da poesia marginal, Sergio Fantini (Belo Horizonte, MG, 1961) estréia em 1991 na prosa de ficção com a novela Diz xis, mantendo-se fiel às edições alternativas (ele sempre se recusou a publicar por editoras comerciais). Seus livros (Cada um cada um, A ponto de explodir, Silas) mostram um autor obcecado em recriar uma linguagem capaz de dar conta de suas histórias de violência e solidão.

Com a publicação de As fomes de setembro, em 1991, seguida de outras três coletâneas (Miss Danúbio, O amor e outros objetos pontiagudos e Faroestes), Marçal Aquino (Amparo, SP, 1958) especializa-se em descrever personagens empurrados para o limiar da marginalidade, vivendo em não-lugares (em geral, pontos de passagem, onde são reconhecíveis as marcas da civilização, mas não as forças que a ordenam). Esse mesmo procedimento verifica-se em seus romances, O invasor, Cabeça a prêmio e Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios, quando, apropriando-se da linguagem dos romances policiais (o coloquial, a ironia), constrói complexas histórias que abordam uma realidade em frangalhos (corrupção política e policial, amores fracassados, culpas).

Provocou alguma surpresa quando Chico Buarque (Rio de Janeiro, 1944), conhecidíssimo compositor de música popular desde a década de 1960, lançou-se na literatura, em 1991. Na verdade, seu interesse pela prosa de ficção já transparecia nas incursões pelo teatro (Roda viva, 1968; Calabar, 1973; Gota d’água, 1975; Ópera do Malandro, 1978; e O grande circo místico, 2003[xxxix]) e mesmo na novela orwelliana, Fazenda modelo, de 1974, uma fábula sobre a ditadura militar[xl]. Seus três primeiros romances, Estorvo, Benjamin e Budapeste, desenvolvem situações kafkianas, quando um fato absolutamente ordinário desencadeia uma série de desencontros e estranhamentos. Já Leite derramado, publicado em 2009, retoma uma narrativa mais tradicional, apresentando a confissão de um velho membro da classe dirigente brasileira, cuja história pessoal se confunde com a própria história do país.

Começando com um livro de contos, Aberração, de 1993, Bernardo Carvalho (Rio de Janeiro, RJ, 1960) principia uma exitosa carreira literária, cuja característica essencial, a ambigüidade da narrativa, coloca em xeque a veracidade dos próprios fatos narrados, num jogo que visa adiar o desvelamento de traumas inconfessáveis. Um dos mais conhecidos escritores brasileiros contemporâneos no exterior, Carvalho lançou nove romances, com destaque para Nove noites (onde a tentativa de desvendar as causas do suicídio de um antropólogo norte-americano no Brasil apagam as fronteiras entre ficção e realidade) e O filho da mãe (que, com sua multiplicidade de pontos de vista e de espaços geográficos, empreende uma análise do desamparo dos tempos atuais). Também em 1993, Rodrigo Lacerda (Rio de Janeiro, RJ, 1969) lança o romance O mistério do Leão Rampante, cuja trama burlesca, transcorrida na Inglaterra do Século XVII, imediatamente o consagra. O livro seguinte, A dinâmica das larvas, mantém o tom de farsa para abordar o mercado editorial brasileiro. Já em Vista do Rio e Outra vida, Lacerda oferece uma dolorosa reflexão sobre vidas que se descarrilham.

Hotel Solidão, publicado em 1994, resume no título a temática de João Anzanello Carrascoza (Cravinhos, SP, 1962): por mais que estejamos próximos fisicamente, permanecemos mergulhados numa imensa solidão. Essencialmente contista (O vaso azul, Dias raros, O volume do silêncio, Espinhos e alfinetes, Aquela água toda), Carrascoza recupera e aprofunda a narrativa lírica, em geral situando-a no território movediço da infância. Também fundamentalmente adepto da narrativa breve, Amilcar Bettega Barbosa (São Gabriel, RS, 1964) lança, no mesmo ano, O vôo do trapezista, seguido de Deixe o quarto como está e Os lados do círculo, contos que, no conjunto, tangem ao fantástico, prenhes de melancolia. Transcorrerão 18 anos entre o primeiro livro de Flávio Carneiro (Goiânia, GO, 1962), a coletânea de contos Da matriz ao beco e depois, e o início de sua Trilogia do Rio de Janeiro, em que experimenta formas narrativas diversas em cada um dos volumes: o discurso policial em O campeonato, o horror, o fantástico em A confissão, a ficção científica em A ilha. 1994 ainda é o ano de estréia de Patrícia Melo (Assis, SP, 1962), com Acqua Toffana, ao qual se seguirão outros dez romances, todos dedicados a estudar as raízes da violência e da criminalidade do Brasil pós-ditadura (O matador, Elogio da mentira, Inferno, Valsa negra, entre outros).

