segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Os dilemas e as trincheiras do PT





Cada vez mais, ganham contornos de patrulha ideológica as “acusações” de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua reta final, e uma eventual administração futura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, promoveriam uma suposta “guinada à esquerda” em relação ao que foi a gestão petista do Palácio do Planalto nos últimos sete anos. Iniciativas claramente direcionadas para dar uma satisfação ao sindicalismo e aos movimentos sociais alinhados, mas sem nenhuma preponderância na agenda e nos planos do governo – como o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos e inúmeras conferências setoriais, além de esboços embrionários de plataformas de campanha – são apontadas como evidências cabais deste ímpeto que estaria tomando as tropas petistas, incluindo seus comandantes.

Não é difícil perceber, é verdade, que de fato existe algum nível de incômodo dentro do PT com as diferenças gritantes entre o que foi o governo Lula e o projeto histórico do partido. Em geral, essa inquietude é abafada pelos elevados índices de aprovação da administração, e a reconciliação da realidade atual com as visões do passado é realizada por meio de uma artificial subordinação das opções políticas do partido a circunstâncias externas. Por meio dessa manobra, os petistas são capazes de reconhecer os avanços do governo Lula ao mesmo tempo em que se isentam de maiores responsabilidades sobre aqueles que não foram produzidos. No último caso, invariavelmente, a culpa recai sobre fatores como as transformações econômicas globais, as resistências na sociedade brasileira e a necessidade de se manter a governabilidade e a estabilidade econômica.

Contudo, se os impulsos esquerdistas que ainda são nutridos dentro do PT realmente estão em busca de uma maneira de se desvencilhar dessas algemas, ainda não está claro de que maneira irão se manifestar. Por enquanto, as políticas mais avançadas do governo neste sentido não constituem nenhuma espécie de “guinada”. Ou fazem parte de um conjunto de iniciativas consideradas estratégicas cuja implantação já está em andamento há alguns anos, como os programas de transferência de renda e a valorização do salário mínimo, ou foram oportunidades de reconfiguração das diretrizes administrativas surgidas a partir de eventos pontuais e extraordinários, como o viés mais estatizante do marco regulatório do pré-sal com a descoberta das bacias de petróleo ou a redução brutal do superávit primário com a crise econômica.

O mistério continuará, pelo menos, até que a plataforma de campanha de Dilma esteja pronta, ou apenas quando a ministra, se eleita presidente, der os primeiros passos de seu governo. Por enquanto, os indícios não apontam para tal guinada. Primeiro, dirigentes petistas se apressam para garantir que o compromisso com a responsabilidade fiscal será mantido. Curiosamente, colocam é o PSDB – principalmente depois das declarações do presidente nacional dos tucanos, senador Sérgio Guerra (PE), afirmando que o partido promoveria mudanças na política econômica – como uma ameaça à estabilidade. Uma inversão de papéis inimaginável poucos anos atrás. Segundo, o ex-ministro e deputado federal Antônio Palocci (SP), eixo do conservadorismo econômico no primeiro mandato de Lula, já abriu mão de maiores pretensões eleitorais para participar ativamente na campanha da ministra.

Por fim, qualquer programa de governo de Dilma envolverá, também, a decisiva contribuição do PMDB, pouco ou nada afeito a eventuais aspirações mais agudas do PT, além da aprovação do eleitorado brasileiro nas urnas.

O mais provável, portanto, é que os atuais pilares do lulismo sejam mantidos com Dilma, que por sinal se apresenta incansavelmente como uma continuidade deste, com um ou outro ajuste onde o PT desejar, enxergar brechas e entender for possível.

Seria a tão famosa “guerra de posições” teorizada pelo marxista italiano Antonio Gramsci? Se for, pelo ritmo atual, levaria décadas para o partido desafiar trincheiras que seus críticos hoje alardeiam estarem sob bombardeio.

Por Raphael Bruno
Jornal do Brasil

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