quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O ataque dos poderosos contra o direito dos desfalecidos



Átila da Rold Roesler
Juiz do Trabalho

Eis que surge uma crise econômica no panorama mundial e os poderosos novamente direcionam as suas armas para a cabeça dos trabalhadores, ameaçando-os em seus direitos fundamentais básicos. Assim tem sido: o projeto de lei que amplia a terceirização precarizando as condições de trabalho[1]; o corte orçamentário da Justiça do Trabalho para o ano de 2016, bem como sobre a motivação externada pelo Sr. Relator do PLN 07/2015, deputado federal Ricardo Barros (PP/PR)[2]; o projeto de lei 3842/12, do deputado federal Moreira Mendes (PSD/RO), que exclui o conceito de condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva do artigo 149 do Código Penal, que trata do trabalho escravo[3]; as matérias e reportagens veiculadas por setores da mídia culpando o direito e o processo do trabalho pelas mazelas da economia[4]; entre outras manifestações nefastas[5].

Até aqui, nenhuma novidade: “não é casual, aliás, que isso sempre apareça nos momentos em que os porta-vozes do capital não conseguem esconder a sua incompetência para autogerir as crises que ele próprio causa”, como dito por Guilherme Guimarães Feliciano e Carlos Eduardo Oliveira Dias[6].

É preciso compreender que o direito do trabalho se apresenta como um ramo especializado do direito que exerce papel fundamental garantindo condições mínimas de vida aos trabalhadores após um longo período de lutas entre as classes sociais. Como ressalta Tereza Aparecida Asta Gemignani, “o Direito Privado nasceu com os olhos postos na defesa da propriedade e continuou a proteger interesses patrimoniais de poucos. Neste contexto, o Direito do Trabalho surgiu como via de inclusão dos não proprietários ao sistema jurídico. Oferece meios para transformá-los em cidadãos, mediante a inovadora proposta de imbricar critérios de justiça comutativa com justiça distributiva, o que para a época soava como heresia, pois quebrava os cânones tradicionais ao se apresentar como um direito híbrido, abarcando institutos tanto de direito privado como de direito público”[7].

O direito do trabalho precisa ser bem compreendido por meio de uma teoria geral, onde seus princípios específicos transbordam as simples normas positivadas através da legislação social como forma de se impor limites éticos ao capitalismo. A desigualdade predomina nesta esfera das relações humanas, o que é constantemente esquecido por setores da mídia que têm se utilizado de fatos distorcidos para atacar os direitos dos trabalhadores. De forma proposital, esquece-se que a situação da grande massa trabalhadora só tem piorado nas últimas décadas, muito antes da tão propagada e atual crise econômica, o que originou o termo “precariado”[8] para definir essa nova classe social de desvalidos.

Por outro olhar, o direito do trabalho também é um mecanismo escolhido como forma de justificar o sistema de produção capitalista, no qual explorar o trabalho humano é um meio válido para a acumulação de riquezas[9]. A noção de que a legislação trabalhista também serve aos interesses do capital é no sentido de manter vigente o atual sistema econômico a salvo de revoluções, no conceito de Löwy, “a revolução é etimologicamente uma reviravolta: inverte as hierarquias sociais ou, antes, recoloca no lugar um mundo que se encontra do avesso...”[10].

De um modo geral, o direito do trabalho contribui para o acréscimo de civilidade, uma vez que atua de forma direta em favor de melhores condições de trabalho e de vida. Portanto, subordinar o direito do trabalho aos movimentos da economia seria o mesmo que submeter o trabalho, que é indissociável da pessoa do trabalhador, ao capital, o que, em outras palavras, significa sujeitar o homem às coisas. Foi por essa e outras razões que a Associação Juízes para a Democracia (AJD) veio a público repudiar a tentativa de destruição da Justiça do Trabalho por meio do corte orçamentário[11].

É preciso entender que o direito do trabalho representa direito de resistência da maioria, lançado em direção ao grupo detentor do poder econômico. O direito do trabalho deve servir como instrumento de que dispõe as civilizações ocidentais para assegurar o controle e a atenuação das distorções socioeconômicas inevitáveis que o sistema capitalista acaba provocando.

