terça-feira, 18 de junho de 2013

Estamos mesmo falando de ônibus?




Praça Tahrir, Parque Gezi: próxima estação Avenida Paulista?

Claro, não estamos numa ditadura, não vivemos num país tão miserável como muitos, a taxa de desemprego é a menor da história, contudo o apelo de um pequeno grupo contra o aumento das tarifas públicas dos transportes urbanos ecoou em milhares e milhares de pessoas no Brasil. Estamos mesmo falando de ônibus?

Francisco Carlos Teixeira

Após as manifestações iniciadas em Túnis, em 2010, e que se propalaram por todo o Oriente Médio ao longo de 2011, alcançando dois pilares de poder regional – a partir da Praça Tahrir, no Egito, para todo o país e da Praça Thaksin/Parque Gezi, na Turquia, – a noção de “primaveras” enquanto movimento popular, de alto grau de espontaneidade, ausência de uma liderança única e intensa ramificação social tornou-se a nota maior do cenário político contemporâneo. E, claro, o uso massivo dos novos meios eletrônicos, como as redes sociais e as mensagens gratuitas de celulares.

O Brasil vive, hoje, as vésperas de sua primavera?

Quando os primeiros incidentes entre populares e policiais se deram, em dezembro de 2010, em Túnis, aquele país era uma ditadura tradicional, ancorada em forte aliança ocidental – em especial com a França – e um destino “pacífico” e acolhedor para milhares de turistas europeus.

A mídia e os serviços de inteligência ocidentais descartaram, de pronto, a capacidade de mobilização popular e, ainda mais fortemente, qualquer possibilidade de derrubada de uma ditadura que dava os primeiros passos em direção a uma abertura. Quando os mesmos sinais – sintomaticamente marcados pela violência policial gratuita e massiva – chegaram ao Cairo e Alexandria, a maioria dos especialistas afirmou que “O Egito é diferente”. Depois de semanas de resistência, não só na Praça Tahrir, a velha cleptocracia de Hosni Mubarak foi derrubada.

O mesmo vento varreu regimes “sólidos” na Líbia, criou graves incidentes, detidos com mão de ferro, no Bahrein e no Kuwait; gerou uma mudança de poder no Iêmen e lançou a Síria – onde um domínio familiar se reproduzia – numa devastadora guerra civil ainda em curso.

Por fim, chegou a vez da “sólida” Turquia. Trata-se de Um pais de mais de 73 milhões de pessoas, com um crescimento econômico invejável, e um ( mais uma vez!) “sólido” governo republicano e democrático, saído das urnas com cerca de 50% dos votos por três períodos consecutivos ( Recep Erdogan é “premier” desde 2003). No caso turco as análises se emaranharam: trata-se de um país democrático, malgrado seu forte déficit de respeito aos direitos humanos – em especial em relação a minoria curda – e com eleições relativamente legítimas e com uma imprensa atuante.

Neste caso não , deveria haver uma “Primavera Turca”, dirigida contra as ditaduras tradicionais. Mas, por um motivo considerado politicamente menor – a defesa das árvores dos parques da Praça Thaksin e Gezi – milhares e milhares de pessoas revoltaram-se contra seu governo legalmente estabelecido. Em face da brutal violência policial, a revolta alastrou-se pelo país.

Temos que fazer uma pausa e, ao mesmo tempo, um paralelo com o caso das manifestações dos últimos dias no Brasil.

Claro, não estamos numa ditadura, não vivemos num país tão miserável como muitos, a taxa de desemprego é a menor da história, contudo o apelo de um pequeno grupo contra o aumento das tarifas públicas dos transportes urbanos ecoaram em milhares e milhares de pessoas no Brasil.

Estamos mesmo falando de ônibus?

Não há a menor dúvida que o transporte urbano – praticamente todo ele privado no Brasil – é uma vergonha nacional. Os veículos são sujos, quentes, desconfortáveis, não obedecem qualquer sinalização de transito, paradas ou horários. São superabundantes nas linhas nobres – como na Zona Sul do Rio de Janeiro – e raríssimos nas ligações dos centros com as periferias urbanas. Muitas vezes, vezes demais, um trajeto básico de um trabalhador, de um estudante ou um funcionário consome no mínimo duas horas de ida e duas horas de volta para casa, tornando o descansa merecido mais curto e menos restaurador. Defeitos, enguiços, assaltos – e mesmo estupros – são comuns em ônibus e trens urbanos.

E, além de tudo, o transporte é caro.

O número de passageiros transportados em ônibus em São Paulo, entre 2004 e 2012, passou de 1.6 bilhões para 2.9 bilhões de passageiros. Contudo, a frota de ônibus diminuiu, aumentou o desconforto, os atrasos e os defeitos. Pior de tudo, o preço das passagens, nestas mesmas condições, aumentou, passando de R$1.70 para os pretendidos R$ 3.20.

Mais ainda: os transportes urbanos estão nas mãos de um pequeno grupo de empresários profundamente vinculados aos vereadores e prefeitos das cidades, de cujas campanhas são, regularmente, financiadores. As planilhas de custo são secretas e não há quaisquer mecanismos de controle de passagens, passageiros ou faturamento.

A economia do país cresceu, mesmo passando por uma período de marasmo, e nada foi feito nas grandes cidades para melhorar os meios de transporte. Até aqueles que eram razoavelmente bons – barcas e metro no Rio de Janeiro, por exemplo – pioraram imensamente. Os trens no Rio e o metro em São Paulo, com paradas frequentes, tornaram-se verdadeiros vagões de transporte animal, muitas vezes cenas de degradação e humilhação dos passageiros.

