segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Mais de 93% dos deputados se elegeram com votos da coligação

Ana Cláudia Barros

Menos de 7% dos novos deputados federais foram eleitos exclusivamente graças aos votos que receberam. Em números absolutos, significa dizer que, num total de 513, 35 atingiram, sem a ajuda da legenda ou da coligação a que pertencem, o quociente eleitoral, conforme demonstrou levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

À primeira vista, a quantidade parece pequena, mas, segundo o analista político, Antônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Diap, ela pode ser considerada "curiosamente alta".

- Na outra eleição, houve apenas 32 deputados. Esse número de 35 ainda pode subir, porque não está contabilizado o (Paulo) Maluf (PP/SP). É possível que tenha ainda mais um ou dois deputados e, portanto, a média deve ser maior.

Queiroz explica que, no sistema proporcional - adotado para eleger vereadores, deputados estaduais e federais -, são raros os casos em que um candidato consegue sozinho ultrapassar a cláusula de barreira, o quociente eleitoral.

Ele é calculado pela divisão dos votos válidos pelo número de cadeiras disputadas. Definido o quociente eleitoral, é calculado o quociente partidário (proveniente da divisão dos votos válidos de cada legenda ou coligação pelo quociente eleitoral), que estabelecerá quantas vagas cada sigla ou coligação terão direito.

A representação proporcional visa tornar o processo mais democrático, possibilitando que partidos menores consigam espaço no parlamento. Mas, na prática, ela favorece também distorções.

- Você tem como exemplo a Luciana Genro (Psol/RS), que teve mais de 100 mil votos. Ela não se elegeu, porque não atingiu o quociente eleitoral. Ela teve uma votação expressiva, mas, mesmo somando com os colegas dela do Psol, não conseguiu atingir o quociente eleitoral. O colega de partido dela Jean Wyllys, do Rio de Janeiro, com 13 mil votos virou deputado em razão da sobra do Chico Alencar.

Confira a entrevista.

Terra Magazine - Levantamento do Diap mostrou que 35 dos 513 deputados foram eleitos com os próprios votos. À primeira vista, parece um número considerado baixo?

Antônio Augusto de Queiroz - Curiosamente não é. É considerado alto. Na outra eleição, houve apenas 32 deputados. Esse número de 35 ainda pode subir, porque não está contabilizado o (Paulo) Maluf (PP/SP). É possível que tenha ainda mais um ou dois deputados e, portanto, a média deve ser maior.

Por que ocorre essa distância tão grande entre os eleitos com votos próprios e os eleitos graças aos votos do partido ou coligação?

Não é fácil, numa eleição proporcional, alguém sozinho ultrapassar a cláusula de barreira, que é o chamado quociente eleitoral. Ou seja: ter voto correspondente ao número de vagas no parlamento. Funciona mais ou menos assim: temos, por exemplo, 800 mil votos, 8 vagas. Não é uma tarefa fácil o sujeito atingir 100 mil votos num universo de 800 mil eleitores. Realmente, atingir o quociente eleitoral não é fácil.

Houve circunstâncias no passado em que um candidato sozinho teve mais votos do que todos os eleitos, mas não foi eleito porque não atingiu o quociente eleitoral no seu partido.

Era sobre isso que eu pretendia perguntar. O sistema proporcional foi criado para aumentar a representação no parlamento dos partidos menores, mas ele acaba permitindo distorções.

É verdade. Você tem como exemplo a Luciana Genro (Psol/RS), que teve mais de 100 mil votos. Ela não se elegeu, porque não atingiu o quociente eleitoral. Ela teve uma votação expressiva, mas, mesmo somando com os colegas dela do Psol, não conseguiu atingir o quociente eleitoral. O colega de partido dela Jean Wyllys, do Rio de Janeiro, com 13 mil votos virou deputado em razão da sobra do Chico Alencar. Essas são as distorções do nosso sistema proporcional.

Na sua avaliação, apesar disso é o sistema mais justo. Quais são as vantagens e desvantagens?