Em 1995, Livia Garcia-Roza (Rio de Janeiro, RJ) publica Quarto de menina, romance que conquista leitores jovens e adultos por seu profundo conhecimento dos recônditos da alma humana. Sua obra se compõe de narrativas longas (Meus queridos estranhos, Cine Odeon, O sonho de Matilde) e curtas (Restou o cão, A cara da mãe). No ano seguinte, seu marido, Luiz Alfredo Garcia-Roza (Rio de Janeiro, RJ, 1936) abandona uma sólida trajetória de psicanalista (mesma profissão da mulher) para se dedicar à construção de uma carreira de escritor de romances policiais, gênero que não havia até então alcançado reconhecimento da crítica no Brasil[xli]. Garcia-Roza dá vida ao carismático detetive Espinosa, protagonista de suas histórias (O silêncio da chuva, Perseguido, Na multidão, entre outros), que, com erudição e sensibilidade, tentar resolver casos envolvendo dramas humanos passados na Zona Sul do Rio de Janeiro. Já Bellini é o detetive de outro cultor do gênero policial, Tony Bellotto (São Paulo, SP, 1960), que estréia em 1995: Bellini e a esfinge, Bellini e os demônios e Bellini e os espíritos.

Em 1996, Cintia Moscovich(Porto Alegre, RS, 1958) publica O reino das cebolas, livro que já aponta os temas que se desdobrarão em seus outros cinco títulos (três de contos, Anotações durante o incêndio e A arquitetura do arco-íris, Essa coisa brilhante que é a chuva e dois romances, Duas iguais e Por que sou gorda, mamãe?): o universo familiar de classe média, a questão judaica, as angústias da rotina cotidiana. No mesmo ano, Adriana Lunardi (Xaxim, SC, 1964) lança As meninas da Torre Helsinqui, contos, seguido de Vésperas, que recria com sensibilidade o dia anterior à morte de nove escritoras (Virginia Woolf, Dorothy Parker, Clarice Lispector, entre outras), livro que a projetou internacionalmente. Esse mesmo registro, de uma escrita sofisticada e internalizada, conduz seus dois romances,Corpo estranho e A vendedora de fósforos.

1997 é o ano de lançamento de Cidade de Deus, de Paulo Lins (Rio de Janeiro, RJ, 1958), romance que pela primeira vez mostra a violência e a opressão numa comunidade pobre a partir de um ponto de vista interno, e que imediatamente conquistou sucesso de crítica e de público, no Brasil e no exterior. O livro aborda a transformação da favela, com seus malandros e criminosos eventuais, em território do narcotráfico, com seus bandidos violentíssimos e suas cruéis leis particulares. A visibilidade alcançada por Paulo Lins, nascido e criado na Cidade de Deus, conjunto habitacional no Rio de Janeiro que se tornou uma das maiores favelas do Brasil, incentivou outros autores de comunidades miseráveis das periferias das grandes cidades a olhar à volta e assumir o discurso narrativo sobre suas realidades.

Um dos raros autores contemporâneos a afastar-se da corrente realista, Nelson de Oliveira[xlii] (Guaíra, SP, 1966) publica em 1997 Os saltitantes seres da lua, a que se seguem várias outras coletâneas de contos (com destaque para Naquela época tínhamos um gato e Algum lugar em parte alguma) e cinco romances (com destaque para Subsolo infinito e Poeira: demônios & maldições), que perseguem a concepção de mundos distópicos, em tramas de fundo absurdo. No mesmo ano, Ivana Arruda Leite (Araçatuba, SP, 1951) lança Histórias da mulher do fim do século, cujo título resume a sua obra posterior: Falo de mulher e Ao homem que não me quis, contos, e Eu te darei o céu – e outras promessas dos anos 60 e Hotel Novo Mundo, romances. Alberto Mussa (Rio de Janeiro, RJ, 1961) publica Elegbara, contos que recriam, por meio da fusão de história, ficção e mito, a formação multicultural brasileira. Para construir sua obra (O trono da Rainha Jinga, O enigma de Qaf, O movimento pendular e O senhor do lado esquerdo), Mussa mistura os gêneros (histórico, policial, ensaístico) não como paráfrase, mas como reinvenção.

Já em 1998, André Sant’Anna (Belo Horizonte, MG, 1964) lança Amor, que, por meio da paródia, cria uma narrativa hiperrealista, debochada e irreverente para desmascarar as falsidades de um mundo de aparências e conveniências (Sexo, Amor e outras histórias, O paraíso é bem bacana, Inverdades). No mesmo ano, Marcelo Mirisola (São Paulo, SP, 1966) estréia com os contos de Fátima fez os pés para mostrar na choperia. O autor fará uso da autoficção para construir uma narrativa insolente e cínica (O herói devolvido, O azul do filho morto, Charque), que tudo julga e condena. Ainda de 1998 é Carreiras cortadas, de Bernardo Ajzenberg (São Paulo, SP, 1959), um autor que expõe sutilmente o beco sem saída das relações afetivas da classe média, tema que marca toda a sua obra, formada por outros cinco romances (Efeito suspensório, Goldstein & Camargo, Variações Goldman, A gaiola de Faraday e Olhos secos), além de um livro de contos (Homens com mulheres). Também em 1998, Tércia Montenegro (Fortaleza, CE, 1976), publica O vendedor de Judas, histórias curtas que revelam com crueza a vida numa metrópole nordestina, seguida de outras três coletâneas, Linha férrea e O resto de teu corpo no aquário e O tempo em estado sólido.

