quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A solidão coletiva de mulheres presas



Alice Marcondes


As prisões são um universo paralelo, onde as pessoas vivem sua solidão em relações baseadas no medo, na violência e na angústia das incertezas.

Quando iniciou sua atuação em uma penitenciária feminina da cidade de São Paulo, a psicóloga Fernanda Cazelli Buckeridge, do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo (USP), não tinha como objetivo analisar o cotidiano das presas, porém, a convivência atraiu seu interesse para o assunto. De sua participação durante um ano em oficinas psicossociais realizadas por uma ONG, surgiu a pesquisa “Por entre as grades: um estudo sobre o cotidiano de uma prisão feminina”, que teve como resultado um retrato da realidade de solidão que preenche o dia a dia das detentas.

“São muitas mulheres que estão juntas e sozinhas ao mesmo tempo. É unânime um sentimento de que não se pode confiar em ninguém. 




Talvez a posição de sigilo que tínhamos nas penitenciárias tenha sido um fator estimulante para que elas se abrissem mais. Percebemos que casos de amizades construídas lá dentro são muito raros. Devido ao ambiente de violência em que vivem, elas têm sempre a preocupação de não demonstrar fraqueza, o que dificulta a criação de vínculos. Evitam chorar e não se sentem a vontade para expressar suas opiniões, até por medo de facções criminosas dominantes. As únicas situações em que vimos quadros diferentes foram nos momentos em que alguma delas estava com problemas de saúde ou em trabalho de parto. Nestas situações, elas demonstram solidariedade umas com as outras”, comenta a psicóloga.

As detentas são em sua maioria jovens, com idades entre 18 e 30 anos, e de uma classe social baixa. O tipo de crime que as levou para lá varia bastante, mas os mais comuns são tráfico de drogas e tentativa de entrarem em prisões masculinas com artefatos para seus maridos. “O fato de muitas delas terem seus companheiros também detidos influencia em outro ponto que agrava a situação de solidão, que é o baixo número de visitas que elas recebem. Porém, mesmo quando não estão presos, não é comum que os parceiros estejam presentes. Os filhos também não são comumente vistos, pois a maioria delas prefere assim. Temem passar um mau exemplo, acreditam que não é um bom ambiente e consideram o procedimento da revista muito invasivo. Isto faz com que os laços com o mundo exterior sejam enfraquecidos. Sem ter como amenizar a situação por meio de novas amizades, elas sentem-se solitárias”, diz Fernanda.

Outra situação diagnosticado pela pesquisa foi o forte sentimento de angústia demonstrado pelas detentas que ainda não foram julgadas. “É muito difícil para elas não saber quanto tempo ficarão lá. Depois que são julgadas e têm uma sentença, esta aflição passa e fica mais fácil para elas encararem a situação”, lembra a pesquisadora.

Para Fernanda, um dos pontos mais importantes de sua pesquisa é a humanização da questão. “É muito comum que essas mulheres sejam enquadradas pela sociedade em estereótipos extremistas. Ou elas são vítimas e cometeram crimes porque não tiveram escolha, ou têm uma natureza ruim e merecem castigos severos. Porém, a convivência nos mostra que esta teoria não se sustenta. É preciso entendê-las individualmente. A pesquisa levanta pontos relevantes que deveriam ser considerados. Ao mesmo tempo em que fala-se tanto em direitos humanos, existe também uma parcela da população que pede castigos mais rígidos. A sociedade deveria encarar essas presas de maneira humana, pois isso facilitaria um melhor entendimento sobre o contexto social em que vivemos”, conclui a psicóloga.


(Envolverde)

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