segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Incansáveis salvadores da pátria: o retorno do tenentismo... de toga

Geniberto Paiva Campos

“A revolta é o último dos direitos a que deve recorrer um povo livre para salvaguardar os interesses coletivos, mas é também o mais imperioso dos deveres impostos aos verdadeiros cidadãos”. (Juarez Távora, circa 1924)

“No século XXI, o protagonismo no Brasil cabe ao Judiciário” (Ricardo Lewandovski, 2016)

Brasil: A Criação dos Mitos

Brasil, nossa inacabada, imperfeita, pátria amada. Um país em eterna busca de si mesmo. Sempre à procura da salvação e de salvadores disponíveis. Capazes de tornar realidade o sonhado paraíso nos trópicos.

Uma terra em que se plantando tudo dá, constatou Caminha, observador del Rei, escrivão da Armada de Cabral. Criando, assim, um dos mais duradouros mitos brasileiros.

Um país fértil, sem terremotos ou furacões. Água abundante. Riquezas minerais ao alcance da mão, na superfície da terra. Território imenso. Cercado ao norte, leste e sul por um oceano calmo, piscoso e navegável. Formando uma belíssima costa, de lindas e acolhedoras praias.

Habitado por um povo cordial assegurava o sociólogo Sérgio Buarque. Mas algo indolente, vaticinou outro sociólogo, o pernambucano Gilberto Freire. Criando outro mito sagrado. Estudioso que dividiu o país na Casa Grande e na Senzala, prevendo, talvez, permanente desigualdade.

Outro brasileiro atento, o paulista Monteiro Lobato, insistiaTemos Petróleo!

E O Petróleo é Nosso! Bradavam, uníssonos, os políticos nacionalistas com o gaúcho Getúlio Vargas, presidente do Brasil, à frente.

Que país é este? Perguntava, ainda no século XX, um político piauiense, radicado nas Minas Gerais.

E no alvorecer do novo século, um sociólogo atento, de origem potiguar, algo iconoclasta, muito corajosamente, apontava para a burrice da inteligência brasileira.

E proclamava: - É preciso pensar o Brasil livremente, sem as amarras dos mitos e preconceitos criados ao longo da sua história. Sábias palavras do sociólogo Jessé Souza.

E insistia para que o país não se deixasse manipular pela sua elite.

Admitindo todos os furos e imperfeições dessa apressada síntese histórica, caberia uma pergunta de total pertinência: - o que ocorre com segmentos da classe média brasileira, que desde o início da década de 1920 – há quase um século, portanto – vêm persistindo na sua nobre tarefa de salvadores da pátria?

Qual o pecado original desse pobre país, eterna vítima desses heróis salvacionistas, sempre dispostos a deixar de lado os cânones da Democracia, o Estado de Direito, até os mais elementares padrões da Ordem Legal e da mais comezinha Justiça, para retirar da cena política os carcomidos, e oscorruptos? E como efeito adicional, colocar em suspeição os que lutam pela Justiça Social e pela Igualdade, perversamente taxados de esquerdistas, socialistas ou comunistas?

Vamos examinar, um pouco mais detalhadamente, os dois movimentos “tenentistas”.


O TENENTISMO DA DÉCADA DE 1920 – OS SALVADORES ORIGINAIS

O Tenentismo e o seu corolário, a Coluna Prestes, foi um dos mais belos momentos da história das insurreições brasileiras. Trata-se de um movimento pouco conhecido pelos estudantes do país. E com a recente – e provável - adoção da censura imposta pela “Escola sem Partido” ficará difícil, senão impossível a um professor falar aos seus alunos sobre “Coluna Prestes” e temas correlatos sem correr o risco de condenação às mais duras e injustas penas. Talvez o exílio.

Juarez Távora, um dos líderes mais importantes do movimento tenentista, defendia a revolta como um sagrado direito dos cidadãos livres. E, completava um cidadão paulistano, leitor do jornal O Estado de S. Paulo, em mensagem à seção de cartas à redação, no longínquo julho de 1924, há quase um século, portanto: “ Não é sem sangue, sem sofrimentos e sem sacrifícios que se constrói uma grande nação. ”

Estes pensamentos, talvez, constituam um resumo da base ideológica da revolta dos tenentes. (E assegurava o escritor baiano, cidadão do mundo, Jorge Amado: “no rastro da Coluna ficava a Esperança. ”).