No último ano do Século XX, aparecem Menalton Braff[xliii] (Taquara, RS, 1938), Adriana Lisboa (Rio de Janeiro, RJ, 1970) e Altair Martins (Porto Alegre, RS, 1975). Braff trilha o caminho da narrativa psicológica, numa escrita suave que desvela aos poucos os subterrâneos das relações humanas, em duas coletâneas de contos (A sombra do cipreste e A coleira no pescoço) e oito romances (Que enchente me carrega?, Castelos de papel, Na teia do sol, Amuralha de Adriano, Moça com chapéu de palha, Bolero de Ravel, Tapete de silêncio e O casarão da Rua do Rosário). Já Adriana Lisboa forma, com Milton Hatoum, Bernardo Carvalho e Paulo Lins, o grupo dos mais respeitados, estudados e traduzidos escritores brasileiros contemporâneos. Adriana estreou com Os fios da memória, logo seguido por Sinfonia em branco, Um beijo de colombina, Rakushisha, Azul-corvo e Hanói, romances, e Caligrafias, contos – nos quais persegue a “beleza gloriosa de quase nada”. A prosa de Adriana Lisboa, encharcada de poesia, trafega entre fiapos de enredos, construídos como pequenas peças de tapeçaria, com seus aparentemente frágeis desenhos, amarrados, no entanto, em incorruptíveis urdiduras. Azul-corvo explicita as preocupações da autora em lidar com personagens desenraizados, que esquadrinham o passado visando a legitimação do presente, e que terminam, na verdade, reconstruindo suas destinações. Altair Martins publicou quatro livros de contos (Como se moesse ferro, Se choverem pássaros, Dentro do olho dentro e Enquanto água) e um romance, A parede no escuro. Em todos, a presença da linguagem poética como mediadora entre homens e mulheres consumidos pelas dores de uma existência frágil.

SÉCULO XXI

Ao final do conturbado governo de Fernando Collor, marcado pela inflação, corrupção e crise das instituições, assume o vice-presidente eleito, Itamar Franco, em dezembro de 1992. Em seu breve mandato, o país inicia um longo período de estabilidade política e econômica, impulsionado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e coroado com as eleições de Luiz Ignácio Lula da Silva (2003-2010), um operário saído do movimento sindical, e Dilma Rousseff (2011-2014), economista, ex-guerrilheira, primeira mulher a assumir a presidência do país. O fortalecimento da democracia e o protagonismo econômico do Brasil solidificaram as bases do mercado editorial, criando, pela primeira vez, um ambiente propício à profissionalização do escritor.

Em 2003, acontece a primeira Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que, com a visibilidade alcançada, estimula a criação de outros inúmeros eventos semelhantes por todos os cantos do país – no início dos anos 2010, serão quase 100 festivais, feiras e encontros anuais[xliv]. Também em 2003, ocorre a primeira edição do Prêmio Portugal Telecom, que movimenta financeiramente o cenário literário, gratificando com boas somas de dinheiro os autores dos melhores livros do ano – na seqüência, com a mesma finalidade, surgem os prêmios Minas Gerais de Literatura, em 2007, e São Paulo de Literatura, em 2008, os dois mantidos pelos respectivos governos estaduais[xlv].

Há de se destacar ainda a importância da Lei Rouanet, promulgada em 1991, que, embora ainda hoje suscite polêmicas, dinamizou a paisagem cultural, incentivando empresas privadas e pessoas físicas a destinar parte do Imposto de Renda devido ao patrocínio de atividades artísticas[xlvi]. Relevantes também as ações patrocinadas pelas seções regionais do Serviço Social do Comércio (Sesc) e o programa Viagem Literária, promovido pelo governo de São Paulo, que objetivam, ambos, incentivar a presença dos escritores nas bibliotecas públicas.

O governo federal, e em menor escala algumas administrações estaduais e municipais, passaram a destinar verbas exclusivas para a compra de livros para as bibliotecas públicas e escolares, tornando o mercado editorial brasileiro financeiramente interessante – em 2010 foram movimentados R$ 4,5 bilhões (cerca de US$ 2,5 bilhões), sendo que 35% deste total representam compras governamentais. Com isso, a partir de 1999, grandes conglomerados europeus passaram a adquirir editoras nacionais, criando megaempresas, que, no afã de otimizar a competitividade, disputam os autores para formação de seus catálogos.

Por outro lado, curiosamente, aumenta o número de pequenas e médias editoras comerciais e o sistema de autopublicação e de edições em cooperativa é impulsionado. O interesse renovado pela literatura parece estar ligado, de um lado, à ampliação do poder aquisitivo da população em geral (que pode, então, dispor de parte do orçamento para a compra de livros, artigo ainda caro no Brasil), e, de outro, ao fenômeno da internet, que, por suas características intrínsecas, exige um mínimo de letramento do usuário[xlvii]. Assim, os blogues, surgidos no Brasil a partir do final do Século XX[xlviii], revelam novos autores que, após uma espécie de estágio no mundo virtual, migram para editoras comerciais. Os blogues são também responsáveis pela renovação do gênero conto (a narrativa curta é a que melhor se adequa ao espaço cibernético), gerando subprodutos, como o miniconto e o microconto. Uma última constatação: o acesso à internet democratizou a produção e o consumo da manifestação escrita, o que impeliu o aparecimento, com força, de autores das periferias das grandes cidades, em geral ligados ao hip hop, aglomerados num movimento autointitulado “literatura marginal”[xlix].

