quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Um novo olhar sobre a Guerra do Paraguai



Francisco Ladeira

É demasiadamente simplista conceber o maior conflito armado de nosso subcontinente como consequência exclusiva da vontade do imperialismo britânico, como se Brasil, Argentina e Uruguai fossem simples marionetes de Londres, prontas para acatar incondicionalmente todas as ordens vindas do outro lado do Atlântico.


Geralmente, boa parte dos estudos históricos são fortemente marcados pelo perfil ideológico do pesquisador. Um bom exemplo dessa prática parcial pode ser encontrado na bibliografia disponível sobre a Guerra do Paraguai (1864-1870), considerado o maior conflito armado da América do Sul, envolvendo, de um lado, a Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) e, de outro lado, o Paraguai.

Segundo interpretações conservadoras, a Guerra do Paraguai é consequência direta do expansionismo territorial idealizado por um ditador paraguaio insano, Francisco Solano Lopes, que precisava ser combatido. Sendo assim, de acordo com essa perspectiva, coube aos governos brasileiro, argentino e uruguaio a heróica tarefa de defender seus respectivos territórios das investidas do país guarani.

Em contrapartida, para as linhas interpretativas marxistas, a Guerra do Paraguai foi induzida pelo imperialismo britânico. Como a nação de Solano Lopes aspirava uma via alternativa de desenvolvimento econômico independente das grandes potências da época, o governo de Londres, com o intuito de extirpar o “mau exemplo paraguaio”, armou os exércitos da Tríplice Aliança para lutar contra o Paraguai.

O resultado dessa empreitada bélica é do conhecimento de todos: passados mais de cem anos, o Paraguai ainda não conseguiu se recuperar das enormes perdas humanas e materiais.

Todavia, é importante evitar interpretações maniqueístas e simplórias sobre os fatos históricos. Evidentemente, Solano Lopes não era apenas um “ditador insano”. Em seu governo, o Paraguai atingiu respeitáveis índices de desenvolvimento econômico e social.

Por outro lado, é demasiadamente simplista conceber o maior conflito armado de nosso subcontinente como consequência exclusiva da vontade do imperialismo britânico, como se Brasil, Argentina e Uruguai fossem simples marionetes de Londres, prontas para acatar incondicionalmente todas as ordens vindas do outro lado do Atlântico.

O contexto histórico em questão é muito mais complexo. Como Solano Lopes queria transformar a sua mediterrânea nação em potência regional, era inevitável garantir um acesso ao mar, via Bacia Platina. É exatamente nesse ponto que os interesses guaranis se chocavam com os seus vizinhos.

Para a Argentina, garantir a soberania sobre a região do Rio da Prata e seus afluentes era uma questão primordial para as suas pretensões geopolíticas. Já o Uruguai relacionava o controle do lado oriental da foz do Rio da Prata à sua própria sobrevivência enquanto Estado-Nacional. Por fim, o Brasil dependia do acesso aos rios da Bacia Platina para ligar algumas áreas da atual região centro-oeste ao restante do país.

Enfim, apesar da importante participação britânica, consideramos ser mais prudente analisar a Guerra do Paraguai como uma disputa por territórios geopoliticamente estratégicos. Não há como negligenciar a questão espacial nesse tipo de conflito. Desse modo, não foi por acaso que Yves Lacoste já dizia que a geografia serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra.
 

Francisco Ladeira

Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), articulista do Observatório da Imprensa e professor de Geografia do Colégio Conexão em Barbacena,MG.

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