Era preciso mudar o país. E para mudá-lo era preciso juntar coragem e heroísmo. Montar no cavalo. Pegar em armas. Ir à luta em campo aberto.

Durante as décadas seguintes esse ideário de bravura e coragem desmedidas foi a tônica de todos os movimentos “revolucionários” postos em ação para salvar o Brasil das mais diversas ameaças ao seu glorioso futuro: uma nação pujante e feliz. Onde o progresso, o desenvolvimento e a liberdade fariam a sua morada permanente.

(Esquecia-se, lamentavelmente, que as grandes nações – até hoje habitadas por povos livres, desenvolvidos e soberanos – foram pacientemente construídas através do entendimento, da humildade, do orgulho altivo e sereno, da defesa do seu território e da negociação política: o outro nome de DEMOCRACIA. Nunca através de intervenções heroicas ou demiúrgicas).

Os tenentes da década de 1920 deixaram um rastro de heroísmo autêntico, na sua luta para mudar o país. E pagaram com seu sangue, a prisão, o exílio, alguns com a própria vida, o seu gesto de coragem, desprendimento e patriotismo.

Parte considerável dos integrantes do movimento tenentista viria a contribuir para as mudanças efetivas e para o desenvolvimento do Brasil ao participar das mais altas esferas da administração do país.

Num claro reconhecimento à sua competência, honradez e amor à pátria.



O TENENTISMO DE TOGA

No alvorecer do século XXI, mal completados vinte anos de vivência democrática plena, surgem os “novos tenentes”. Para recolocar a pátria amada na trilha da salvação. Eles não sabem e não precisam usar armas. Não montam a cavalo. Seu combate não se dá nos campos de batalha.

Alguns tornam-se heróis que “fazem a diferença”. Não por seu conhecimento jurídico. Ou, simplesmente, por defender o Direito e a Justiça.

Mas por serem escolhidos, reconhecidos e homenageados pela Grande Imprensa. Onde se tornam heróis salvacionistas. Meninos pobres que nasceram em berço humilde, com a nobre missão de salvar a Pátria. Alguns têm seu nome lançado para a presidência do Brasil.

Suas heroicas batalhas têm como cenário os tribunais. Onde reinam, soberanos. E correm riscos mínimos. Desprezíveis. Interpretando a Lei, as Normas Constitucionais e o Direito, muitas vezes, ao sabor de conveniências. Ou das pressões do que entendem como “opinião pública”. Sempre atentos às opiniões da Mídia. Ciosos da sua nobre e impostergável missão: salvar o Brasil das garras da “corrupção”.

Não importando que para atingir este nobre desiderato possam provocar o desmonte de setores produtivos do país. Que, data vênia, levaram décadas para serem construídos.

Mas essa missão salvadora, em muitos casos, tem “lado”.

E não é sempre que a escolha desse “ lado” é onde se situa a Verdade, a Justiça e o Direito.

Dizem que a Lei nem sempre faz Justiça. E como fazer Justiça, fora da Lei?

Convenientemente abandonada, quando juízes decidem priorizar obscuros conceitos salvacionistas, ao invés de se aterem à letra e ao espírito da Lei.

Acarretando gravíssimos riscos e danos à Democracia e ao Estado de Direito.

Dizem também que o Judiciário é o último recurso da cidadania e da sociedade democrática. Mas como os juízes poderão adotar este belo e irrefutável conceito, se no século XXI vierem a se tornar, prioritariamente, protagonistas de um confuso processo político - salvacionista?

Afinal, quem lhes teria conferido tais poderes demiúrgicos? Seriam tão somente (ou de novo e simplesmente) auto atribuídos?

Ao que parece, trata-se do inescapável destino da nação brasileira.

Entramos, portanto, em novo período de turbulência e incertezas políticas.

Onde reina – impávido – o novo tenentismo.

Onde o país estará cada vez mais distante da nova e esperada salvação.

E o pior, pagando altíssimo preço.

Ao correr o risco de trocar o Estado de Direito, a Liberdade e a Democracia plena por um tempo incerto – e de duração imprevisível - de trevas e obscurantismo.

Cujos sinais já são claramente perceptíveis nas poucas semanas de vigência de um governo dito “provisório”.

Sob o olhar desatento, distante (às vezes cúmplice) dos “juízes/protagonistas” do século XXI.

Pobre Brasil, Tristes Trópicos.



(*) Do Instituto Lampião – Reflexão e Debate sobre Conjuntura

Brasil 247


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