Nome mais conhecido desse movimento, Ferréz (pseudônimo de Reginaldo Ferreira da Silva, São Paulo, 1975) estréia em 2000 com Capão Redondo, retrato cruel de personagens encurralados pela violência na periferia de São Paulo, sem perspectivas, sem saída. Ferréz lançou outros dois romances, Manual prático do ódio e Deus foi almoçar, e um livro de contos, Ninguém é inocente em São Paulo. Já Marcus Vinícius Faustini (Rio de Janeiro, RJ, 1973), em Guia afetivo da periferia, publicado em 2009, espécie de autobiografia romanceada, explora suas andanças de empregado sem qualificação por lugares afastados dos cartões-postais do Rio de Janeiro, num registro ao mesmo tempo realista e lírico.

Desde Angu de sangue, os contos de Marcelino Freire (Sertânia, PE, 1967) também lidam com personagens marginalizados, numa prosa ritmada, influenciada pela poesia da ladainha religiosa nordestina, mas que, embora trate de situações de violência e crueldade, está eivada de humor, um humor negro (Balé ralé, Contos negreiros,Rasif – Mar que arrebenta e Amar é crime). Humor negro é ainda a marca registrada de Evandro Affonso Ferreira (Araxá, MG, 1945), mas num procedimento oposto: há um descompasso intencional entre a trivialidade dos enredos e a pomposa erudição com que os fatos são narrados, o que se percebe já pelos títulos de seus livros (Grogotó!, Araã!, Erefuê, Zaratempô! e Catâmbrias!) e mesmo em Minha mãe se matou sem dizer adeus ou O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam, narrativas um pouco mais convencionais.

Sérgio Rodrigues (Muriaé, MG, 1962) gosta de embaralhar os gêneros literários. Estreou como contista em O homem que matou o escritor, histórias pseudopoliciais metaliterárias, publicando a seguir As sementes de Flowersville, pseudorromance de ficção científica, e Elza, a garota, um pseudorreportagem sobre uma personagem real, assassinada na década de 1930, a mando do Partido Comunista. Também Miguel Sanches Neto (Bela Vista do Paraíso, PR, 1965) experimenta as diferentes formas de narrativa. Em Chove sobre minha infância arquiteta uma dolorida autobiografia ficcional (um encarte fotográfico dá maior veracidade à narrativa), expediente que irá retomar em Chá das cinco com o vampiro, um romance de formação. O autor ainda flertará com a trama histórica em Um amor anarquista e A máquina de madeira, com a narrativa policial em A primeira mulher. Sanches Neto publicou ainda dois livros de contos, Hóspede secreto e Então você quer ser escritor?

Joca Reiners Terron (Cuiabá, MT, 1968) fundou, em 2001, uma editora independente para lançar seu romance Não há nada lá. Depois disso, publicou ainda três livros de contos (Hotel Hell e Sonho interrompido por guilhotina), além dos romances Curva de rio sujo, Do fundo do poço se vê a lua e A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves e uma narrativa híbrida (texto e ilustrações se complementam) Guia de ruas sem saída. Vindo das artes plásticas, Nuno Ramos (São Paulo, SP, 1960) trouxe a ousadia da experimentação de linguagens variadas para expressar o espanto diante de uma realidade fluida (O pão do corvo, Ó, O mau vidraceiro). José Castello (Rio de Janeiro, RJ, 1951) parte de personagens reais (o poeta curitibano Paulo Leminski, em Fantasma, o próprio pai, em Ribamar) para construir pseudobiografias que buscam captar o espírito de um tempo, mesclando vida e fazer literário, emoção e rigor narrativo.

Com uma prosa permeada de melancolia, Ronaldo Cagiano (Cataguases, MG, 1961) faz de Brasília protagonista de várias de suas narrativas curtas: Dezembro indigesto, Concerto para arranha-céus eDicionário de pequenas solidões.

Maria Valéria Rezende (Santos, SP, 1942) e Paulo Rodrigues (São Paulo, SP, 1948) recuperam, de certa maneira, a tradição da prosa de ficção realista. Os contos reunidos em Vasto mundo e Modos de apanhar pássaros à mão e o romance O vôo da guará vermelha indicam a predileção de Maria Valéria por personagens extraídos da base da pirâmide social brasileira (trabalhadores rurais, motoboys, prostitutas, pedreiros). Com coragem e maestria, ela os coloca em ação, extraindo histórias surpreendentes de amor e amizade, escritas numa linguagem acurada. Esmero no uso da língua, aliado a uma sofisticada estrutura formal, é o que diferencia Paulo Rodrigues, patente já em seu romance de estréia, À margem da linha, narrativa que conta a viagem, transformada em metáfora, de dois irmãos em busca do pai, e aprofundada em seu segundo romance, As vozes do sótão. Rodrigues publicou ainda a coletânea de contos, Redemoinho.

