terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

As tendências do jogo político e o PT



Como dificilmente deixaria de ser, o 4º Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, realizado em Brasília, foi decisivo para o futuro a curto e médio prazo da política brasileira. A importância do evento vai além do peso que o partido tem na dinâmica do poder nacional. Também é maior do que a esperada confirmação da indicação da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como pré-candidata da legenda à sucessão presidencial. A centralidade do encontro está no que ele revelou de tendências para as próximas etapas do jogo político.

Dois fatores que podem ser deduzidos do congresso merecem destaque. Um diz respeito à qualidade do terreno no qual se assentam as alianças político-partidárias. Ao formular diretrizes claras para a elaboração do programa de governo de Dilma, o PT deu o passo inicial para que a coalizão de um eventual administração de Dilma esteja fundamentada, também, na execução de plataformas comuns, ao invés de permanecer pautada apenas pelo mero jogo de liberação de recursos e ocupação de cargos no aparelho estatal, mecanismos que, até então, caracterizaram a parceria do partido com o PMDB. Agora, cabe à legenda aliada apresentar os seus pontos programáticos e negociá-los com o PT e o restante dos partidos que irão apoiar Dilma. O resultado desse acordo deve ser sintetizado num programa que irá balizar as relações da coalizão governista. É evidente que isso não significará o fim das quedas de braço pelo controle de feudos estatais. Mas é um importante avanço no sentido de fornecer subsídios mais sólidos e doutrinários para a formação de alianças.

O outro elemento de fundamental relevância é a sinalização de que um governo Dilma tende a estar mais à esquerda do que o realizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E não são somente as diretrizes aprovadas pelos delegados petistas que indicam esse realinhamento das forças políticas. É um conjunto complexo de variáveis que envolve desde o perfil ideológico da aliança que sustentará Dilma até o papel que a liderança do presidente Lula exerce na política nacional e, mais especificamente, nos rumos do PT.

A guinada não será radical, como alguns setores adversários temem. A própria Dilma fez questão, em seu discurso de aceitação da pré-candidatura frente à plateia petista, de reafirmar a importância da estabilidade macroeconômica, do controle da inflação e do equilíbrio fiscal. Com exceção de diminutos grupelhos internos, o compromisso do PT com a economia de mercado é definitivo. Isso não impede, contudo, que os petistas vislumbrem a oportunidade de realizar, caso Dilma vença, reformas que entendem necessárias e que foram deixadas de lado por Lula.

Como o lulismo, enquanto fenômeno eleitoral e político, se tornou maior do que o próprio PT, o conjunto do partido foi levado a uma posição de subordinação ao pragmatismo quase absoluto que o presidente adotou em benefício da governabilidade e do sucesso eleitoral. E, do alto de sua popularidade e liderança, Lula fez valer sua vontade, mesmo nos poucos casos em que ela entrou em choque com as preferências de setores relevantes do partido, como na derrota da equiparação do reajuste das aposentadorias ao do salário mínimo e no apoio decisivo do partido ao senador José Sarney (PMDB-AP).

Além disso, os ímpetos reformistas do PT não devem enfrentar, nas negociações com os aliados, rivalidade significativa das propostas do PMDB, um partido que está longe de oferecer o mesmo nível de densidade programática do PT, por mais que esteja se preparando para tentar fazer justamente isso. Os peemedebistas, certamente, exercerão poder de veto sobre algumas medidas. A ala ruralista da legenda, por exemplo, não aceitará a atualização dos índices de produtividade para fins de desapropriações de estabelecimentos rurais, como sugerido pelos petistas para acelerar a reforma agrária. Outras diretrizes do aliado, contudo, serão reforçadas pela vontade dos demais partidos da coligação de Dilma, como a redução da jornada de trabalho, medida vigorosamente apoiada por PDT e PCdoB. E assim, nesse delicado embate de plataformas, um ligeiro deslocamento do eixo político para a esquerda se desenha. Resta saber se os eleitores apreciarão a gravura final.

Raphael Bruno
Jornal do Brasil

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