terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Pela Democracia, sociedade deve participar da eleição para chefia do Ministério Público




Tenho defendido, ao lado de admiráveis e corajosos companheiros de trincheira, como Marcelo Pedroso Goulart, a necessidade da sociedade participar do processo de escolha da Chefia do Ministério Público. A proposta, apresentada como "tese" no XXI Congresso Nacional do Mi…
 


Márcio Berclaz
 

Tenho defendido, ao lado de admiráveis e corajosos companheiros de trincheira, como Marcelo Pedroso Goulart, a necessidade da sociedade participar do processo de escolha da Chefia do Ministério Público.
 

A proposta, apresentada como "tese" no XXI Congresso Nacional do Ministério Público (que tinha como um de seus objetivos incrementar a relação do Ministério Público com a sociedade), realizado no Rio de Janeiro em novembro do ano passado, após aprovação preliminar na comissão temática, foi rejeitada por ampla maioria na Plenária final (entre mais de 100 "delegados" representantes das associações do Ministério Público, houve apenas 6 votos a favor de membros dos Estados de Pernambuco e Piauí), situação que mostra um grave e preocupante limite na forma de enxergar a relação do Ministério Público com a sociedade.
 

Entendo que as forças vivas da sociedade civil de expressão estadual ou nacional, com todas as suas cores e bandeiras, progressistas ou conservadoras, tem sim o direito de participar da escolha do chefe máximo da instituição cujo discurso de defesa do povo precisa estar preenchido por um mandato real e concreto, não apenas presumido por conta da vocação constitucional.
 

Se é verdade que essa possibilidade ainda não ocorre no âmbito das outras instituições integrantes do sistema de justiça, tais como Poder Judiciário e Defensoria Pública, isso desimporta. Só uma instituição a Constituição encarregou de defender o regime democrático. Esta instituição é o Ministério Público, que por isso mesmo precisa largar na frente, representar a vanguarda e dar o exemplo, como lá atrás já fez em relação a outros temas.
 

A interlocução com a sociedade deve ser permanente, inclusive para que esta tenha direito não apenas à voz, mas também a voto, contribuindo para formação da chefia da instituição e, assim, podendo influenciar e contribuir para o planejamento e a gestão institucional das prioridades de agenda. Só assim haverá garantia de que a sociedade será efetivamente ouvida, não apenas quando sua escuta interessa ao Ministério Público. Afinal, não é a sociedade o bastião de guarda e a sólida muralha que protege o Ministério Público de ser alvo do seus acertos na fiscalização dos demais poderes? A sobrevivência do Ministério Público tal como foi projetado constitucionalmente, depende diretamente da sociedade.
 

Infelizmente, na atual superestrutura vigente, esse ainda não parece ser o desejo nem a convicção da maioria dos membros do Ministério Público. Precisa-se de uma forte mudança de cultura. A instituição não pertence apenas aos que nela trabalham, mas à sociedade como um todo.
 

Para uma instituição que fiscaliza os poderes e arroga para si a condição de defesa dos interesses da sociedade, não há nada mais coerente e necessário do que assegurar meios de participação social na realização do seu processo eleitoral.
 

Ainda que se possa discutir o peso desta participação, o Ministério Público do futuro não poderá continuar fechado, autorreferente e pouco permeável à cobrança social. Algumas críticas pertinentes já começam a surgir. Não por acaso as prioridades institucionais muitas vezes são pensadas apenas para atender a lógica e os anseios clientelistas dos seus membros (não se pode nem incluir os servidores nessa conta, pois esses internamente não tem qualquer possibilidade de voto ou influência - o que também é inaceitável, mas igualmente rechaçado por boa parte dos membros, que preferem que tudo continue como está).
 