O sistema proporcional tem vantagens enormes. Uma delas é permitir que representantes de minorias possam ter espaço no parlamento, o que no sistema majoritário, do tipo voto distrital puro, é praticamente zero. A possibilidade de alguém que representa um determinado segmento conseguir se eleger é quase impossível. Imagina o seguinte: um representante da comunidade gay. A eleição é majoritária, tem que ter 50%. Ele vai enfrentar o poder econômico local, a celebridade etc. A chance é basicamente zero.

O que seria mais apropriado?

O sistema proporcional de lista fechada é outro problema. O partido escolhe e você estabelece a ordem na lista e as vagas que a legenda tiver... Você não vota mais em pessoas, mas nos partidos. Se não definir na legislação que, por exemplo, para cada representante do sexo masculino há um feminino ou para cada dois, para cada três... Se não estabelecer isso, a presença feminina no parlamento vai ser, certamente, menor. Como ficam as minorias? Se não tiver essa garantia na legislação, dificilmente vão constar entre os possíveis eleitos.

Então, sempre tem problemas. Talvez o que pudesse fazer é, primeiro: proibir doação de pessoa jurídica. Só pessoa física pode doar e com um valor determinado. Segundo: considerar, para efeito de preenchimento de vagas, num sistema de sobra, porque nunca nenhum partido consegue, redondo, preencher as vagas que lhe cabem. Pegando aquele exemplo dos 800 mil votos. O partido teve 415 mil, portanto, elegeu 4 deputados. Os votos que sobraram ficam reservados para depois fazer nova rodada, para depois distribuir uma ou duas vagas, já que não se consegue preencher na primeira rodada.

No Brasil, se pratica a maior média. Logo, os grandes partidos se beneficiam. O interessante era mesmo assim permitir que os partidos que não atingiram o quociente eleitoral pudessem participar da disputa dessas vagas.

Seria uma forma de diminuir as distorções?

Exatamente.

Essa possibilidade chegou a ser aventada?

Não. Imagina-se exatamente o contrário. Aumentar a cláusula de barreira, ou seja, além do quociente eleitoral, passar por uma cláusula de desempenho, que já chegou a ser aprovada, mas o Supremo (Tribunal Federal) considerou inconstitucional, porque foi aprovada por intermédio de lei e o Supremo entende que só com mudança na Constituição isso seria possível.

Pela regra, o partido só teria representação no parlamento se atingisse essa cláusula de barreira. Significa dizer que, dos 22 partidos que vão ter representação no parlamento, se ficarem sete, ficam muito. Ficaria tudo em torno dos grandes partidos. Quem ultrapassar 5% do eleitorado, muito bem, tem representação. Quem não ultrapassar fica fora do parlamento.

Para você, compromete a democracia?

Pois é. Há alguns países que praticam esse sistema. Só tem funcionamento parlamentar, partido que tiver um percentual do eleitorado nacional. Se isso vier a ser adotado, retira da disputa representantes de segmentos importantes. É verdade que elimina, em vários casos, o fisiologismo, mas prejudica mais do que ajuda.
Falávamos de distorções. Há o caso, já emblemático, do humorista Tiririca (PR/SP), deputado federal eleito, que foi o grande puxador de votos das eleições. Para você, esse sistema atual acaba estimulando que partidos recrutem celebridades e até que ponto esse expediente não coloca em xeque a credibilidade do processo?

É verdade. Há partidos que adotam essa política de recrutar pessoas com grande apelo popular para que elas possam puxar outros integrantes do partido. Isso é uma distorção do sistema. O caso do Tiririca é um exemplo típico. Não coloco na mesma categoria, por exemplo, o Romário, que também foi buscado pelo PSB. Talvez, no caso dele, tenha havido uma razão específica. O fato de ter no Brasil uma olimpíada e uma copa do mundo, ter um atleta no parlamento, podendo propor medidas, parece factível.


Terra Magazine

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