O universo de Maria José Silveira(Jaraguá, GO, 1947) é o romance histórico, quer trate da formação do Brasil em A mãe da mãe de sua mãe e sua filha ou de Goiás em Guerra no coração do cerrado, do passado recente, a ditadura militar em O fantasma de Luis Buñuel, ou de uma biografia romanceada, como em Eleanor Marx, filha de Karl. Já Maria Esther Maciel (Patos de Minas, MG, 1963) desconstrói os gêneros em O livro de Zenóbia e O livro dos nomes, vinhetas silenciosas que tecem pequenas biografias aparentemente banais, mas reveladoras de intensas vivências. De silêncio e delicadeza também são costurados os contos de Mário Araújo (Curitiba, PR, 1963), A hora extrema e Restos, com suas personagens flagradas em momentos epifânicos. Beatriz Bracher (São Paulo, SP, 1961) investiga, por meio de um sofisticado jogo de vozes narrativas, os subterrâneos da classe média (Azul e dura, Não falei, Antonio, Meu amor), o que também motiva a literatura de Mario Sabino (São Paulo, SP, 1962), autor de O dia em que matei meu pai, um dos livros mais traduzidos da literatura brasileira contemporânea. Sabino ainda publicou dois livros de contos, O antinarciso e A boca da verdade, e um romance, O vício do amor.

Já Lourenço Muttarelli (São Paulo, SP, 1964) explora os mundos estranhos e os comportamentos bizarros em seu romances (O cheiro do ralo, Natimorto, Jesus Kid, A arte de produzir efeito sem causa, Miguel e os demônios, Nada me faltará). Bizarros também são os personagens dos contos e do primeiro romance de Paulo Scott (Porto Alegre, RS, 1966), Ainda orangotangos e Voláteis, enquanto em Habitante irreal ele faz um corajoso retrato dos desacertos da geração que vivenciou os anos 1980, a “década perdida”, com seus fracassados projetos políticos e pessoais. A história recente do país é o pano de fundo dos romances de Edney Silvestre (Valença, RJ, 1950), Se eu fechar os olhos agora e A felicidade é fácil, que, por meio de uma narrativa que flerta com a trama policial, traça um retrato pungente da geração que nasceu sob a ditadura Vargas e cresceu sob a ditadura militar.

Os jovens escritores, nascidos a partir de 1970, e conhecidos como a “geração 00”, começam agora sua trajetória. Ainda é cedo para formar uma opinião definitiva sobre suas obras, mas alguns nomes já se destacam. Abaixo, uma lista dos principais nomes, que estrearam entre 2000 e 2009:

Susana Fuentes(Rio de Janeiro, RJ): Escola de gigantes, Luzia;

Claudia Lage(Rio de Janeiro, RJ, 1970): A pequena morte e outras naturezas, Mundos de Eufrásia;

Ana Maria Gonçalves(Ibiá, MG, 1970): Um defeito de cor;

Paulo Sandrini(Vera Cruz, SP, 1971): O estranho hábito de dormir em pé, Códice d’incríveis objetos & Histórias de Lebesraum, Osculum obscenum, O rei era assim;

Whisner Fraga (Ituiutaba, MG, 1971): Seres & sombras, Coreografia de danados, As espirais de outubro, A cidade devolvida, Abismo poente, Sol entre noites;

Marcelo Moutinho(Rio de Janeiro, RJ, 1972): Memória dos barcos, Somos todos iguais nesta noite, A palavra ausente;

Carola Saavedra(Santiago, Chile, 1973): Do lado de fora, Toda terça, Flores azuis, Paisagem com dromedário;

Michel Laub (Porto Alegre, RS, 1973): Música anterior, O segundo tempo, O gato diz adeus, Diário da queda;

Luiz HenriquePellanda (Curitiba, PR, 1973): O macaco ornamental;

Verônica Sttiger (Porto Alegre, RS, 1973): O trágico e outras comédias, Gran Cabaret Demenzial, Os anões;

Carlos Brito e Melo (Belo Horizonte, MG, 1974): O cadáver ri de seus despojos, A passagem tensa dos corpos;

Paloma Vidal(Buenos Aires, Argentina, 1975): A duas mãos, Algum lugar, Mais ao Sul, Mar azul;

Andrea del Fuego (São Paulo, SP, 1975): Minto enquanto posso, Nego tudo, Engano seu, Nego fogo, Os Malaquias;

João Filho (Bom Jesus da Lapa, BA, 1975): Encarniçado ou Anotações de um comedor de cânhamo;

Ricardo Lísias (São Paulo, 1975): Cobertor de estrelas, Anna O. e outras novelas, Duas praças, O livro dos mandarins,O céu dos suicidas;

Cecília Giannetti (Rio de Janeiro, RJ, 1976): Lugares que não conheço, pessoas que nunca vi;

Ana Paula Maia (Rio de Janeiro, RJ, 1977): O habitante das falhas subterrâneas, A guerra dos bastardos, Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos, Carvão animal;

