quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Battisti e o Supremo Tribunal Federal:



È preso político sim.!

Não gosto de quem quer ganhar um debate na ida e na volta. O Supremo está a caminho de enviar Cesare Battisti para a Italia, atendendo a um pedido de extradição do governo daquele país. Não vou entrar no mérito dessa discussão.
Mas o ministro da Justiça Tarso Genro tem razão quando diz que Battisti é um preso político no país.
Sinto muito se essa idéia envergonha muitas pessoas, mas é isso mesmo. Tenho certeza de que essa afirmação incomoda a formação democrática de muita gente. Mas acho bom encarar esse debate e entender suas conseqüencias.
Com honestidade: Battisti foi acusado e condenado por crimes violentos e selvagens. Mas é impossível, pelas leis e costumes do Brasil, classificá-los como crimes comuns, aqueles que são praticados em busca de benefícios pessoais.
A distinção entre os dois crimes sempre foi feita em nosso país, inclusive durante o regime militar, tão pródigo em atos contra as liberdades fundamentais. Naquela época, os militantes de organizações armadas cometeram atos que fizeram vítimas, muitas fatais. A descrição de algumas mortes contém detalhes lamentáveis e horrorosos.
Nem por isso seus autores — aqueles que tiveram a felicidade de escapar das execuções sem julgamento — deixaram de ser considerados criminosos políticos e de receber o tratamento correspondente. Eram julgados em tribunais especiais, recebiam penas específicas e assim por diante.
Essa distinção permanece até hoje, como esclarece a juiza Maria Lucia Karam, em artigo já publicado aqui:
“Conforme o direito brasileiro (que, nesse ponto, é diferente do italiano), os crimes praticados por Battisti são sim políticos. Havendo motivação política (como havia nas ações das Brigate Rosse ou outras organizações semelhantes), quaisquer crimes, inclusive homicídios, podem ser tidos como políticos. ”
Essa distinção chega à Constituição de 1988, chamada de cidadã. Ali se diz, no capítulo dos direitos fundamentais: “Não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião.”
Verdade que há jurisprudência, no Brasil, para tratar um crime político como um ato da mesma natureza de um crime comum. Mas é útil conhecer sua origem.
Trata-se da lei 6815/80. Ali se diz que o STF poderá deixar de considerar crimes políticos “os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social”.
O problema é que a Lei 6815/80 nada mais é do que a célebre Lei dos Estrangeiros do regime militar, um desses entulhos frequetemente denunciados pelo pensamento democrático. Foi elaborada quando as ditaduras do Cone Sul procuravam agir de forma coordenada, perseguindo refugiados políticos e promovendo a troca de prisioneiros. Era mais prático, mais ágil e menos custoso, do ponto de vista dessas operações, tratar todos os crimes de forma igual.
Não é de admirar que, pelo texto da lei 6815/80, até “atos de anarquismo” e de “propaganda de guerra ou processos violentos para subverter a ordem política ou social” podem deixar de ser considerados crimes políticos.
Não quero discutir o voto de cada ministro do Supremo, como disse no início. Também não quero amenizar os crimes pelos quais Battisti foi condenado.
Não tenho competência jurídica para tanto.
Mas duvido que uma lei elaborada com o objetivo de restringir as liberdades públicas e facilitar ações repressivas, muitas ilegais, seja o melhor caminho para se distingir o que é crime político — e o que é crime comum. Até porque, como diz Maria Lucia Karam, depois de 1988 essa lei “não se adequa ao texto constitucional.”

Paulo Moreira leite

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