A verdadeira compreensão do direito do trabalho passa pelo significado da condição humana e da visão do trabalho como meio de sobrevivência do trabalhador, eis que não dispõe de outro modo para se sustentar. Alegações como o “alto custo do trabalho” sempre partem de premissas equivocadas e destacam apenas a exploração do trabalho vista como fonte de riqueza e acumulação de capitais.

O discurso neoliberal no sentido de que o direito do trabalho precisa se adaptar às novas tendências da sociedade capitalista contemporânea de modo a evitar a crise da economia representa uma inverdade que atenta contra direitos fundamentais de segunda geração constitucionalmente garantidos. A questão trata da vida e da morte de única classe criadora e progressista, e por isso mesmo, do futuro da humanidade. Se o capitalismo é incapaz de satisfazer as reinvindicações que surgem infalivelmente dos males que ele mesmo engedrou[12], tal fato está justamente a demonstrar que o sistema escolhido como modelo econômico ideal é falho e requer modificações muito mais profundas do que o simples “desmonte” da legislação trabalhista.

No fim, o recado dos poderosos é sempre o mesmo: na crise, os ricos ficam mais ricos e os pobres agonizam, desfalecidos. Mas não passarão. Átila da Rold Roesler é juiz do trabalho na 4ª Região e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD). Pós graduado em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Processual Civil. Foi juiz do trabalho na 23ª Região, procurador federal e delegado de polícia civil. Publicou os livros: Execução Civil – Aspectos Destacados (Curitiba: Juruá, 2007) e Crise Econômica, Flexibilização e O Valor Social Do Trabalho (São Paulo: LTr, 2015). Autor de artigos jurídicos em publicações especializadas. Professor na pós-graduação na UNIVATES em Lajeado/RS e na FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul.

[1] Conforme: http://www.cartacapital.com.br/politica/camara-aprova-terceirizacao-para-todos-os-servicos-2809.html, acesso em 06/02/2016.
[2] Entenda o caso: http://www.anamatra.org.br/index.php/noticias/anamatra-ingressa-no-stf-contra-cortes-no-orcamento-da-justica-do-trabalho, acesso em 06/02/2016.
[3] Conforme: http://reporterbrasil.org.br/2015/04/o-brasil-vai-desistir-de-combater-o-trabalho-escravo/, acesso em 06/02/2016.
[4] A título de exemplo, ver matéria publicada no dia 11 de janeiro, de lavra do jornalista Fernando Martines, no site Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-jan-11/justica-trabalho-mpt-sao-apontados-causas-inseguranca, acesso em 04/02/2016.
[5] http://www.institutoliberal.org.br/blog/por-que-leis-trabalhistas-prejudicam-o-trabalhador/, acesso em 06/02/2016.
[6] A insistência em culpar a janela para destravar os caminhos. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-fev-05/insistencia-culpar-janela-destravar-caminhos, acesso em 05//02/2016.
[7] De algodão entre os cristais à protagonista na formação da nacionalidade brasileira. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 39, 2011. Disponível em: http://www.tst.jus.br/documents/4263354/7d40fb9d-b86c-497e-a8f9-893e545f0133, acesso em 06/02/2016.
[8] Saiba mais em: http://blogdaboitempo.com.br/2013/07/22/o-que-e-o-precariado/, acesso em 06/02/2016.
[9] ROESLER, Átila Da Rold. Crise Econômica, Flexibilização e o Valor Social do Trabalho. São Paulo: Editora LTr, 2015.
[10] Löwy, Michael (org.). Revoluções. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009.
[11] A nota completa está disponível em: http://ajd.org.br/documentos_ver.php?idConteudo=196, acesso em 06/02/2016.
[12] COUTINHO, Grijaldo Fernandes. O direito do trabalho flexibilizado por FHC e Lula. São Paulo: LTr, 2009, p. 29.


Justificando 


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