Santiago Nazarian (São Paulo, SP, 1977): Olívio, A morte sem nome, Feriado de mim mesmo, Mastigando humanos, O prédio, o tédio e o menino cego, Pornofantasma;

João Paulo Cuenca (Rio de Janeiro, RJ, 1978): Corpo presente, O dia Mastroianni e O único final feliz para uma história de amor é um acidente;

Manoela Sawitski (Santo Ângelo, RS, 1978): Nuvens de Magalhães, Suíte Dama da Noite;

Daniel Galera (São Paulo, SP, 1979): Dentes guardados, Até o dia em que o cão morreu, Mãos de cavalo, Cordilheira,Barba ensopada de sangue;

Tatiana Salem Levy(Lisboa, Portugal, 1979): A chave de casa, Dois rios;

André de Leones (Goiânia, GO, 1980): Hoje está um dia morto, Paz na terra entre os monstros, Como desaparecer completamente, Dentes negros, Terra de casas vazias;

Julián Fuks (São Paulo, 1981): Alberto, Ulisses, Carolina e eu, Histórias de literatura e cegueira, Procura do romance;

Renata Belmonte(Salvador, BA, 1982): O que não pode ser, Vestígios da Senhorita B.;

Carol Bensimon(Porto Alegre, RS, 1982): Pó de parede, Sinuca embaixo d’água.

Simone Campos(Rio de Janeiro, RJ, 1983): No shopping, A feia noite, Owned – um novo jogador, Amostra complexa.



[i] A chegada de milhões de imigrantes italianos, alemães, espanhóis, japoneses, sírios e libaneses, no Século XIX, ampliou ainda mais este caldeamento, aprofundando as diferenças existentes entre as culturas brasileira e portuguesa.

[ii] V. CAMPOS, Haroldo de. O seqüestro do barroco na Formação da Literatura Brasileira – O caso Gregório de Matos. Salvador: Casa Jorge Amado, 1989.

[iii] Gregório de Matos deixou extensa obra, que inclui, além dos poemas satíricos, temas amorosos (líricos, eróticos e pornográficos) e devocionais.

[iv] A análise da obra de Claudio Manoel da Costa ocupa cinco páginas, entre 365 e 370. V. CESAR, Guilhermino.Bouterwek – Os brasileiros na Geschichte der Poesie und Beredsamkeit. Porto Alegre: Livraria Lima, 1968.

[v] Op. Cit. Pág. 36-42.

[vi] V. CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira – Momentos decisivos. 2 volumes. São Paulo: Martins, 1957.

[vii] ALENCAR, José de. Como e porque sou romancista. 2ª edição. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1995, pág. 36-37.

[viii] In: TELES, Gilberto Mendonça; CLEMENTE, Ir. Elvo ; CAMINHA, Heda Maciel; MOREIRA, Alice Terezinha Campos. Organizadores. Prefácios de romances brasileiros. Volume I. Porto Alegre, Livraria Acadêmica, 1986, pág. 117.

[ix] Op. Cit, pág. 117-118.

[x] In: PINTO, Edith Pimentel. Seleção e Apresentação. O Português no Brasil – textos críticos e teóricos. Volume I – 1820 -1920 – Fontes para a teoria e a história. São Paulo: Edusp, 1978, pág. 55.

[xi] Cartas a Manuel Bandeira. In: In: PINTO, Edith Pimentel. Seleção e Apresentação. O Português no Brasil – textos críticos e teóricos. Volume II – 1920-1945 – Fontes para a teoria e a história. São Paulo: Edusp, 1981, pág. 147.

[xii] “O futurismo”. In. BARRETO, Lima. Toda crônica. Organização deBeatriz Resende e Rachel Valença. Volume II: 1919-1922. Rio de Janeiro: Agir, 2004, pág; 539.

[xiii] São célebres suas polêmicas, particularmente com Coelho Neto, de quem dizia ser “o sujeito mais nefasto que tem aparecido em nosso meio intelectual”. Outro autor, anterior ao modernismo, que se distinguiu no mesmo campo foi Monteiro Lobato.

[xiv] In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro. 8ª edição. Petrópolis: Vozes, 1983.

[xv] Oswald de Andrade constrói, ao longo da vida, a mais interessante e original conceituação cultural para o Brasil, o da antropofagia. V. ANDRADE, Oswald de. A utopia antropofágica. São Paulo: Globo, 1990.

[xvi] Evidentemente, já havia, antes de José de Alencar, uma forte corrente indianista na literatura brasileira (Gonçalves Dias, como exemplo), mas, com certeza, a sistematização do conceito, e, portanto, e a possibilidade de influenciar os pósteros, é mérito do escritor cearense. V. FERREIRA, Maria Celeste. O Indianismo na literatura romântica brasileira. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1949.

[xvii] V. TÁVORA, Franklin. Cartas a Cincinato. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.

[xviii] “A estátua de José de Alencar”. In: Páginas recolhidas. Rio de Janeiro/Belo Horizonte: Garnier, 1990, pág. 86-87.

