sexta-feira, 6 de maio de 2016

“Vai ter luto e luta, ou não vai ter nada"


Ou seja, a Fortuna existe. Será preciso ter 'virtù'. Entrevista especial com Rodrigo Nunes

“Mesmo quem é profundamente crítico a este governo, como eu, precisa entender que o impeachment não foi só contra o governo; pela situação e o precedente que cria, ele foi contra todos nós”, diz o filósofo.

Extrato:

Força social

Se a questão central é a força dos movimentos relativamente aos partidos, a capacidade dos primeiros de manter os segundos sob controle, fica claro porque a relação monogâmica com o PT tornou-se deletéria.

 
Nos EUA se descreve a lógica dos democratas centristas, como os Clinton, como ‘they have nowhere to go’: eles se deslocam continuamente à direita porque calculam que a base social do partido não tem outra opção senão votar neles. Que frase descreveria melhor a relação que os mandatos de Dilma tiveram com a base histórica do PT, para nem falar dos indígenas ou de junho de 2013?

Os próximos tempos serão, acredito, de “promiscuidade virtuosa” entre movimentos e partidos. Ninguém comprará mais um pacote fechado; as negociações acontecerão pontualmente, tratando o representante como uma parte num contrato com os representados, não alguém a quem se deve gratidão. A monogamia acabou. E isto passará pela construção de novos quadros tanto dentro dos movimentos quanto dentro do sistema representativo, num processo que tende a se mover da escala mais local para a mais geral. Os primeiros sinais disto já devem aparecer nas próximas eleições municipais. Sou bastante simpático à ideia de um novo municipalismo de grupos como o Cidade que Queremos, de Belo Horizonte.

É quase certo que entraremos num período de reorganização do sistema partidário brasileiro. Já para a esquerda, este processo é inevitável: a reorganização deve ser profunda e tende a ser longa. É justamente por isso que não se deve desesperar: buscar atalhos só faz retardar o processo. Se a caminhada é longa, mas necessária, o melhor a fazer é começar de uma vez. Ao mesmo tempo, não se deve ter medo de experimentar – onde “experimentar” não quer dizer “fazer qualquer coisa”, mas “trabalhar com hipóteses”: desenvolvê-las, testá-las, corrigi-las, refiná-las. Porque estes processos nunca são lineares, e aquilo que hoje pode parecer levar uma eternidade, amanhã pode dar um salto inesperado. É fazer o luto daquilo que se perdeu e seguir trabalhando.


IHU On-Line – Será possível conciliar o luto e a organização?

Rodrigo Nunes - É absolutamente essencial fazer o luto do projeto petista para seguir em frente. Neste sentido também o impeachment é ruim, porque retarda este processo. Para sobreviver em meio a uma crise econômica e política, o governo Dilma teria de continuar fazendo concessões cada vez maiores; o ônus de uma série de medidas impopulares cairia exclusivamente em seus ombros. Agora, o PT não apenas aparece como vítima de uma injustiça ou ilegalidade, como poderá opor-se a tudo aquilo que provavelmente faria, caso continuasse no poder.

“Fazer o luto” é entender que não vamos voltar a 2002, que o pacto lulista não é mais possível. É pensar daqui para frente, com as condições e forças que há. É fazer a crítica dos erros cometidos, mas sem antipetismo, que é apenas o simétrico inverso da miopia governista, nem ressentimento, que é a incapacidade de definir-se para além da negação do que se critica. É acabar com fantasias do tipo “guinada à esquerda”, “o Lula voltou” etc. É repensar propósitos, práticas organizativas, táticas de luta, sem deixar de aprender com o que se fez, mas sem apegar-se a identidades passadas.

É, em geral, não ter medo de abandonar o passado, nem permitir que os traumas nos impeçam de instituir um futuro. É construir a própria força para desenvolver outro tipo de relação, soberana, com os representantes. Ninguém melhor que as periferias brasileiras, que vivem o desencanto desde sempre, para dar a definição desta condição: é “nós por nós”, pensando sempre em como fazer para ampliar este “nós”.

“Luto”, para Freud, não é o contrário de “alegria”, mas de “melancolia”. E o que é a melancolia? É a incapacidade de abrir mão do objeto perdido; é preferir padecer a abandonar aquilo que se amou.

Talvez a grande metáfora do luto na cultura brasileira seja uma imagem da final da Copa de 1958. O Brasil sofre um gol logo no início; Didi vai buscar a bola, bota-a debaixo do braço, caminha com toda calma para o centro do campo, joga-a no chão e recomeça a partida. Luto é isto.

Já o colapso emocional da seleção brasileira após o primeiro gol da Alemanha no 7 a 1 – aquilo é melancolia. E se não sairmos da melancolia e voltarmos a organizar, o que vem por aí tende a ser um 7 a 1 ainda pior.

Vai ter luto e luta, ou não vai ter nada.

 


Unisinos

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