segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Transporte é um direito



Artigo defende a importância da Campanha Tarifa Zero, lançada em agosto deste como uma continuidade das mobilizações por transporte público e gratuito que vêm acontecendo pelo Brasil. O projeto de Lei Tarifa Zero prevê a gratuidade do transporte público por meio de um Fundo de Transportes, que utilizaria recursos arrecadados por impostos em escala progressiva, proporcionalmente à renda de cada indivíduo ou empresa, para subsidiar o transporte nas cidades brasileiras.

Por Lucas Monteiro

No ano de 2011, um grande número de manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus ocorreu por todo o Brasil. A onda de protestos, iniciada em São Paulo e Salvador, espalhou-se pelo Brasil e em algumas cidades ganharam grandes proporções como em Vitória, Teresina e Manaus.

Além disso, outras cidades, apesar de também terem conseguido conquistas, não tiveram tanto destaque midiático, como em Diamantina, onde o aumento foi revogado, ainda que provisoriamente.

Tais manifestações nos remetem ao biênio 2004/2005 no qual os diversos atos contra o aumento resultaram na fundação do Movimento Passe Livre, que se propunha a pensar o transporte e lutar para que ele fosse organizado em função dos interesses dos usuários e não do lucro.


A reedição desta onda de manifestações pelo Brasil seis anos depois da formação do MPL nos obriga a pensar neste cenário das cidades brasileiras. A crise dos transportes é evidente. Segundo uma pesquisa do IPEA, 37 milhões de pessoas são excluídas do transporte por falta de condições financeiras de pagar as tarifas.


Em São Paulo, é mais barato pagar as prestações de uma moto do que utilizar diariamente o transporte coletivo; e, ao mesmo tempo, as vias estão cada vez mais congestionadas pela utilização do transporte individual, causando sérios impactos ambientais e na saúde dos que vivem nas cidades.

No que se refere aos aumentos, seguimos sempre o mesmo roteiro: os aumentos são anunciados, os estudantes saem às ruas, o poder público se justifica, acontecem mais algumas manifestações e as pessoas voltam para suas casas e, independente do aumento ser revogado ou não, a estrutura de transportes permanece a mesma. Após estes momentos de ascenso das lutas pelo transporte, somos forçados a repensar a atuação política nas cidades e pensar em como dar continuidade as mobilizações.

Foi com esta questão em mente que, em São Paulo e Joinville, encampou-se a proposta de uma campanha pela Tarifa Zero. A ideia é avançar da pauta reativa nos transportes e partir para uma agenda propositiva.

Desta maneira, o transporte não seria discutido apenas no momento do aumento, mas passa a ser um campo de mobilização permanente. Além disso, a proposta de Tarifa Zero ataca a lógica de exclusão no transporte e propõe que ele se organize em novas bases.

Em São Paulo, foi elaborado um projeto de iniciativa popular que, construído com o esforço militante, garante que a campanha não seja vinculada a nenhum parlamentar ou grupo, mas seja uma construção de diversas pessoas, grupos e movimentos.

A iniciativa popular possibilita que a discussão do modelo de transportes seja feita nas ruas, diretamente com as pessoas. Além disso, o processo de coleta de assinaturas constrói uma mobilização da sociedade, que será necessária se pretendemos aprovar o projeto.

A campanha de Tarifa Zero é algo que está sendo construído junto aos diversos movimentos que atuam na cidade e é só assim que poderá ser vitoriosa, pois a luta pelo transporte é um meio de acesso aos demais direitos.

Por exemplo, para ter acesso a saúde de maneira integral não basta que o posto de saúde tenha os profissionais especializados, bem remunerados, que não faltem remédios e equipamentos; é necessário também que o usuário consiga chegar até o equipamento de saúde e este acesso depende do uso do transporte, o deslocamento tem um custo, que é agravado nos atendimentos que dependem da ida regular aos equipamentos de saúde, como os fisioterápicos e fonaudiológicos.

Para ir a qualquer museu, centro cultural, exposição de arte, ou peça de teatro o trabalhador deverá pagar seis reais, então, mesmo que a atividade seja gratuita, ela é vedada muitas vezes aos que gostariam de assisti-la pela dificuldade de locomoção. Assim, as artes ficam interditadas para uma parcela significativa da população.

O acesso efetivo à cidade, em sua plenitude, só pode ser obtido com a ampliação dos limites impostos à nossa mobilidade urbana e, para isto, é necessário que o transporte seja verdadeiramente público, ou seja, que todos possam usá-lo sem restrições.

Evidentemente, a possibilidade de chegar aos diferentes espaços de uma cidade não irá fazer com que estes espaços sejam planejados e construídos pensando no bem-estar dos trabalhadores; tampouco irá garantir que políticas de saúde, cultura, educação e moradia sejam concretizadas, respeitando os anseios da população. Mas este acesso permite a observação e reflexão sobre este espaço, aclarando as contradições presentes na cidade.

A coleta das 500 mil assinaturas de eleitores paulistanos, necessárias para que o projeto seja encaminhado para a Câmara dos vereadores, não será uma tarefa fácil. Será necessária uma ampla unidade dos setores progressistas que devem se articular e se por em luta a partir de uma demanda concreta da população.

A implementação da Tarifa Zero significa uma subversão da lógica pela qual a cidade está organizada, pois inverte a prioridade dada ao transporte individual para priorizar o transporte coletivo e garantir a mobilidade urbana daqueles e daquelas que constroem a cidade e que devem ser elementos ativos na transformação desta.



Lucas Monteiro é mestrando em História pela Universidade de São Paulo (USP) e é militante do Movimento Passe Livre


Caros amigos 

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