Mas, o que mudou? Aparentemente os gestores públicos, em primeiro lugar prefeitos e governadores, seja no Rio, em Sampa, em Porto Alegre ou BH, não acreditaram, nem um pouco, que este seria um problema. Nas últimas eleições, transporte esteve bem abaixo dos temas de saúde e educação na pauta da propaganda política. No âmbito federal, que jogou pesado para trazer para o país os chamados megaeventos, havia uma promessa que a contraparte “social” das Copas e das Olimpíadas seriam os serviços e equipamentos sociais que as cidades herdariam. E aí? Na verdade, depois de atrasos, bate boca entre autoridades e planos mirabolantes para estágios, a Copa das Confederações começou sem que o chamado “em torno” tivesse, realmente, quaisquer melhorias. Rios de dinheiro foram gastos, estão sendo gastos e serão gastos em estádios que são vendidos por alto preço e dos quais o povo se mantém distante. Para estes os telões no Terreiro do Samba ou na Avenida Paulista.

Não houve herança social, não vai haver, houve, sim, um logro.

Quem vai às ruas?

Ora, os protestos que começaram com o apelo do “Movimento Nacional contra o Aumento das Passagens” e rapidamente conseguiu o apoio de partidos menores, como o PSTU, o PSOL e A Causa Operária, antenados e capazes, com eficiência, de detectar os sentimentos dos grupos populares. Não são eles os autores e os líderes das amplas mobilizações de hoje (17/06/2013), mas foram capazes de perceber o amplo potencial de cansaço e de insatisfação da população.

Somos uma democracia? Sim! Temos quase o pleno emprego? Sim! Mas, isso não basta.

O novo, o que caracteriza as amplas e massivas demonstrações de ruas em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e no fantástico espetáculo da “tomada” de Brasília nesta noite ( sem esquecer as pacatas Maringá ou Niterói) foi o sentimento acumulado, represado, e que não dá mais para conter de que os gestores públicos, os políticos, não representam mais a maioria das pessoas comuns, com sentimentos comuns e necessidades comuns.

No Rio de Janeiro foram às ruas os estudantes, universitários e secundaristas. Pobres, pagantes de passagens? Isso não importa neste caso. Eu mesmo fui às ruas, na mesma Cinelândia, protestar contra a Guerra do Vietnã, em 1972, e nunca fui vietnamita! Foi às parcela da classe média, esmagada por impostos, tri-tributada, sem condições de pagar os altos alugueis do Rio ou os planos de saúde em todo o país. Foram as ruas, o que é fácil, posto que já estavam nas ruas – moram nas ruas! – os cerca de cinco mil sem-teto do Rio de Janeiro. Estes desistiram de buscar a grana para pagar as passagens. Moram nas ruas. Cozinham no largo de São Francisco e fazem da Praça XV de Novembro seu próprio banheiro.

Foram jovens, de boina ninja ou camisetas usadas como véus árabes, anarquistas, com sprays de tinta. Picharam paredes com seus grandes “A” ( de anarquia) e, infelizmente, detonaram, no caso do Rio, patrimônio histórico que pertence à história da nação. Contudo, a massa de pessoas que queriam uma manifestação pacífica lá estava e pedia: “Violência, não!”. Foi inútil, é uma pena. Amigos, alunos, desconhecidos ficaram presos em prédios e perderam a possibilidade de voltar para casa – claro, não havia mais ônibus. Muitos, muitos mesmo, dormirão hoje (ontem) em seus escritórios, salas e corredores.

Alguns, com violência, aqui no Rio, aproveitaram para roubar trabalhadores, aqueles que quase nada tem e não podem contar com cartão automático ou pegar taxis. Ainda uma vez, uma lástima.

E o senhor, o que faz?

Vamos esperar. Ver, ouvir e exigir: o exemplo de São Paulo – ao menos até este momento, 23:02 horas de 17/06/2013, foi bonito, altamente político e de forte impacto – melhor que o Rio, mas rico e fértil do que em Porto Alegre, com aquele imensa procissão atravessando a Ponte Estaiada. A invasão do Congresso Nacional – afinal, a casa do povo! – foi emblemática. Sem violência, sem provocação e sem destruição de patrimônio histórico. O que os líderes do Congresso Nacional farão? O que dirá o excelentíssimo deputado Renan Calheiros?

O que o PT fará? Por tanto tempo oposição, por tanto tempo sem oposição à esquerda, o PT tornou-se telhado e as pedras estão em outras mãos. O PT deve reconhecer que não tem ( mais?) o monopólio do campo da esquerda. Que fez alianças demais e com gente que não devia: pode-se fazer alianças com o deputado Roberto Jeferson, com o ex-governador Moreira Franco ou com os bispos da Assembleia de Deus sem consequências?

Pode o PT calar-se, fingir que não via, quando na “calada da noite” ( dos corredores de Brasília) se permitiu a eleição de Bispo Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos? Ok, a governamentalidade, o equilíbrio e continuidade do “projeto” são os objetivos maiores. Posso aceitar até isso... mas, abrindo mão da condução política do “Projeto”, esquecendo do “PROJETO” inicial de ser um partido de novo tipo e esquecendo seu papel de pedagogo político da Nação? O PT se forjou nas ruas, nas universidades e nas fábricas: são as ruas que devem corrigir o curso de um projeto concreto, popular, includente e sem alianças e concessões que maculam a pedagogia política.

Atenção, a próxima estação: Brasília.

Carta Maior

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