sábado, 5 de maio de 2018

O nosso circo de cada dia

Zander Navarro - Abril 2018

A vida me ofereceu fortunas inesperadas. Uma dessas alegrias foi ter a oportunidade de atuar como pesquisador em um país maravilhoso — a Índia. Lá, no entorno de Mumbai, a maior cidade do país, entrevistei um líder sindical rural. Sua base social era de aproximadamente 50 milhões de moradores do campo, os quais falavam quatro a cinco dialetos distintos entre si. Enfrentava uma dificílima ação organizativa.


Na conversa, citou um fato que jamais esqueci. Disse que nenhuma marcha até Nova Déli, ou outra forma de pressão realizada na capital, se reunisse menos de cem mil participantes, sequer seria notada, e nenhuma repercussão produziria. Esse era o número mínimo de pessoas envolvidas, caso o esforço realmente ambicionasse produzir efeitos concretos. Magro e vestido modestamente, como a maioria dos indianos, levou-me a pensar nas imensas dificuldades operacionais para mobilizar tal multidão e prepará-la para a ação sindical.



O comentário, contudo, era essencialmente prático, refletindo um aprendizado. Ou seja, o que o sistema político da Índia consideraria como razoável em termos de pressão pública que merecesse atenção? A Índia tem mantido uma democracia sólida e sem rupturas desde a sua independência, em 1949. Assim, foi enraizando a lição: o que acarretaria visibilidade, relativamente ao número de participantes e às inúmeras demandas sociais, em um país gigantesco e com tantos desafios? Com o tempo, todos, sobretudo a comunidade política, aprenderam o que seria aceitável ou, pelo contrário, o que deveria ser ignorado.



Observando o circo que é a política brasileira, a experiência indiana sempre vem à mente. Quando iremos consolidar o mesmo aprendizado? No episódio da prisão de Lula, por exemplo, ficamos sabendo que o MST teria fechado cinquenta rodovias. Foram indicados os locais e citados com ligeireza alguns detalhes, às vezes com fotografias. Nelas foi possível perceber pequenos grupos, com suas bandeiras e, ocasionalmente, pneus em chamas. Invariavelmente eram grupos diminutos. Alguns poucos policiais restaurariam a ordem naqueles locais, sem muito esforço e nem violência. Por que não o fizeram? Da mesma forma, na transformação do Sindicato de São Bernardo em “bunker de resistência” ou na manifestação em Curitiba que aguardava Lula, os presentes eram em número total quase desprezível. Sobretudo se tivéssemos desenvolvido a capacidade de definir, como na Índia, o que é razoável como pressão pública destinada a ativar a repercussão dos demais atores sociais, dos meios de comunicação, das autoridades e do sistema político.



Infelizmente, não é assim. Pequenos grupos parecem monopolizar a capacidade de interromper o curso normal da vida, nas ruas ou em outro âmbito, sem a reação esperada do Estado. A maioria dos cidadãos sente-se inquieta, pois se generaliza a sensação de insegurança, intimidação e de medo. A instabilidade do sistema estatal, da comédia em que se transformou o nosso maior tribunal à bagunça de um Congresso autista, também incluindo um deplorável Executivo às tontas — tudo corrói o padrão de moralidade que deveria nos orientar, como sociedade.



É esse estado de anomia social que ativa em parte a imprevisibilidade do vindouro pleito presidencial, pois atrai candidatos oportunistas. É incerteza decorrente de inúmeros fatores, da ruína econômica recente à desconfiança quase absoluta com o atual presidente e os espertalhões à sua volta. Como Temer lembra o personagem de O Cruzeiro, o Amigo da Onça, aquele é sentimento mais do que justificável para a geração mais velha. Mas a conjuntura também é incômoda porque certo segmento chamado de centrista parece ter sumido. Não existindo o vácuo na política, logo surgiram inúmeros aventureiros.



Ante esse contexto nebuloso, submeto uma brevíssima antevisão sobre as eleições de outubro, correndo todos os riscos. Lembrando que nunca fui filiado a partido algum e me sinto subjetivamente distante das brigas partidárias.



Vamos à previsão: esperneando como quiser, Lula está fora das eleições e o campo petista, que nunca foi exatamente “bom da cabeça”, parece ter surtado de vez, com suas espantosas maluquices. O espólio petista se distribuirá e seu candidato oficial não passará dos 12-15%. E quem irá ao segundo turno? Desconsiderem-se vários candidatos: Álvaro Dias obterá boa votação, mas circunscrita ao Paraná, e Ciro Gomes realizará o seu regular “voo de galinha”, se esborrachando logo a seguir. Esses precisarão suar a camisa para chegar aos dois dígitos.



Não me estenderei sobre Bolsonaro, um candidato intelectualmente indigente que não conseguirá superar a mesma barreira dos 15%. E o imaculado Joaquim Barbosa, mais adiante, acabará desistindo da aventura, logo irritado com o inacreditável rebaixamento da política brasileira. Os demais minúsculos candidatos, incluindo Henrique Meirelles e Rodrigo Maia, nem mesmo merecem algum comentário adicional.



Sobram Alckmin e Marina. Estarão no segundo turno. O primeiro irá invocar o que significativa proporção dos eleitores quer ouvir: ênfase na administração da economia seguindo os ritos conhecidos e comprovados, ressaltando que o pior da crise passou ao largo em seu estado; indicadores positivos de controle da violência e a promessa de estabilidade política. Se não for muito chamuscado pelas fagulhas da Lava-Jato, terá os votos para seguir para a etapa final. E para Marina, a equação é simples: começará com seu capital eleitoral fixo (13-17%) e amealhará outro naco, talvez similar, do campo petista, dos evangélicos e dos brasileiros seduzidos por sua aura de santidade. Ambos irão para a refrega decisiva.



Quem será escolhido? Se não existir o jogo sujo, como na eleição passada, minha mera intuição é que teremos outra mulher na cadeira presidencial.


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Zander Navarro é sociólogo e pesquisador em Ciências Sociais

Gramsci Brasil


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