[xix] Relegada, Julia Lopes de Almeida talvez seja um dos escritores mais injustiçados da literatura brasileira. V. RUFFATO, Luiz. Julia. In: Rascunho: Curitiba, edições de outubro, novembro e dezembro de 2008 e janeiro de 2009.

[xx] Getúlio Vargas chega ao poder em 1930, por meio de um golpe de estado, que derruba a oligarquia agrária que dominava a política brasileira desde 1894, e permanece até 1945, quando outro golpe de estado o destitui. Em 1946, seu apoio é fundamental para a eleição de seu sucessor, Eurico Gaspar Dutra. Em 1950, volta à presidência da República, eleito pelo voto popular, e se suicida em 1954, pondo fim, simbólica e efetivamente, a uma época.

[xxi] Vários outros escritores, que mantiveram, durante um período, militância comunista, não produziram literatura engajada, como Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Anibal Machado, Dyonélio Machado.

[xxii] V. RICARDO, Cassiano. Marcha para o Oeste. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940.

[xxiii] Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, Erico Veríssimo, Cecília Meireles, entre outros.

[xxiv] Caberia citar aqui Bernardo Elis (O tronco) e José Cândido de Carvalho (O coronel e o lobisomem) que, quase simultaneamente, tratam com competência a questão rural em suas obras.

[xxv] O Movimento Armorial, fundado em 1970 por Ariano Suassuna, reúne artistas de diversos segmentos (literatura, teatro, música, pintura, escultura, gravura, cerâmica, dança, tapeçaria, arquitetura), que buscam inspiração na arte popular nordestina para confecção de suas obras. De certa forma, há aqui a retomada de algumas idéias regionalistas de Franklin Távora, a respeito da preservação de uma certa “pureza” ou “originalidade” do nordeste em relação ao estrangeiro.

[xxvi] Certamente, a experiência do Centro de Cultura Popular (CPC) da União Nacional dos Estudantes, ocorrida entre 1961 e 1964, de criação de uma arte a serviço da transformação política, influenciou os fundamentos da “geração mimeógrafo”. V. HOLLANDA, Heloísa Buarque de. CPC, vanguarda e desbunde: 1960-1970. 2ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1981.

[xxvii] Em 1978, aparece o primeiro volume dos Cadernos negros, iniciativa de um grupo de escritores afrodescendentes, desdobrados em volumes anuais, publicados pela Editora Quilombhoje, e que já conta com 34 volumes, entre poesia e prosa.

[xxviii] O crescimento do interesse do público pela literatura brasileira na época se impôs de tal forma que levou uma grande editora, a Ática, de São Paulo, por meio de um de seus editores, Jiro Takahashi, a criar, em 1976, uma coleção dedicada exclusivamente a publicar textos inéditos. Com tiragens que chegavam a alcançar até 30 mil exemplares em primeira edição, a coleção Autores Brasileiros lançou um total de 98 títulos, entre 1976 e 1986. V. DANTAS, Larissa de Araujo. Espaços de visibilidade – trajetórias possíveis no campo literário brasileiro. Brasília: UnB, 2009. Dissertação de mestrado disponível em http://www.gelbc.com.br/pdf_teses/Larissa_Dantas.pdf

[xxix] V. SILVERMAN, Malcolm. Protesto e o novo romance brasileiro. Tradução Carlos Araújo. São Carlos / Porto Alegre: Editora da UFSCar / Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1995. V. também: FREITAS, Filho. ARMANDO, HOLLANDA, Heloísa Buarque de. GONÇALVES, Marcos Augusto. Anos 70. Volume 2 – Literatura. Rio de Janeiro: Europa, 1979-1980. E ainda: DALCASTAGNÈ, Regina. O regime de 64 no romance brasileiro. Brasília: Editora da UnB, 1996.

[xxx] No final do Século XIX e começo do Século XX, vários escritores, entre eles Olavo Bilac e Coelho Neto, viviam da literatura, escrevendo crônicas para os jornais e excursionado pelo país como conferencistas literários. Mas eram casos isolados, sem a consciência de classe que pautará a mobilização da década de 1970. V. BROCA, Brito.A vida literária no Brasil – 1900. 3ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975, pág. 136-142. V. também: “Boêmia e profissionalismo”. In: BROCA, Brito. Naturalistas, parnasianos e decadistas – Vida literária do Realismo ao Pré-Modernismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1991, pág. 318-320.

[xxxi] Em 1976, Luiz Fernando Emediato, Jeferson Ribeiro de Andrade, Murilo Rubião e Rubem Fonseca organizaram um manifesto de escritores contra a censura que reuniu 1.076 assinaturas. V. também SILVA, Deonísio da. Nos bastidores da censura – Sexualidade, Literatura e repressão pós-64. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.

[xxxii] Ficaram célebres as brigas de João Antonio para o pagamento de direitos autorais pelas editoras de livros didáticos.

[xxxiii] Este livro intitula-se Aquário negro, a partir da segunda edição.

[xxxiv] Portunhol é um patoá, que mistura português e espanhol, falado nas fronteiras do Brasil com seus vizinhos hispânicos. Mar paraguayo foi publicado, sem tradução, no Chile, Argentina e México.

