quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Viver não é brincadeira, não



Migliaccio

"Eu não me suicidei, eu parti para junto de Deus. Fiquem cientes que não bebo e não uso drogas, eu decidi que já fiz tudo que podia fazer nessa vida. Tive uma vida linda, conheci o mundo, vivi em cidades maravilhosas, tive uma família digna e conceituada em Esteio, brilhei na minha carreira, ganhei muito dinheiro e ajudei muita gente com ele. Realmente não soube administrá-lo e fui ludibriada por pessoas de má fé várias vezes, mas sempre renasci como uma fênix que sou e sempre fiquei bem de novo. Aliás, eu nunca me importei com o ter. Bom, tem muito mais sobre a minha vida, isso é só para verem como não sou covarde não, fui uma guerreira, mas cansei.

É preciso coragem para deixar esta vida. Saibam todos que tiverem conhecimento desse documento que não estou desistindo da vida, estou em busca de Deus. Não é por falta de dinheiro, pois com o que tenho posso morar aqui, em Floripa ou no Sul. Mas acontece que eu não quero mais morar em lugar nenhum. Eu não quero envelhecer e sofrer. Eu vi minha mãe sofrer até a morte e não quero isso para mim. Eu quero paz! Estou cansada, cansada de cabeça! Não agüento mais pensar, pagar contas, resolver problemas... Vocês dirão: Todos vivem!!! Mas eu decidi que posso parar com isso, ser feliz, porque sei que Deus me perdoará e me aceitará como uma filha bondosa e generosa que sempre fui."

Essa carta foi deixada pela atriz Leila Lopes, que no último dia 2 foi encontrada morta em sua casa, aos 50 anos.

Entrevistei Leila duas vezes, a primeira em Ilhéus (BA), onde fui cobrir as gravações da novela Renascer, em 1993. Ela estava felicíssima com o sucesso de sua personagem, uma professorinha muito gentil. Só falava no carinho dos fãs, das crianças nas ruas.

A fama repentina na TV mexe muito com a cabeça das pessoas. De uma hora para outra, você passa de pessoa comum, anônima na multidão, a alguém que é adulado em todos os lugares que vai, merecedor de favores, gentilezas, tietagem etc. Colocam você acima dos normais.

Quando o sucesso vai embora, aí é que se vê quem tem estrutura, quem não se deslumbrou com aquela ilusão ou quem sabe descer do Olimpo de volta à sua condição de reles mortal.

Porque ninguém é um sucesso, nem o artista mais famoso, nem o craque do campeonato, nem o piloto recordista de vitórias. Logo virá outra novela, outro galã, um jogador em melhor forma, outro piloto mais arrojado.

Na segunda vez que entrevistei Leila Lopes, foi por telefone, ela estava em São Paulo, se não me engano, e eu no Rio. Notei na sua voz e nas suas colocações que ela havia achado que sua posição no Olimpo televisivo seria defintiva. Havia um certo inconformismo, uma tentativa de, em cada resposta, resgatar uma imagem de estrela que havia ficado para trás.

Acho que ela nunca se conformou.

Toda vez que vejo uma pessoa idosa, sinto uma profunda admiração por ela. Viver não é para qualquer um. É preciso muito equilíbrio, certeza do caminho que se quer seguir e discernimento para perceber o que realmente tem importância na vida. Chegar à idade madura sem perder a batalha para o próprio ego e redescobrindo em cada fase as coisas boas da vida é uma arte.

Para poucos.

Fico arrepiado quando vejo um idoso que sempre foi pobre e nunca se corrompeu, que manteve sua decência apesar de todas as muitas intempéries que enfrentou. Sinto vontade de dizer a ele o quanto o admiro.

Como senti quando entrevistei o compositor Carlos Cachaça, numa casa humilde no Morro da Mangueira. Lá estava aquele homem nonagenário, quase surdo, mas extremamente digno e honrado, me dando lições sobre a vida e talvez sem a noção exata de o quanto ele foi grande, não só como artista, mas como ser humano.

Jornal do Brasil

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