segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A estruturalidade em Marx e o mito da ‘crítica ao burguês malvado’

Sádico maníaco ?
nairuslobatev

Algo bastante comum nas críticas pejorativas a teoria de Karl Marx, seria a ideia de que este visualizaria, em sua essência, uma problemática moral e individual. Em outras palavras, que Marx acreditaria que os problemas apontados por ele no sistema capitalista, se dariam pela índole das pessoas – nas quais o capitalista seria um indivíduo inerentemente malvado que explora seus trabalhadores por ser praticamente um sádico maníaco, ou que toda a sua teoria e crítica contra o capitalismo se baseiam em uma mera visão moral pueril e inocente, de que há um ‘patrão malvadão’. Esquecem, no entanto, que a perspectiva de Marx é estrutural – e radicalmente oposta a uma crítica individual e moralizante.



Obviamente Marx criticou a classe burguesa, e registrou abusos desta em relação aos trabalhadores, principalmente nas perspectivas de ‘O Manifesto Comunista’ e o ‘O Capital – Volume 1’. Porém, não há a afirmação de que o problema sistemático, ou seja como uma análise estrutural das relações sociais, seja a moral individual ou a maldade dos indivíduos. Ao contrário, em diversas ocasiões, Marx mostra (mesmo que em uma abordagem, nas palavras de Jon Elster, ‘deveras funcionalista’) que o que era chamado por ele de a ‘lógica do capital’, a própria lógica da concorrência da lei de um período histórico numa sociedade produtora de mercadorias e dominada pelo o capital, ou seja, exercida pelo o que ele chamava de Lei do Valor, ou então ‘a lei da produção mercantil’ (a ‘sociedade do mercado’ nas palavras de Karl Polanyi’), acabava por exercer o que ele chamava de coerções mudas nos indivíduos da classe capitalista, de forma a adotarem as medidas e formas que são caracterizadas como exploratórias de força de trabalho no framework teórico marxista.



Dessa forma, há estruturalmente um conflito inerente de interesses e intercalação de preferências e prioridades para a maximização de recursos e bem-estar entre indivíduos de uma classe e outra; a este conflito estrutural e inevitável dada as próprias condições materiais, que se manifesta e desencadeia consequências políticas, econômicas, e sociais, se tem o nome de luta de classes.



A mudança reivindicada, nesse sentido, acaba por se dar contra o interesse estrutural daquela classe, cujo o seu fundamento se encontra na perpetuação da Lei do Valor, que tem sua raiz na propriedade privada dos meios de produção, que garante aos capitalistas essa posição estrutural. Veja que, em nenhum momento, Marx supõe que há indivíduos inerentemente malvados. Em verdade, o próprio capitalista, em uma visão estrutural e totalizante, é um refém das coerções mudas advindas das condições materiais do próprio sistema capitalista, mesmo sem perceber. Na visão marxista clássica, a humanidade (como um todo) se perde, e se aliena, em suas próprias abstrações, sendo como fantoches nas mãos deste sujeito – o capital.



O Capital acaba se tornando o sujeito econômico e social invertido da relação, substituindo o ser humano-social; este, subjuga até mesmo a classe capitalista, através da Lei do Valor, como um Deus Furioso que exige dos seus súditos, vários sacrifícios em um altar. A esta inversão que acontece entre sujeito e capital, essa inversão onde as coisas parecem ganhar vida própria graças a falta de controle do ser humano sob a produção e reprodução de suas categorias na sua própria vida social, essa inversão onde o sujeito vira a mercadoria e a mercadoria vira o sujeito, ganhando vida própria (tal como o é o dinheiro, por exemplo, no que Alfred Sohn-Rethel chamou de ‘abstração real’), dá-se o nome de Fetichismo da Mercadoria.



Marx explicita perfeitamente tal ideia logo no prefácio de seu livro, demolindo de vez a ideia de que este acreditava em uma crítica moral aos indivíduos, sendo na verdade, a sua crítica um estudo pontual e claro acerca de um problema estrutural, tal como pode ser checado abaixo:



“Uma palavra para evitar possíveis equívocos. Não foi róseo o colorido que dei às figuras do capitalista e do proprietário de terras. Mas, aqui, as pessoas só interessam na medida em que representam categorias econômicas, em que simbolizam relações de classe e interesse de classe. Minha concepção do desenvolvimento da formação econômico-social como um processo histórico-natural exclui, mais do que qualquer outra, a responsabilidade do indivíduo por relações das quais ele continua sendo, socialmente, criatura, por mais que, subjetivamente, se ache acima delas.” (Prefácio O Capital I – 1867)



Reflexõesparaoamanhecer



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