A situação atual ou mesmo a falta de regras unitárias e gerais para as eleições dos Procuradores-Gerais de Justiça no âmbito do Ministério Público Estadual é a expressão de como a instituição constitucionalmente encarregada de defender o regime democrático precisa qualificar a gestão de sua política institucional. Sequer é preciso registrar um projeto de campanha, debates são facultativos, o tempo de campanha é exíguo, não há vedação para práticas administrativas capazes de caracterizar abuso do poder político de gestão ou mesmo restrições ao uso da máquina, enfim, todas essas são questões que deveriam estar muito bem regulamentadas. Talvez se a sociedade já estivesse atenta e presente neste processo, isso já teria ocorrido.
 

Para além de reforçar a legitimidade do Ministério Público, cujo principal apoio, repito, está na sociedade por ele defendida, acredito que a participação da sociedade civil na escolha da chefia do Ministério Público provocará maior oxigenação à instituição, diminuirá o caráter autofágico e pessoal de muitas disputas, quebrará hegemonias consolidadas sob frágeis bases, fazendo que a instituição, com o suporte da sociedade, discuta e reflita sobre suas prioridades e possibilidades, inclusive para qualificar o discurso da política institucional, não raras vezes "pequena" e distanciada das necessidades sociais.
 

Mais do que isso, a participação da sociedade no processo de escolha da chefia do Ministério Público reforça a independência e autonomia que, no caso do Ministério Público Estadual, o Procurador-Geral de Justiça deve possuir em relação ao Governador, assegurando a necessidade de critério bem definido e prévio sobre o orçamento da instituição. É a própria sociedade, que vota nos políticos eleitos do Executivo e Legislativo, que deverá lutar para assim aconteça; o próprio político, por certo, terá menos interesse em contrariar uma escolha que não é só de membros de uma corporação, mas do conjunto da sociedade civil.
 

Antes de merecer repúdio ou desprezo, antes de representar perigo (lamentavelmente há quem pense assim sobre a simples possibilidade da sociedade contribuir e concorrer para a escolha da entidade que afirma representá-la, por mais incoerente e paradoxal que isso seja com a própria origem e razão de ser do Ministério Público), trata-se de uma necessidade para ajustar e conformar a atuação do Ministério Público à sua missão constitucional. Ou as instituições ajustam-se a partir de uma autocrítica interna feita de modo responsável e com visão de futuro, ou acabam por ser transformadas ou modificadas por outros meios; o pior deles, para o Ministério Público, certamente, poderia ser uma nova constituinte.
 

A falta de participação da sociedade na escolha da chefia do Ministério Público talvez explique o fato de que muitas eleições para Procurador-Geral de Justiça, por exemplo, perdem-se no debate de questões de interesse meramente corporativo e voltadas ao público interno, tais como questões remuneratórias, compensações e preocupação com a movimentação na carreira (uma carreira, aliás, que de modo geral, prioriza de modo irracional a capital em detrimento do interior do Estado, das fronteiras e dos locais mais vulneráveis e suscetíveis às violações de direito).
 

O que dizem os meios de comunicação sobre o processo eleitoral do Ministério Público? Muito pouco, quase nada. Há um silêncio constrangedor e questionável.
 

Nunca é demais lembrar: o Ministério Público não é apenas de seus membros, mas sobretudo e fundamentalmente do povo. Não apenas seus membros sabem o que é melhor para a instituição; esse tempo já passou.
 

Em sendo assim, cabe à sociedade cobrar e lutar para que assim aconteça. Por que ainda não o fez? Como ensina a canção que embalou importante momento histórico, quem sabe faz a hora, não espera acontecer...
 

Márcio Berclaz é Promotor de Justiça no Estado do Paraná. Doutorando em Direito das Relações Sociais pela UFPR (2013/2017), Mestre em Direito do Estado também pela UFPR (2011/2013). Integrante do Grupo Nacional de Membros do Ministério Público (www.gnmp.com.br) e do Movimento do Ministério Público Democrático (www.mpd.org.br). Membro do Núcleo de Estudos Filosóficos (NEFIL) da UFPR. Autor dos livros “Ministério Público em Ação (4a edição – Editora Jusvpodium, 2014) e “A dimensão político-jurídica dos conselhos sociais no Brasil: uma leitura a partir da Política da Libertação e do Pluralismo Jurídico (Editora Lumen Juris, 2013). 

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