domingo, 22 de junho de 2014

Copa é festa de debutante para a nova classe média latino-americana



Tim Vickery

Colombianos tiram fotos em arquibancada lotada em Belo Horizonte, no jogo contra Grécia

Quando um grupo de torcedores chilenos sem ingressos invadiu o Maracanã, por alguns minutos, a Copa do Mundo se transformou em uma Copa Libertadores no estilo antigo.

Mas a enorme presença chilena no Rio quase certamente apontou para o futuro - como fizeram as fileiras lotadas de colombianos nas arquibancadas do Mineirão, em Belo Horizonte, para o primeiro jogo de sua seleção na Copa do Mundo, a invasão mexicana de Fortaleza, e, embora provavelmente em menor medida, a maneira como os fãs da Argentina transformaram o Maracanã em um pedaço de Buenos Aires para a estreia de sua equipe contra a Bósnia.

Algo novo está acontecendo aqui, e isso foi identificado pelo sociólogo inglês David Goldblatt, autor de uma história maravilhosa do futebol mundial. Ele descreve a Copa de 2014 como "uma festa de debutante" para a nova classe média latino-americana.

Vale a pena citar longamente seu artigo: "Em 2011, o Banco Mundial anunciou que, pela primeira vez, mais latino-americanos eram de classe média do que viviam na pobreza. Claro, o termo classe média na região é suficientemente complexo e elástico para abrigar desde qualquer pessoa com um emprego formal a um professor universitário, mas não há dúvida de que a última década de desenvolvimento econômico espalhou a riqueza de forma mais ampla na região, criando mais postos de trabalho em ocupações de classe média e no setor de serviços."

Estas são as pessoas que agora têm dinheiro para acompanhar sua seleção na Copa do Mundo - o que, considerando o custo de vida brasileiro contemporâneo e a alta dos preços por causa do torneio, não é um compromisso financeiro pequeno.

Vi pela primeira vez os sinais disso na Copa América 2011, na Argentina. As edições anteriores atraíram poucos torcedores visitantes. Eu já estive em partidas da Copa América onde havia mais policiais do que espectadores. Ocasionalmente, haveria um contingente considerável de fãs vindos de um país vizinho.

Quando o Uruguai chegou à final da Copa de 1999, no Paraguai, por exemplo, Assunção se transformou em Montevidéu na manhã do dia do jogo. Um grande número de fãs havia dirigido durante a noite para torcer por sua equipe - e parece provável que isso, um apoio do tipo mais tradicional da classe trabalhadora, foi um fator importante para a presença em massa dos torcedores argentinos contra a Bósnia.

Mas algo diferente se viu em 2011 na Argentina. Países relativamente distantes, como a Colômbia, também foram origem de um número sem precedentes de fãs que viajaram de avião e ficaram em bons hotéis - pessoas com dinheiro para gastar.


Há muitos mais deles nesta Copa do Mundo. Em primeiro lugar, porque a Copa América não se compara à Copa do Mundo em termos de apelo - especialmente para um público sul-americano, que não teve a chance de fazer parte do principal evento do futebol internacional desde 1978. E também não há dúvida de que, neste época do ano, o Brasil é uma atração turística mais atraente do que a invernal Argentina.

Se é verdade que a Copa do Mundo de 2014 é uma festa de debutante para nova classe média da região, então estamos lidando com uma contradição fascinante. Porque, no Brasil, a maior parte do movimento de protesto contra a Copa do Mundo também partiu de ativistas vindos dessa nova classe média.

O Brasil, como Tom Jobim disse sabiamente, não é para principiantes. Nem, talvez, seja o Brasil de 2014, cheio de suas próprias contradições. Gostaria de tentar entender o sentido de tudo isso, mas estou muito ocupado curtindo o futebol.



BBC Brasil

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