quarta-feira, 30 de maio de 2012

Pobre preso




Usuários de drogas pobres são presos como traficantes

Estudo mostra que as 125 mil pessoas presas desde 2006 por causa de drogas têm perfil de usuárias, de baixa renda, e não de traficantes

Cida de Oliveira

Operação policial no centro de São Paulo: em vez de assistência, poder público oferece castigos e punições (©Fabio Braga/Folhapress)

São Paulo – Réus primários, desarmados no momento do flagrante, sem ligação com o crime organizado, pobres e com baixa escolaridade. Este é o perfil das 125 mil pessoas presas no país desde 2006, quando entrou em vigor a lei 11.343, a chamada Lei das Drogas.

“Pelo perfil, estão mais para usuárias do que para traficantes”, diz Pedro Vieira Abramovay, professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Na tarde de ontem (29), ele participou do Seminário A Cracolândia muito além do crack, na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), em São Paulo.

Abramovay é coordenador do Banco de Injustiças, criado com apoio da ONG Viva Rio. O banco é uma iniciativa da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD) e da Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep). Seu objetivo é debater, do ponto de vista jurídico, a ausência de princípios básicos constitucionais na Lei de Drogas, como o direito à saúde, as limitações do poder punitivo do Estado e, principalmente, o caráter democrático do Estado de Direito. O banco reúne diversos casos, além de dados e pesquisas.

Segundo ele, a lei 11.343, que substitui a de número 6.368, de 1976, teve apoio de setores progressistas e trouxe esperanças de uma política sobre drogas mais humana e liberal. Pela primeira vez era abolida a prisão por porte de drogas para consumo pessoal e havia a crença de redução nas prisões por motivos de drogas e na implementação de uma política mais eficiente para o enfrentamento do tráfico. No entanto, não é o que se observou com a sua entrada em vigor. Na prática, houve uma explosão carcerária de grandes proporções. O tráfico de drogas se transformou no crime que mais coloca brasileiros na cadeia.

“Em 2010, o Supremo Tribunal Federal determinou que cabe aos juízes definir a pena para traficantes de drogas, podendo até aplicar penas alternativas em vez de prisão”, comenta Abramovay . Só que apesar da decisão do Supremo, as penas alternativas não foram aplicadas em 95% dos casos, conforme pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. E em 17,5% dos casos, a pesquisa aponta que as prisões foram feitas com entrada na casa das pessoas sem mandado judicial. "Além disso, a lei diz que adolescente só pode ser preso em caso de violência contra a pessoa. Em compensação, a maior causa de internação desses jovens é estar com drogas. É o policial quem determina quem é usuário e quem é traficante."

Ainda conforme o professor a FGV, "nessa lógica bélica há a supressão cotidiana das leis Nessa guerra em que vivemos, tudo pode. E quem sofre mais são os mais pobres, menos escolarizados”, diz.Para ele, é fundamental furar o silêncio, o manto ideológico que impede o diálogo por uma política pública para o setor já que a lógica atual de enfrentamento do crack é comparável a uma guerra. “E a lógica de guerra à Cracolândia é semelhante ao nazismo”.
Sem nada

A falta, em São Paulo, de Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas (CAPS AD) abertas 24 horas, foi duramente criticada por Anderson Lopes Miranda, integrante do Movimento Nacional da População de Rua. Criados em setembro de 2010 pelo ministério da Saúde, esses centros constituem um serviço aberto, que deve oferecer atendimento contínuo, inclusive em finais de semana e feriados, aos usuários de crack, álcool e outras drogas.

A iniciativa deve ser articulada com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU -192), oferecendo atendimento medicamentoso, psicoterápico e outras orientações. Além disso, profissionais treinados devem oferecer oficinas terapêuticas, acolhimento noturno, além de intervenções em situações de crise de abstinência. Esses centros devem contar com um médico clínico geral, um psiquiatra, um enfermeiro com formação em saúde mental, psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo, enfermeiros e demais profissionais de apoio. “Onde estão os CAPS 24 horas?”, provoca.

O ativista, que não esconde o fato de ter morado nas ruas durante 20 anos e ter sido estuprado por policial quando era um adolescente, critica também o Complexo Prates, inaugurado em março passado pelo prefeito Gilberto Kassab (PSD), no Bom Retiro. O espaço é propalado como equipamento que pretende reunir ações de saúde pública e assistência social para tratamento de dependentes químicos em situação de rua e vulnerabilidade social. “O local não tem sequer uma cozinha para o cidadão fazer uma refeição. Em vez disso, ele recebe um marmitex com comida de cheiro ruim. E o cidadão acaba preferindo voltar para a rua”, diz.

Outra crítica é dirigida à proposta do governo federal, que estuda destinar recursos públicos para financiar comunidades terapêuticas. “Usuários de crack estão sendo levados, sendo tratados com choque nessas comunidades. Ficam lá seis meses e, sem moradia, escola e saúde, voltam para a rua quando saem”, diz.

O pior, segundo ele, é que muitas comunidades são de senadores e deputados que defendem a proposta. “Não queremos internação compulsória, e sim dialogar sobre saídas para o crack com conselhos de psicólogos, de assistentes sociais, com as universidades e o movimento social”, afirma. Ainda segundo o ativista, na região da Luz, em São Paulo, foram presas pelo menos 700 pessoas como se fossem traficantes. No Rio de Janeiro, já foram presas mais de 1400.

Rede Brasil Atual

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