quinta-feira, 17 de maio de 2012

A chatice do politicamente incorreto



Samarone Lima

Li recentemente que o governo do estado de São Paulo pretende proibir o consumo de bebida em lugares públicos. Em vários do Brasil, não se pode consumir sequer uma cervejinha em lata. Outro dia, foi aprovada uma lei que proíbe os pais de darem uma palmada no filho. Nunca o Brasil foi tão politicamente correto, pelo menos no discurso e nas leis.

Eis que surge o novo paradoxo. O discurso do “politicamente incorreto” foi descoberto pelo mercado editorial, e começa a dar muito dinheiro. O Guia politicamente incorreto da história do Brasil, do jornalista Leandro Narloch, publicado em 2009 pela Editora Leya, já vendeu mais de 200 mil exemplares, ganhou uma edição ampliada e até hoje segue na lista dos dez livros mais vendidos do país. Deve ter vendido fácil mais de 300 mil e não estou atualizado.

Diante do sucesso, a editora Leya encomendou uma espécie de continuação, o Guia politicamente incorreto da América Latina, do mesmo Narloch, desta vez em parceria com seu colega da revista Veja, Duda Teixeira. Se o primeiro era ruim, o segundo é de doer, mas isso é para outra postagem.

Gostaria de abordar um filósofo que acaba de vestir a carapuça do “politicamente incorreto”, Luiz Felipe Pondé.

Colunista da Folha de São Paulo desde 2008, o Pondé vinha mandando bem. Textos instigantes, questionadores, com uma prosa de ótima cadência, citações interessantes, cutucadas. Ao contrário dos jornais de Pernambuco, que publicam diariamente textos os mais obtusos, para não dizer obscenos, de tão ruins e sem sentido, a Folha mantém um time de colunistas de primeira linha, como Ferreira Gullar, Ruy Castro, Carlos Heitor Cony etc. Eles recebem para pensar e escrever, por isso escrevem bem. O Pondé é um dos caçulas deste time.

Nos primeiros textos (minha esposa é assinante da Folha de São Paulo), percebi logo uma posição nítida. Queria ir contra o lugar comum, o senso comum, a burrice comum. Bons textos, articulados, questionadores. Alguns ótimos. Além disso, um bom frasista.

“Mas não pense que, por isso, eu acredite que esteja “construindo um mundo melhor”, porque não compactuo com esta ditadura dos ofendidos. Não acredito num mundo melhor”, disse, num texto em fevereiro de 2010.

A coisa toda estava indo bem. Salvo algumas subidas nas tamancas, o homem se posicionava.

“Sou contra o aborto. Não preciso da religião para viver, não acredito em Papai Noel, sou da elite intelectual, sou PhD, pós-doc., falo línguas estrangeiros, escrevo livros “cabeça” e não tenho medo de cara feia. Vai encarar?”. Estava abordando o tema do aborto no segundo turno das últimas eleições presidenciais. Um ótimo texto, por sinal, apesar de parecer petulante, no início.

“Não existe sexo livre, existe apenas sexo sem amor”, dizia, em outro artigo.

Não por acaso, a editora Leya publicou, em 2010, o livro Contra um mundo melhor – ensaios do afeto.

Comprei o livro, mas não empolgou. Deram uma azeitada nos textos. A seleção desigual, tentando mostrar um produto bem bacana, sofisticado, que desce a lenha em tudos e todos. Às vezes, a vontade de provocar é tanta, que começa a ficar repetitivo. Algo como “eu sou o fodão, num mundo cheio de bundões, e como sou fodão, não acredito num mundo melhor porque simplesmente eu sou um fodão”. Esses mantras ao contrário.

“Sou daquele tipo de pessoa que simpatiza fortemente com o mundo da aristocracia (não necessariamente de sangue nem de dinheiro, às vezes apenas de mérito puro e simples) simplesmente porque julgo que a minoria sempre carregou a humanidade nas costas”, diz. É bom ver gente que tem coragem de dizer que simpatiza com a aristocracia. É um posicionamento claro.

Claro, algumas besteiras monumentais.

“Um erro comum das mulheres é supor que todos os homens são de fato a fim de todas as mulheres e que se interessam por sexo o tempo todo”.

E arremates do tipo:

“No fundo, são as mulheres que gostam de homens burros”.

O passo seguinte nas chancelas culturais (colunista da Folha, livro publicado pela Leya) foi a “Sabatina da Folha”, em outubro de 2011, com o título:

“Politicamente correto, às vezes, chega a ser imoral”.

Bem, mas de um tempo pra cá, o Pondé descobriu a caixinha mágica da provocação. O umbigo começou a crescer. Alguns textos muito ruins, outros indecifráveis. Um pequeno ar de petulância no ar. Percebi e pensei. O que há com esse cara? Os leitores da Folha começaram a retrucar. O gozo do colunista parecia ter chegado ao ápice. Uma chuva de cartas à redação, com críticas pesadas aos seus textos, publicadas em sucessivas edições da Folha.

“Após ter escrito o texto “Páscoa” (Ilustrada, 2/4), e ter recebido inúmeras críticas, parece-me que Luiz Felipe Pondé agora quer justificar o injustificável. Ontem, em vez de desculpar-se pelo que escreveu anteriormente, o colunista dissertou sobre a evolução do beisebol, sobre rituais em que praticávamos canibalismo, sobre a morte de Jesus e ainda fez uma correlação entre a Páscoa cristã e a judaica. Lamentável a sua resposta”, reclamou a leitora Maria Cristina Proença.

A coisa chegou a tal ponto, que outra colunista da Folha, Barbara Gancia, chamou o homem para a grande. Num artigo intitulado “A arte de chamar a atenção”, desceu o sarrafo no colega.

“Aliás, estou há quase 30 anos no ramo e não me consta que parte dos atributos do colunista seja chamar para o pau, falar de cima para baixo, dar lição de moral, armar arapuca ou esculachar o próprio leitorado”, esporte que o Pondé vinha fazendo.

“Além do mais, esse mergulho no sensacionalismo evidentemente não lhe fez bem aos nervos. Peço que volte a ser quem era, Pondé”.

Mais explícito, impossível. Também acho que o homem provou do veneno da provocação, gostou muito do “sucessinho”, como gosta de dizer, e perdeu o rumo da prosa.

Para encerrar o assunto do “politicamente incorreto” e suas cifras milionárias, vejo a entrevista do Pondé na Ilustrada, da Folha (11.04.2012). O título é óbvio:

“Novo livro de Pondé ataca “praga” do politicamente correto”.

Nome do novo livro?

Guia Politicamente Incorreto da Filosofia.

Editora?

Leya.

Causou um enorme burburinho a seguinte frase:

“O tipo médio do leitor de jornal ou do telespectador de TV é um medíocre que se acha o máximo”.

E seu complemento:

“O leitor e o telespectador são idiotas, e no fundo nós, que ‘somos a mídia’, pouco os levamos em conta porque quase nada do que eles dizem vale a pena”.

Não por acaso, numa matéria sobre o lançamento de um livro do Paulo Francis, o Diário da Corte, ele tenha dito que lia o Francis pelos corredores da USP, “às vezes escondido”.

“Ele era o que eu queria ser quando crescesse”, confessou.

No final de abril, sabem quem estava em primeiro lugar na lista dos mais vendidos no Brasil, de não-ficção?

É isso aí.

O Pondé, com o seu Guia do Politicamente Incorreto da Filosofia, derrubou o Eike Batista (O X da Questão) do topo da lista.

Aguardemos o próximo Guia.

Caótico

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