quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O lucro do Itaú e a farra dos bancos


Jaciara Itaim

O grupo Itaú-Unibanco registrou em 2013 o maior lucro anual de um banco no Brasil. Nunca antes na história desse país a banca ganhou tanto dinheiro

Todo mês de fevereiro a história se repete. Pouco a pouco começam a pipocar pela imprensa notícias a respeito dos resultados econômicos dos bancos para o exercício do ano anterior. Em geral, os números são indecentes, para dizer o mínimo! Aquela coisa mesmo que chega ao ponto de causar vergonha alheia, em especial para quem tem um mínimo de preocupação com noções como justiça distributiva e equidade social.

Até o presente momento, nesse início de 2014, o centro das atenções do povo do financismo tem sido o mega conglomerado financeiro do Itaú. Aquele que já era um dos grandes do sistema financeiro e que acabou se fundindo com o Unibanco em 2008, constituindo um gigante ainda maior. Essa operação de reforço da centralização e da oligopolização do setor acabou contando com todo o apoio do órgão que, ao contrário, deveria zelar pela defesa da concorrência – o CADE.

Pois então, o grupo Itaú-Unibanco registrou em 2013 o maior lucro anual de um banco no Brasil. Nunca antes na história desse país a banca ganhou tanto dinheiro. Na verdade, a cada ano as instituições financeiras se revezam, nessa espécie de disputa acirrada, com o intuito de saber quem é que vai ocupar o primeiro lugar no quesito da lucratividade. Um campeonato do qual ninguém deveria ter nada do que se orgulhar, uma vez que apenas serve para confirmar o grau das desigualdades que nossa sociedade acolhe em seu interior.

Itaú: mais um lucro recorde em 2013

Ao longo do ano passado, esse banco privado apurou o lucro líquido de R$ 15,7 bilhões. Isso significa que depois de todos os exercícios elaborados e requintados do chamado “planejamento tributário”, ainda assim ficaram registrados esses valores para serem apropriados entre seus dirigentes, proprietários e acionistas.

Isso porque a legislação tributária oferece um sem-número de caminhos e atalhos para que as empresas não sejam alcançadas pela incidência dos impostos. Como nosso sistema impositivo é descaradamente regressivo, as camadas de menor renda – os assalariados basicamente – acabam contribuindo muito mais para o fisco do que os detentores do capital.

O mesmo Itaú já detinha o recorde anterior de maior lucro anual dentre as instituições financeiras, quando apresentou um resultado de R$ 13,8 bi em 2011.

O Bradesco atingiu R$ 12 bi em 2013. O Banco do Brasil chegou a 12,7 bi em 2011. Enfim, entre avanços de muitos e recuos de alguns poucos, o fato é que todos eles ganham muito dinheiro nessa terra em que se privilegia o lucro fácil e derivado da atividade parasita. A título de comparação, vale lembrar alguns eventos para se ter uma dimensão de tais valores. Em 2012 e 2011, por exemplo, os 5 maiores lucros dos bancos atuando no Brasil somaram R$ 50 bi. Esse montante é superior ao que seria a estimativa de arrecadação anual da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que foi extinta em 2007. Ou seja, tratava-se de uma campanha muito bem orquestrada pelo próprio financismo para acabar com aquela importante base tributária da saúde e que tinha como foco de arrecadação as operações bancárias e das finanças em geral.

Lucratividade dos bancos: supremacia do financismo

Essa realidade escandalosa de lucros monstruosos é apenas mais uma demonstração concreta da supremacia absoluta do sistema financeiro sobre o conjunto de nossa sociedade. Em nossas terras, a banca ainda consegue exercer sua hegemonia política e ideológica, tendo atravessado sem maiores sobressaltos o período de severa turbulência da crise internacional, a partir de 2008. As filiais dos conglomerados internacionais, por exemplo, usaram e abusaram de suas operações por aqui para remeter lucros em direção às matrizes e, assim, buscar uma forma de aliviar as suas dificuldades em escala global.

