segunda-feira, 14 de maio de 2018

Uma grande aliança em torno de um programa reformista democrático.

“Vejo nossa democracia balançar’”

Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea, na Universidade Federal Fluminense, autor de Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedade e Ditadura e Democracia no Brasil (Zahar), fala sobre as esquerdas no Brasil e o quadro de pré-candidatos à presidência da República.


1 - Como militante da esquerda (PCdoB, MR-8 e PT), qual sua análise do momento político atual? A esquerda tem chances de voltar ao poder?

Duas observações preliminares:

- É preciso, sempre, flexionar a palavra “esquerda” no plural. Sempre houve e é provável que assim continue sendo (amém) várias esquerdas – socialistas e não socialistas; revolucionárias e reformistas; democráticas e autoritárias e poderíamos continuar...



- Em segundo lugar, fui militante de distintas esquerdas, mas nunca ingressei no PC do B, embora esta informação conste em algumas péssimas notícias biográficas a meu respeito.

- Um pouco de ego-história: comecei no velho Partidão, em 1965, mas entrei de costas, pensando em sair, ou seja, entrei para travar a “luta interna”, para “acumular forças”, na espreita de sair, o que ocorreria em outubro de 1966. Daí fiz parte, sócio fundador, da Dissidência Universitária da Guanabara/DI-GB (ou Dirce como alguns a chamavam, carinhosamente), mais tarde, Dissidência Comunista da Guanabara, sem dúvida, a mais charmosa organização revolucionária que este país já teve. Éramos poucos, mas éramos, ou nos considerávamos, bons, ou melhor, excelentes. Adicionalmente, éramos ousados, determinados, corajosos, autoritários e bonitos. Esta organização idealizou e realizou, com o auxílio da ALN (Ação de Libertação Nacional), a captura do embaixador estadunidense no Rio de Janeiro, em setembro de 1969. Para distrair a polícia política, assinou o manifesto com outro nome: Movimento Revolucionário 8 de outubro, que o Cenimar anunciava ter destruído nos meses anteriores. O nome colou e ficou. Mais tarde, o MR-8 efetuou tantas mutações... ficou tão semelhante à antiga DI quanto o bebê de Rosemary parecia com a própria Rosemary. Desliguei-me antes que isto acontecesse, quando do golpe que matou Salvador Allende.

Daí em diante perambulei por muitas articulações no exílio sem fim dos anos 1970 para, finalmente, ingressar no PT, do qual também fui sócio fundador. Devo dizer que meu entusiasmo pelo PT sempre foi moderado. Assim como a de um casal que fica junto por falta de alternativas. Mas as coisas foram ficando tão ruins que acabei me desligando em começos de 2005, quando escrevi uma carta para o então presidente do PT, José Genoíno, agradecendo a atenção e pedindo o boné. Saí sem dever nada, sem nada cobrar. E com a leve impressão de que “já ia tarde”, como na música do Chico Buarque.

Depois daí, e mesmo antes, já não podia me referir a mim mesmo como “militante de esquerda”. Claro, há muitos “revolucionários de salão” por aí que se autointitulam “militantes de esquerda”. Não é o meu caso, por honestidade intelectual e respeito próprio.

Considero-me hoje, e desde há muito, um intelectual de esquerda, livre-atirador, democrata radical e reformista revolucionário, no conceito forjado por Carlos Nelson Coutinho, lastimável e precocemente falecido, embora não queira comprometê-lo, ni mucho menos, com minhas análises e opções.

É, assim, nesta qualidade, de intelectual de esquerda, que passo a responder às suas questões.

Vejo o momento atual com grande preocupação e alguma angústia. A crise estrutural do sistema político (um cadáver apodrecendo a céu aberto); a descrença das gentes nos lideranças (sic) políticas; o governo patético de Temer; o caos das cidades – grandes e medianas – com o crescimento acelerado das milícias e do tráfico; a inoperância do Judiciário, envolvido numa guerra de egos, que finge ignorar o sistema falido em que nos encontramos; a crise econômica persistente, apesar de alguns respiros, magnificados maliciosamente pela grande mídia; os densos legados da ditadura, cujo período a sociedade sempre se negou a discutir; a indisciplina sequer repreendida de alguns chefes militares e mais o crescimento da disposição de muitos em votar Bolsonaro... tudo isto me inquieta e por isso tudo tenho dito que vejo nossa democracia “balançar”.

As esquerdas (sempre no plural) teriam condições de voltar ao governo? (No poder, a rigor, elas nunca estiveram) Em outras palavras, teriam condições de chegar à presidência da república? A hipótese está de pé, parece viável. Resta saber o seguinte: com que propósitos? Para repetir os governos de Lula-Dilma? Com suas alianças escabrosas, suas políticas de “gestão do sistema”, sua promiscuidade com empresários e políticos safadíssimos? Este é o preço indispensável para “chegar lá”? Esquerdas financiadas por grandes bancos e imensas empreiteiras? É disso que se trata? A isto estaremos condenados, pelas heranças desta “maldita América católica”?

Repetindo esta receita, dá para “chegar lá”, sem dúvida. Os anos Lula e o prestígio do ex-presidente, associado, e com razão, a tempos de prosperidade, harmonia social, conciliação e orgulho nacionais, indicam que a hipótese não pode ser descartada. Resta saber se vale a pena. Se isto é realmente indispensável.

Mas há alternativas. As esquerdas poderiam se articular, inclusive com forças centristas, em torno de um programa reformista democrático. O procedimento passaria, obviamente, por uma autocrítica do PT e dos lulistas. Uma espécie de refundação das esquerdas e do próprio PT. Uma grande aliança fundada na reforma do sistema político, na reforma do poder judiciário, no questionamento do modelo econômico legado pela ditadura, e que está aí, inteiro, infernizando as gentes e aprofundando as desigualdades. Seria uma lufada de esperança e de ar fresco na cafua empoeirada e azeda onde vicejam os Renans, os Jucás, os Temers e outros bolorentos. No contexto de fragmentação atual, daria para chegar ao segundo turno e, eventualmente, ganhar. Se sobreviesse a derrota, as esquerdas teriam acumulado uma preciosa base, para manter as lutas políticas e a possibilidade de mudanças pelas pressões sociais.



2 - Com o quadro que se apresenta de pré-candidatos à presidência da República será possível conquistar os eleitores que se propõem a votar nulo ou branco? Há alguma estratégia para reverter essa situação?

Defendo uma estratégia nos parâmetros indicados acima. No quadro atual, há vários políticos que poderiam encarná-la: Ciro, Marina, Hadad, Tarso Genro, Olívio Dutra, Manuela, Boulos, entre muitos outros. E mesmo que não houvesse possibilidade de unificar este arco desde o primeiro turno, o que me parece neste momento quase impossível, que estes candidatos não se massacrem mutua e deslealmente, como aconteceu em 2014. Que se aproximem, conversem, articulem-se para uma aliança no segundo turno, de forma transparente, regidos por um programa que aperfeiçoe e aprofunde nossa frágil democracia.

Se isto acontecesse, quem sabe, abriríamos um novo caminho, onde a esperança poderia voltar a despontar.


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