Eu confesso: durante 11 anos possui um automóvel e fui um autólatra. Não conseguia ir até o supermercado da esquina sem entrar no meu automóvel particular. Com essa máquina feita para emitir C02, fui quase todos os dias para o trabalho, zanzei todo final de semana e até onde não precisava ir eu fui.
Gastei com o automóvel o dinheiro que poderia ter dado à minha família e abandonei por completo o uso dos transportes públicos. Deixei o carro me impor o ritmo da minha vida. Fui um autólatra, essa réstia da civilização do automóvel e do combustível fóssil.
Mas, nesta terça-feira (dia 22, coincidentemente, o Dia Mundial sem Automóveis), completei meus primeiros 30 dias sem dirigir um carro.
Tenho a sensação de alívio. Paguei para me ver livre desta droga que consumia meus centavos e sujava o planeta. Agora, sem me desconcentrar em engarrafamentos intermináveis, estacionamentos impagáveis,
flanelinhas impunes, e IPVA, seguro e gasolina extorsivos (e buracos, buracos e buracos), finalmente viajo de trem, metrô e de táxi.
Levo minha filha à escola e vou conversando com ela. Não rasgo mais a garganta xingando o motorista ao lado, que dirigia seu automóvel de forma tão estressada quanto eu.
Foi assim que o autoolismo me consumiu nestes anos de vicio. Aliás, o autoolismo é o vício que mais assassina gente no planeta. Todos os dias, só no Brasil morrem, segundo o estudo "Morte no Trânsito:
Tragédia Rodoviária", 35 pessoas. Outras 417 saem feridas e, destes, 30 perdem a vida em decorrência do acidente.
No total, por ano 42 mil pessoas são vítimas de acidentes com automóveis; 24 mil morrem em razão de acidentes nas estradas; 13 mil falecem no local do acidente e 11 mil são feridos graves que morrem posteriormente. Isso apenas para contabilizar as perdas diretas.
É impossível calcular a quantidade de vidas abatidas pelas emissões dos automóveis, que produzem as mudanças no clima do planeta.
Hoje, livre do autoolismo, melhoraram a minha saúde financeira e a saúde moral. Com o uso do transporte coletivo e do táxi, gasto 60% menos com transporte todos os meses. Meu automóvel próprio deixava
mensalmente R$ 80 no aluguel da garagem, outros R$ 80 de IPVA e mais R$ 85 de seguro.
Um tanque de gasolina por semana me levava R$ 460 ao mês. Entre flanelinhas ilegais e a flanelagem oficial da Prefeitura do Rio, eram-me extorquidos outros R$ 100. Custo total do vício: $ 805.
Ainda ficavam de fora os gastos, imprevisíveis, com o transporte do e para o estacionamento do automóvel (vagas no Centro do Rio de Janeiro escasseiam aceleradamente), multas (a indústria dos pardais da
Prefeitura opera desregulada e livremente), além da manutenção e limpeza.
Tudo isso elevava o orçamento final com o vício a cerca de R$ 1 mil/mês, ou R$ 12 mil anuais – valor da anuidade de um dos melhores colégios particulares de 1o grau do Rio.
Após largar o vício do automóvel, minha moral também melhorou. Não me sinto mais tão vítima da política hipócrita com que se trata a praga do autoolismo no Brasil – semelhante à estratégia de combate ao tráfico de cocaína.
Pune-se o usuário final com Leis Secas (radicalmente necessárias para reprimir a dobradinha mortal álcool + direção), enquanto a sociedade franqueia e estimula amplamente o consumo de bebidas alcoólicas (inclusive a menores), mas não melhore o péssimo sistema de transportes públicos. Eles são tão piores quanto mais pobre e moradores de bairros mais distante são seus usuários.
Conivente, o governo federal não elabora uma política pública para o transporte público metropolitano, mas derruba o Imposto sobre Produtos Industrializados para os fabricantes de automóveis, quase todos
instalados na sua base eleitoral.
É assim que o autoolismo assassina impunemente. Mas eu, pelo menos, já consegui me curar do vício do automóvel.
Carlos Tautz é jornalista
Blog do Noblat
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