Apesar de ser considerada pelo mundo afora como atividade estratégica e de elevada importância para o desempenho das economias no plano nacional e global, o setor financeiro ainda consegue resistir a qualquer tentativa de regulamentação. No Brasil o financismo se impõe através dos meios de comunicação, das universidades, das instituições de pesquisa e das áreas econômicas dos governos. Seu discurso e sua lógica de funcionamento são incorporados pelos formadores de opinião e pelos formuladores de políticas públicas como se fosse algo “normal”. Esse processo de naturalização da exploração e da desigualdade procura transformar os bancos em entidades simples e ordinárias, como todas as demais de nosso tecido social. Sofrem demais, produzem muito, contribuem para o crescimento da economia e ainda – coitadinhos! – têm de pagar impostos.

A realidade, no entanto, é bem diversa. Os bancos operando no Brasil apresentam as maiores taxas de lucratividade do mundo. Contribui para tanto o ambiente favorável de taxas oficiais de juros elevadíssimas há décadas e seu papel de destaque na administração do processo de endividamento público. Os sucessivos governos gostaram das regras desse jogo e se fizeram reféns do poder do financismo. O maior exemplo foi a longa permanência de Henrique Meirelles à frente do Banco Central (BC). Durante os 2 mandatos do Presidente Lula, o responsável pela política monetária foi aquele que havia sido, até às vésperas de sua nomeação, o presidente internacional do Bank of Boston. Ninguém duvida de qual tipo de interesse ele defendeu ao longo do período que passou por Brasília.

Necessidade de um BC que regule e fiscalize.

Contando com a conivência e a solidariedade do órgão regulador e fiscalizador, a banca nada de braçada nesse mar revolto, em que se apropria de todo o tipo de excedente gerado na atividade produtiva e na vida das famílias em geral. O “spread” praticado pelas instituições financeiras é também dos mais elevados do planeta. Trata-se simplesmente da diferença que existe entre a taxa que ele remunera os depósitos que são ali aplicados e a taxa que ele cobra dos que emprestam recursos sob a forma de crédito ou empréstimo. O BC se omite em sua obrigação legal e institucional de fiscalizar e regular essa prática espoliadora.

Por outro lado, os bancos também auferem resultados enormes por meio das tarifas, sempre exorbitantes, que cobram de seus clientes. Ora, os serviços prestados por tais instituições são de natureza pública e as mesmas operam em regime de oligopólio. Caberia ao órgão regulador zelar pelos interesses dos agentes mais frágeis na relação comercial que envolva o setor financeiro. Na prática, no entanto, a lógica de funcionamento do BC é a oposta. Os bancos contam liberdade total para impor os preços que bem entendem sobre esses serviços, que se tornam a cada dia mais universais e inescapáveis para o cidadão comum. A generalização das operações virtuais e a universalização do uso dos cartões terminam por reforçar o papel das instituições financeiras na vida das empresas, das famílias e dos indivíduos.

Frente a um quadro como esse, o governo não pode continuar se comportando de forma passiva, sempre na espera das “contribuições” do financismo para formular sua própria política econômica. São amplamente conhecidos os temores de tomar essa ou aquela decisão, sob pena de encontrar alguma resistência no interior do sistema financeiro. Ou ainda as pesquisas institucionalizadas pelo BC junto aos representantes da banca para avaliar a condução da política econômica e monetária, com a consequente obrigação de atender aos pleitos do setor no que se refere, por exemplo, à definição da taxa oficial de juros. Durante os dias que antecedem as reuniões do COPOM, as pressões se exercem por meio da exigência de cumprimento das previsões desse ente onipotente e onisciente, o poderoso mercado.

É passada a hora de transformar o BC em órgão regulador fiscalizador, de fato. O debate eleitoral pode se transformar em momento oportuno, pois a antiga reivindicação de “independência do BC” nem surge mais na imprensa. A explicação é que tal realidade já existe na prática. Ele se apresenta, no dia a dia de seu funcionamento, com muito mais do que a “simples autonomia” prevista em lei. Ele usufrui de uma quase “independência” de atuação. A qualificação recebe muitas aspas, pois o BC pode até ser independente da maioria da sociedade, a quem não presta contas. Mas é completamente dependente do financismo, a quem obedece de forma sistemática e cheio de entusiasmo.

Economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.

Correio do Brasil

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