[xxxv] São Paulo: Boitempo, 2001.

[xxxvi] “A ficção brasileira contemporânea está concentrada em solo urbano. E, assim como acontece com as grandes metrópoles, é difícil encontrar um eixo que a defina. (…) Em todos eles [os escritores deste período], permanece como experiência de fundo o desenraizamento proporcionado pela cidade.” In: PINTO, Manuel da Costa. Literatura brasileira hoje. São Paulo: PubliFolha, 2004, pág. 82.

[xxxvii] O romancista Francisco Dantas (Riachão do Dantas, SE, 1941) (Coivara da memória, Os desvalidos, Cartilha do silêncio, Caderno de ruminações) e o contista Antonio Carlos Viana (Aracaju, SE, 1946) (O meio do mundo e outros contos, Aberto está o inferno) surgem como raras exceções.

[xxxviii] V. RUFFATO, Luiz. 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2004. E ainda: RUFFATO, Luiz. Mais 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2005.

[xxxix] Calabar foi escrita em parceria com Ruy Guerra e Gota d’água com Paulo Pontes.

[xl] Na verdade, talvez o primeiro interesse de Chico Buarque tenha sido a literatura, antes mesmo da música. Em 1966, ele publicou, na edição de 30 de julho do prestigioso Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo, um conto, Ulisses, reproduzido no livro-reportagem Malditos escritores! (Extra – Realidade 4). São Paulo: Símbolo, março de 1977, pág. 11-14.

[xli] Anteriormente, na década de 1960, o contista Luis Lopes Coelho (A morte no envelope, A idéia de matar Belina) tentou dar ao gênero policial dignidade literária.

[xlii] Em 2012, o autor anunciou que iria abandonar o nome Nelson de Oliveira e passaria a assinar seus livros como Luiz Bras. O primeiro livro adulto firmado sob esse pseudônimo foi lançado naquele ano, Sozinho no deserto extremo.

[xliii] Com o pseudônimo de Salvador dos Passos, Menalton Braff apareceu nas revistas literárias da década de 1970 e até mesmo em dois livros, o romance Janela aberta e os contos de Na força da mulher, ambos publicados em 1984.

[xliv] As bienais de São Paulo e do Rio de Janeiro, que existem desde 1970 e 1983, respectivamente, têm objetivos bastante diversos dos festivais literários – enquanto esses intencionam colocar os autores em contato com o público, aquelas visam preferencialmente a comercialização de livros.

[xlv] Embora existindo desde 1999, o Prêmio Zaffari-Bourbon, oferecido de dois em dois anos, no âmbito das Jornadas Literárias de Passo Fundo (RS), só mais recentemente ganhou visibilidade nacional. Também já havia, antes deste período, o Prêmio Jabuti, concedido desde 1959 pela Câmara Brasileira do Livro, e o Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), aberto à literatura desde 1972, mas que têm valor apenas simbólico.

[xlvi] Algumas empresas privadas, no entanto, fundaram braços culturais, mantidos com recursos próprios. No setor da literatura, destacam-se as ações de debates, formação de público e preservação da memória promovidas pelo Instituto Itaú Cultural.

[xlvii] Cabe aqui registrar o sucesso do jornal mensal Rascunho, publicado em Curitiba (PR) ininterruptamente desde abril de 2000, surgido por iniciativa pessoal de Rogério Pereira, e que conta com 32 páginas dedicadas exclusivamente à literatura, com distribuição nacional.

[xlviii] Parece haver um consenso em torno do nome de Viviane Vaz de Menezes como a primeira pessoa a criar um blogue no Brasil, embora em inglês, em fevereiro de 1998. O primeiro escrito em português é creditado a Renato Pedroso Jr., em março do mesmo ano.

[xlix] Em 2000, o poeta Sergio Vaz funda a Cooperifa, movimento de escritores e leitores da periferia de São Paulo, que chega a juntar num bar da Zona Sul da cidade mais de 300 pessoas em saraus de poesia. A militância de Sergio Vaz frutificou: existem hoje dezenas de eventos similares em várias capitais do país. V. VAZ, Sergio.Cooperifa – Antropofagia periférica. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008. V. também: SALES, Ecio. Poesia revoltada. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007. PEÇANHA, Érica. Vozes marginais na literatura. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009.



*Luiz Ruffato (Cataguases, MG, 1961) é escritor e jornalista. Publicou em 2001 Eles eram muitos cavalos, romance lançado na Itália, França, Portugal, Argentina, Colômbia, Alemanha e Espanha (e parte substancial na Polônia); Estive em Lisboa e lembrei de você, em 2009, também lançado em Portugal, Itália e Argentina; e a série Inferno Provisório, composta por cinco volumes: Mamma, son tanto felice (também lançado na França e México), O mundo inimigo (também lançado na França e México), Vista parcial da noite, O livro das impossibilidades e Domingos sem Deus (no prelo, em Cuba). Tem histórias publicadas em antologias e revistas na Argentina, Uruguai, Colômbia, México, Cuba, Estados Unidos, Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha, Croácia, Suécia, Polônia, Hungria, Líbano e Angola.


Conexoesitaucultural.com

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