quinta-feira, 10 de março de 2016

Manual para entender por que a Lava-Jato tem motivação política


O aparelho político-burocrático-midiático em que operação se sustenta é historicamente comprometido com o status quo.
Maria Inês Nassif
A literatura política brasileira está recheada de histórias que comprovam a máxima “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”. É uma tradição das elites brasileiras o uso da polícia e da Justiça como arma, quando o voto não é favorável aos seus interesses. A ofensiva contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidenta Dilma Rousseff e o PT não desmentem a história.



Antes da Constituição de 1988, o aparelho policial e o Judiciário dependiam diretamente dos donos de votos nos Estados e no governo federal. Nos Estados, os oligarcas mantinham-se poderosos graças ao clientelismo; a uma Justiça a ele submisso; a uma polícia que era a extensão de seus interesses; e à mídia (jornais, rádios e televisões) que, se não era de propriedade do próprio chefe político, recebia dinheiro do governo suficiente para que apenas escrevesse o que fosse autorizado.


São inúmeras as histórias que se pode contar sobre esse tempo – como é o caso de um chefe político do Nordeste que, governador mandato sim, mandato não, mantinha os inimigos continuamente processados por um Tribunal de Justiça cujos desembargadores compareciam a uma reunião semanal em sua casa, para receber as ordens de como julgar os seus desafetos e os seus amigos.


Todas as mudanças promovidas na Justiça, na Polícia e no Ministério Público pela Constituinte não foram capazes, todavia, de imunizá-los contra a sedução que o poder econômico e político exerce sobre eles. A mídia tradicional é capaz de tornar um simples procurador ou juiz em rei da pátria, desconhecer as mazelas de aliados e manipular a opinião pública para aceitar uma condenação injusta. Os interpostos dos aparelhos policial e judicial, ao atuarem em favor do status quo, passam a ter direito ao ingresso nesse seleto grupo de pessoas muito poderosas que, se não estiverem no governo, têm instrumentos suficientes à disposição para inviabilizar o oponente que venceu as eleições – e voltar ao poder.


Esse é o maior poder de sedução que a elite exerce sobre o aparelho burocrático do Estado: os que ocupam o poder em oposição a eles são intrusos, o aparelho de Estado é deles, por direito divino e, quando a ele retornarem, o conjunto das forças que contribuíram para derrubar o inimigo com o uso da Justiça – e a ajuda inestimável da polícia e do Ministério Público – estará no poder. O aparelho burocrático, se tiver algum sentimento de pertencimento, será esse: às forças que se juntam para evitar que a realidade social e política do país mude o menos possível, e manter os interesses historicamente estabelecidos. A burocracia é facilmente cooptável pelo status quo.


Nessa estrutura política, o voto é descartável. Duas louváveis leis para moralização das eleições, ao longo dos anos, por exemplo, têm se mostrado facilmente manipuláveis, sem que instrumentos efetivos de controle dos agentes que as executam protejam as vítimas de seus desmandos. A lei que proíbe o abuso do poder econômico, por exemplo, chegou a cassar o mandato do senador João Capiberibe (PSB/AP) por conta de uma única denúncia, da qual nunca se provou a veracidade, de que um único voto havia sido comprado por R$5. Assumiu no seu lugar o candidato que perdeu a eleição por muito mais do que esse voto. A Lei da Ficha Limpa, se pode livrar o país de corruptos comprovados, também tem o poder de inviabilizar políticos importantes na vida nacional que não tem respaldo dessa elite político-burocrático-midiática. A deputada Luiza Erundina (PSB/SP) quase perdeu o direito de se candidatar porque o Tribunal de Contas do Município (TCM), com quem teve sérias divergências quando prefeita, a condenou mais de uma década depois. As leis estão sujeitas aos agentes, e boa parte deles têm lado.


Limpinho e Cheiroso


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