quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Zaidan: Hegemonia, Corporativismo e Centralismo Orgânico




Michel Zaidan Filho

Foi solicitado, na última aula, que se fizesse uma explanação sobre os conceitos da politologia gramsciana de "Hegemonia", "corporativismo" e eu acrescentei "centralismo orgânico".
 

l. Hegemonia Essa é uma palavra grega, oriunda da terminologia militar ou dos estudos estratégicos. Significa "controle", "Domínio", "supremacia" ou "direção". Originalmente vem da Confederação de Delos, liderada pela cidade-estado de Atenas. A cidade grega que detinha a hegemonia na Confederação de Delos. Era a líder daquela confederação.



A palavra continuou com essa acepção militar ou estratégica, segundo aqueles que se dedicaram à visão de que "a política é a guerra por outros meios" (Barão de Clauzenwitzer), em seus estudos sobre a guerra. Também Maquiavel a utiliza nessa mesma acepção. Os revolucionários socialistas também usaram o conceito de hegemonia, em seu sentido militar, aplicado à revolução socialista. Pois nunca desprezaram a importância da chamada "guerra de movimento" (a insurreição armada). Daí a importância desses estudos para a política revolucionária. Lênin foi um aplicado estudioso da guerra e de sua aplicação ao movimento socialista.


 

Com o estancamento do processo revolucionário mundial e o cerco das potências capitalistas à União Soviética - quando foi ficando claro que o capitalismo europeu ia entrando para uma fase de estabilização financeira e recuo da revolução, surgiu na Itália uma reflexão política destinada a enriquecer o patrimônio político e socialista da esquerda internacional. A reflexão de Antonio Gramsci, em Turim, sobre o descesso da onda revolucionária no Ocidente e que alternativas seriam possíveis para o combate ao capitalismo na Europa. Vem dai o conceito gramsciano de Hegemonia, totalmente distinto da concepção leninista inspirada nos estudos de Clausenwitzer. Influenciado por fatores da rica cultura italiana (Crocce, gentile, Hegel), o autor sardo trata da hegemonia, como direção cultural e moral, não como força, poder, domínio. E diz, surpreendentemente, que uma classe social pode e deve ser hegemônica, antes de ser dominante. E que a forma de governo mais duradoura é através do exercício da hegemonia de classe, não da ditadura. O emprego da força se explica na crise de hegemonia de uma classe social ou na sua ausência. Para o exercício da hegemonia é necessário a existência de uma sociedade civil robusta, formado por um grande número de aparelhos privados (não estatais) de hegemonia, e de uma cultura nacional-popular. A batalha prioritária é então a batalha das idéias, através das instituições, de modo que empolgue corações e mentes. Como se disse, a hegemonia precede a dominação econômica e política de classe. Ela garante permanência aos que estão no poder. Você até pode ser dominante, sem ser hegemônico, mas estará sempre sujeito a ser derrubado do poder por um golpe ou uma conspiração. Ao passo que se você possuir hegemonia pode até não ser dominante, mas tem o apoio da sociedade civil. O conceito de hegemonia ou de direção cultural-moral, através da formação de uma nova cultura nacional-popular, pressupõe um processo chamado de "catarse" que é a superação do egoísmo particularista das classes sociais em projeto universal, que apresente e sintetize os interesses das demais classes-apoio ou classes aliadas. A fonte de inspiração desse conceito é o modelo jacobino da revolução francesa, ou a aliança cidade-campo. Esse modelo vitorioso na França é contrastado com o processo de unificação italiana, comandada pelo partido da ação (Cavour). Nestes casos, de capitalismo tardio - como o nosso - não há modelo jacobino, aliança cidade-campo, é a revolução sem revolução, o transformismo, a revolução pelo alto. O modelo jacobino é o que corresponde à hegemonia, preparada na frança por todo o movimento da Ilustração.
 


Naturalmente que este conceito se opõe ao corporativismo, que é colocar o particular, o privado, o singular na lugar do universal. A classe que faz isso torna-se corporativista e não consegue unir a sociedade em torno do seu projeto político. A expressão "corporativismo" vem das "corporações de ofício" da Idade Média, instituições fechadas com o intuito de proteger seus afiliados. A revolução francesa aboliu as corporações e institui o regime das classes sociais. As corporações se definem por uma identidade profissional, enquanto as classes, por interesse econômicos. Uma classe é corporativista quando quer impor, a ferro e fogo, seus interesses sobre o conjunto da sociedade. Há uma grande discussão sobre o caráter corporativista do movimento sindical e a necessidade de se superar o movimento sindical, pelo movimento da política (mais amplo, revolucionário). Os marxistas clássicos nunca defenderam que o movimento sindical pudesse fazer uma revolução. Ele tinha que se submeter à teoria revolucionário do partido e de sua direção. Há mais de uma obra de Lênin, Trotski e Marx, dizendo isso. Só Rosa Luxemburgo e os austro-marxistas defenderam a espontaneidade dos movimentos sociais. O jovem Gramsci, dos conselhos de Turim, também.
 

Já o conceito de "centralismo orgânico" tem a ver com a crítica de Gramsci ao centralismo burocrático dos antigos partidos leninistas, caracterizados por uma grande separação entre base e direção, e a impossibilidade de haver alternância entre os que estão na base e os que estão na direção. Gramsci propõe um modelo de partido "orgânico", em que seja possível a inversão, ou a mobilidade dos que estão na base, tornarem-se direção. O leninismo de Gramsci deve ter sido temperado pelo espontaneismo de Rosa Luxemburgo e os austro-marxistas. Sobretudo, o jovem Gramsci que chegou a namorar com os anarquistas e anarco-sindicalistas.
 

A posteridade dos estudos marxistas simplesmente eliminou a ambiguidade do conceito de Hegemonia, e confundiu hegemonia com dominação. O marxismo estruturalistas frances (Althusser, Balibar, Poulantzas) passaram a tratar a hegemonia, no sentido leninista como simples exercício da dominação de classe e a idéia do controle ideológico unilateral dos aparelhos de Estado. Isso não corresponde a visão gramsciana de luta pela hegemonia, no interior dos aparelhos estatais. Só a ensaísta Cristine Buci-Klusmam defende a visão original da hegemonia em Gramsci e sua ambiguidade constitutiva, no livro: Gramsci e o estado.

 

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